Certamente você já deve ter escutado o significado da palavra ‘sororidade”, mas e o termo ‘dororidade’?
Criado pela escritora Vilma Piedade, o conceito está ligada à ‘dor’ que une as mulheres negras que vivenciam diversos sofrimentos em suas trajetórias, por causa disso, representa a cumplicidade entre mulheres negras. Esse conceito está difundido dentro do feminismo negro, pois o movimento acredita que existe dores que somente as mulheres negras reconhecem, por isso, a ‘sororidade’ não alcança toda experiência vivida pelas mulheres negras .
E infelizmente, essas dores são causadas pelo racismo e sexismo: pobreza, racismo, violência de gênero, no mesmo momento que sentem na pele a incerteza da existência dos seus companheiros, irmãos e filhos, visto que são a maioria vítimas de encarceramento e mortes de violência.
Dados do último Mapa da Violência, da Anistia Internacional, comprova que o Brasil ainda é um país que a cada 23 minutos mata um jovem negro, ou seja, cerca de 77% dos jovens assassinados no Brasil são negros.
A pesquisa só reflete o racismo estrutural, na qual a sociedade privilegia um grupo em detrimento de outro, construindo mecanismos desiguais que impactam na dimensão institucional, cultural, social e também individual.
Iêda Leal, pedagoda e coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado e do centro de referência negra Lélia Gonzáles, contribui na luta das mulheres negras e conta que ser mãe preta é acordar todos os dias com a esperança de que as manifestações de violências do racismo não alcançará seus os filhos.
“É difícil mas essa é a primeira sensação de abrir os olhos. A gente dá de cara com o sistema brutal e violento que viola nossos direitos, a gente tem a certeza que precisamos proteger nossos filhos, a gente sabe que a violência nesses corpos é cruel”, desabafou Leal.
Ela ainda ressalta que umas das formas de amenizar o sofrimento, é denunciar sobre o encarceramento em massa, lutar por justiça e cobrar das autoridades respostas. Também destacou a importância das mulheres negras se organizarem para ocuparem os espaços de poder, e assim, dar mais vozes às reivindicações .
Como o caso da Mônica Cunha, após perder seu filho Rafael da Silva Cunha, executado por policiais no Rio de Janeiro, em novembro de 2006, enxergou a luta como uma maneira de exigir justiça e memória do seu filho.
“Só juntas e sendo um rede de apoio às outras mulheres que passaram por isso, conseguiremos combater o racismo, e ser uma rede de apoio às outras mulheres que passaram por isso, um país sem racismo e que podemos parir e criar nossos filhos com segurança. Fazer do luto a luta é que nos move todos os dias, para que a gente deixe de verdade o legado das mulheres negras que pariram esse brasil”, frisou a mãe.
Atualmente, ela atua nas frentes de proteção e direito de adolescentes de atos infracionais; mulheres negras e na juventude negra, para provar e não deixar que essa situação não seja cotidiano na vida de outros jovens negros e de mães negras, pois sentiu na pele a pior face do racismo.
“Temos o direito de parir, de sonhar, mas o racismo acaba com tudo isso! Essa realidade não é justa e isso não é humano, não podemos deixar que isso seja cotidiano de nossas vidas. Foi doloroso ter perdido meu filho na mira do fuzil, como se fosse qualquer lixo, sem nenhum respeito, acabando com a história, eu não admito! vou permanecer com essa dor, mas o estado não vai ter sossego, enquanto eu continuar viva, enquanto tiver dor, eu vou seguir lutando por justiça,” enfatiza Mônica.
A psicóloga Maryllis Gabrielle de Queiroz explica que a perda de um filho pela violência pode ser entendida de diversas maneiras. “As mães que conseguem sentir a dor da perda lutando por justiça, as mães que passam por todas as fases do luto de forma sofrida e as mães que conseguem elaborar, ressignificar todo o momento em que ela está vivendo”, disse a especialista.
Ela ainda evidencia o racismo que as mulheres negras sofrem no estereótipo de acharem que são fortes, guerreiras e resistentes a qualquer tipo de dores.
“Digo isso porque existe um tabu cruel de que toda mulher preta é forte. Automaticamente ela não tem tempo pra sofrer, e por isso, a vida segue. Essa mentalidade limitada esquece que a mulher preta é humana, é frágil, sofre e se importa. É completamente desumano tal situação, porque tira o direito da mulher negra de pedir socorro e viver seu luto da forma que gostaria”, explicou.
Ela ainda explica, que ao serem cobradas, a dor das mães negras acabam sendo invisibilizadas, o que pode resultar em transtornos mentais: síndrome do pânico, estresse pós-traumático, depressão, entre outros.
Para as lideranças negras, Iêda Leal e Mônica Cunha, políticas públicas eficazes e educativas, são essenciais para eliminar essa política de genocidio, que inclusive, está em curso, e se manifesta com a precarização da saúde, educação, lazer, trabalho, direitos humanos, entre outros direitos negados a população negra.
Dandara Maria Barbosa, Agência Todas