O governador João Doria (PSDB) não cansa de passar vergonha. Não contente em tentar se desvincular – de maneira deplorável – da imagem do já impopular Jair Bolsonaro (como esquecer o oportunista slogan Bolsodoria?), agora o tucano quer ser a versão piorada do descontrolado presidente da República. Prova incontestável dessa sina está na decisão de retirar das escolas estaduais de São Paulo material didático sobre identidade de gênero.
Com total desprezo para o fato de mais de 70% dos casos de abuso infantil acontecerem dentro das casas das próprias vítimas (principalmente por pais ou padastros), Doria recorre ao delirante conceito de “ideologia de gênero” para justificar o arbitrário recolhimento de milhares de livros que seriam direcionados aos alunos do 8º ano do ensino fundamental – que têm, no geral, entre 13 e 14 anos.
Para quem leva a sério tais estatísticas, impedir que pré-adolescentes entendam conceitos de sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual, além orientações sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, é negligenciar o fato de o país ser o 11º no mundo com mais casos de abuso e exploração infantil.
Era de se esperar, portanto, que a reação à decisão fosse imediata: nesta quinta-feira (5), um dia após a retirada dos livros ser anunciada, o Ministério Público de São Paulo instaurou inquérito para investigar se na decisão do governador do estado houve violação do direito à educação tal como constitucionalmente previsto e eventual dano aos recursos públicos.
“A ideologia de gênero nem sequer existe. Doria e seu ídolo Jair Bolsonaro utilizam essa expressão na tentativa de confundir a população e privá-la do direito ao conhecimento, ao debate e à vida em uma sociedade em que diversos grupos se relacionam de maneira respeitosa e na plenitude de seus direitos”, repudiou a deputada estadual (PT-SP) professora Bebel.
Quem também recebeu com espanto a decisão foi a presidenta da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH), Bruna Andrade Irineu, que vê na retirada dos livros um grave sintoma da atual escalada de ódio transformada em política de governos ultra conservadores em várias partes do mundo – cujo sintoma recai sobretudo ao público LGBTi.
“A ofensiva antigênero, como alguns pesquisadores e pesquisadoras do campo feminista têm denominado, não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Setores conservadores têm constituído fortemente seu projeto de poder ancorados em uma agenda anti direitos sexuais e reprodutivos articulando-se especialmente com setores ultraliberais que privilegiam ações para a minimização do Estado e a destituição de direitos sociais”, explica.
Bruna reitera ainda o fato de o termo “ideologia de gênero” sequer é reconhecido: “Ideologia de gênero é alcunhado para obscurecer uma ofensiva conservadora contra os recentes avanços públicos da agenda LGBTI e feminista. Esta terminologia está envolta em uma estratégia desta mesma ofensiva antigênero que possui caráter desdemocratizador, em um sentido explícito de táticas de corrosão de instituições democráticas como as universidades, conselhos, sindicatos, movimentos sociais e partidos do campo de esquerda, por exemplo”.
Ração humana e uso da violência
O histórico de João Doria, por si só, já bastaria para comprovar o seu desprezo pela educação pública e, sobretudo, pelos profissionais do setor. Em março de 2018, o então prefeito de São Paulo deu carta branca para que as forças policiais reprimissem com extrema violência ato realizado por professores contra a reforma da Previdência municipal. O resultado foi pura barbárie: dezenas de docentes feridos num capítulo deplorável da atual conjuntura política do país.
Meses antes, o ex-prefeito já havia chocado o mundo ao propor que escolas públicas trocassem a merenda por espécie de granulado orgânico, batizado de ração humana. Uma afronta às milhares de crianças e adolescentes que tinham na escola sua única refeição de qualidade durante todo o dia.
Da Redação da Agência PT de Notícias