Uma década da Lei Maria da Penha, aprovada pelo Congresso Nacional em 2016 e sancionada pelo Presidente Lula e implantada em todo o território nacional pela presidenta Dilma. Consolidou-se como um dos mais importantes paradigmas jurídicos para o enfrentamento à violência contra as mulheres.
Como afirma Campos(2016)”… é obrigatório lembrar que a Lei Maria da Penha é fruto de de uma proposta de um Consórcio Nacional de ONGs feministas (Themis, Claden,Cepia, Cfmea e Advocaci) e do movimento de mulheres, com apoio de juristas aliados, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (que o processo) e de parlamentares feministas e não feministas comprometidas com as lutas das mulheres.”
Foram dois anos de discussão para o consenso até a sanção presidencial.
No artigo 8 a Lei é clara em sua diretriz para implantação: criar entre os entes federados, município, estado e união , parcerias com todos os atores envolvidos necessariamente no enfrentamento à violência contra a mulher: judiciário especializado, ministério público, segurança pública, defensoria, serviços de apoio psicossocial e de emprego e renda.
Criando dessa maneira uma rede de serviços com atribuições definidas para cada ente federado e para os poderes igualmente envolvidos.
A primeira proposta foi no governo do Presidente Lula com a criação do Pacto para o enfrentamento à violência contra a mulher onde todos os estados assinaram e a segunda no governo da Presidenta Dilma , para obter mais resolutividade nas demandas das mulheres criou-se o Programa Mulher Viver sem violência com 6 ações, entre elas a construção de uma casa da Mulher Brasileira em cada capital dos 27 estados da federação. O paradigma da integração e integralidade de todos os serviços elencados num mesmo espaço físico respeitando as atribuições de cada serviço determinado pela Lei Maria da Penha.
A Proposta de alteração da Lei pelo PLC 07/216 de autoria do Senador Aloysio Nunes, constitui num grande retrocesso e muito preocupa as mulheres.
Elencarei agora minhas divergências com tal proposta:
1-a Lei tem uma legitimidade social por todo o processo de construção pelo qual passou. E alterá-la sem incluir na discussão os movimentos de mulheres e feministas, bem como os outros poderes envolvidos é desrespeitar a participação democrática.
2- A história das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e o relatório importantíssimo do longo e frutífero processo da CPMI da violência liderado pela deputada Jô Moraes e pela então senadora Ana Rita demonstram a calamitosa situação em que se encontram as Delegacias de Defesa das Mulheres em nosso País; completamente abandonadas e sem profissionais suficientes para o atendimento eficaz e célere das mulheres que alí chegam. Não funcional 24 hs por dia, nem tampouco nos finais de semana e feriado, reivindicação secular das mulheres e exigência da Lei Maria da Penha.
Como hoje essas eminentes delegadas solicitam alteração incluindo a expedição da Medida Protetiva sem a consideração do juiz especializado? A função das Delegacias é acolher respeitosamente as mulhere/s, naõ a julgando, além de sua função precicua que é a investigativa.
Retirar atribuição de um poder quando sabe-se que naõ será cumprida, é mais uma violência para as suas mulheres.
Este é o ponto central de nossa discordância no que concerne a terceira alteração que é a inclusão do art. 12-B que pretende conceder à autoridade policial, atribuição para a concessão de medidas protetivaa de urgência, prerrogativa do poder judiciário, conforme a Lei Maria da Penha. É um obstáculo de natureza constitucional, que nos parece intransponível. Outro argumento é a exagerada ampliação do poder policial, cujos profissionais em sua maioria, são despreparados, além dos obstáculos estruturais.
As duas outras alterações propostas com a inclusão do Art. 10 A e 12 buscam corrigir deficiência estruturais e de preparo e capacitação dos e das profissionais, como a preservação dos direitos humanos das mulheres e a garantia do funcionamento 24 hs/dia e a criação de Núcleos de Atendimento de Feminicídio no âmbito das DEAMs, o que também amplia suas competências.
No entanto, é bom lembrar que o Relatório de 2013 da CPMI da violência já apontava tais deficiência e propunha maior investimento financeiro e humano pelos Estados , já que as DEAMs são de competência dos Estados.
Vamos aos fatos: a proposta não é nova e já foi rejeitada pela referida CPMI, quando apresentada pelas e pelos delegados. Tal proposta não foi acolhida pela então relatora por ferir a constitucionalidade do poder judiciário, uma vez que retirava tal atribuição de sua jurisdição.
Se o grande mérito da Lei Maria da Penha foi instituir a medida protetiva de urgência, o do executivo foi integrar no mesmo espaço físico todos os serviços , buscando agilidade ,eficácia e o rompimento da via crucis da mulher em busca do atendimento.
A proposta além de subverter a lei Maria da Penha , transforma a polícia em super policia com super poderes, reforçando o Estado Penal e recolocando o enfrentamento à violência contra as mulheres apenas como casos de polícia .O que não resolveu e continua não resolvendo.
Ao contrário a, lei veio para garantir os direitos humanos das mulheres e acabar com os pré julgamentos reiteradamente feitos na maioria dos atendimentos policiais.
Se a alteração for aprovada quem entregará as intimações para as vítimas? Como ficam os inúmeros inquéritos policiais ? Bem como todas as demais atribuições investigativas das DEAMs.
É necessário lembrar que as DEAMs não possuem atribuição constitucional e nem etão aparelhadas para tal.
As Delegacias de Defesa as Mulheres padecem de recursos humanos, financeiros e materiais
Para terminar reforço que mudar a lei Maria da Penha exige responsabilidade com a sociedade e sobretudo com as mulheres, naõ podendo ser feita a toque de caixa sem discussão ampla e uma profunda análise que envolva todos os sujeitos interessados.
Se assim o for é sem dúvida alguma casuísmo que não podemos aceitar.
Nossa posição naõ é de maneira alguma, desconsiderar o comprometido trabalho que as delegadas vem realizando , pois as conheço e respeito e sei o quanto querem de melhor para as mulheres vítimas de violência doméstica e sexual.O que foco é que as mudanças devem ser bem discutidas bem como suas repercussões. Avaliadas.
Para que e por que mudar uma Lei que é uma das poucas que etá dando certo com eficácia no combate à violência contra as mulheres.
Mudar uma lei só quando o processo de implantação mostra a sua ineficiência. O que não me parece ser o caso da lei Maria da Penha, ao contrário.
Ouvir os e as envolvidas é fundamental. Lembro que os juízes especializados são contra tal mudança e seguramente naõ é por motivo corporativo e sim pelas competências de cada poder envolvido.
Eleonora Menicucci é ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres do governo Dilma Rousseff