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Elika Takimoto: Sobre a futura ministra da mulher, da família e direitos humanos

“A nomeação de novos ministros segue sendo coerente com o discurso e a postura do eleito. Para que haja algo passível de credibilidade, basta um meme”

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Elika Takimoto

Que esse réveillon vai nos levar à Idade Média já estávamos prevendo. O que assusta é que isso está sendo feito em plena era onde a informação está na palma das mãos.

A nomeação de novos ministros segue sendo coerente com o discurso e a postura do eleito. Para que haja algo passível de credibilidade, basta um meme. Mexer com a emoção na Era Bolsonaro é a maior prova de autenticidade. Ninguém mais liga para uma construção de conhecimentos postos à prova e uma discussão profunda sobre temas complexos. Sequer pesquisas científicas são consideradas.

Kit gay e mamadeira de piroca eram somente a ponta do iceberg. Quem acreditou nisso fica repetindo que o PT “quer impedir que crianças nasçam” porque, “para a esquerda, todo o bebê é um risco para o planeta porque aumentará as emissões de carbono”, que o aquecimento global é invenção de comunista assim como as vacinas são maléficas, que a terra é plana, que agrotóxico é sinônimo de vida longa e, como se tudo não fosse suficiente, fica delirando pelas ruas achando que o cotidiano das salas de aula brasileiras é uma suruba permanente.

Seria lindo se bastassem essas crenças para que os problemas reais dessa bagaça chamada Brasil fossem resolvidos.

O ponto é que não é porque quase metade do país não acredita em aquecimento global que o planeta vai deixar de aquecer e afetar a vida de milhões de pessoas. Não é porque haja uma alucinação em massa acreditando que o problema das salas de aula seja que “os professores viraram exemplos de como se faz filme pornô” e que “a pedofilia é a meta pedagógica a ser alcançada” que o baixo salário dos professores e a comprovada baixa qualidade do ensino ministrado no Brasil vão melhorar.

No último episódio do House of Paranauê, vimos bater o martelo do nome da futura ministra da mulher, da família e dos direitos humanos: a pastora Damares Alves.

Damares é desde 2015 assessora parlamentar do senador Magno Malta, aquele que está triste e chateado por não ser indicado para ser ministro de nenhuma pasta depois de tanta babação de ovo e que é uma das principais figuras da bancada evangélica.

A pastora da Igreja do Evangelho Quadrangular terá a missão de formular pautas para os grupos mais vulneráveis da sociedade, ao mesmo tempo em que terá de responder à base conservadora que ajudou a levar Bolsonaro ao poder. Vale lembrar que o eleito é um político que rejeita o conceito de “minoria” e relativiza até mesmo o de direitos humanos. Como Damares irá fazer seu trabalho… nem Deus sabe.

Há séculos as mulheres lutam pelos direitos iguais e avançamos muito em várias pautas. Mas a futura ministra tem como modelo de felicidade um casamento onde o marido é o provedor e a mulher administradora da casa e dos filhos.

Há inúmeras formas das mulheres serem felizes e casos e mais casos onde uma vida foi reconhecidamente desperdiçada sendo bibelô de marido. No entanto, a pastora insiste que “hoje, a mulher tem estado muito fora de casa […] Gostaria de estar em casa toda a tarde, numa rede, e meu marido ralando muito, muito, muito para me sustentar e me encher de joias e presentes. Esse seria o padrão ideal da sociedade. Mas, não é possível. Temos que ir para o mercado de trabalho”.

Não, pastora. O ideal de sociedade é quando todas as pessoas podem escolher o que querem fazer. Nós, mulheres, damos aulas, consultas, palestras, escrevemos, advogamos… sabemos, queremos aprender e fazer mais tantas coisas, pastora. Entendemos que a nossa independência financeira é importantíssima para nossa libertação, satisfação e crescimento pessoal.

Para Damares, é a igreja evangélica que “vai mudar a nação”, não a política.

Pastora e futura ministra, não passe por cima da Constituição que assegura a laicidade do Estado, por favor. Saiba que o fato de não ter nada contra religião alguma não significa que eu seja a favor de ter a sua ditando as regras da minha vida. Não quero seus “valores cristãos” para mim. É um direito meu e de toda essa nação não querer – como leis – dogmas religiosos.

A futura ministra disse que não é verdade que o aborto é questão de saúde pública (como defendem especialistas) e que “gravidez é problema que dura só nove meses”.

Não, pastora. Gravidez não é problema. Você não entendeu qual é a grande questão. A justificativa para a legalização do aborto é que ele sempre ocorreu e vai continuar ocorrendo, quer sejamos contra ou não. Não seja cega nem hipócrita. Mulheres ricas abortam. Mulheres brancas abortam. Mulheres pretas abortam. Mulheres pobres abortam e o índice de mortalidade dessas últimas é altíssimo. Se for legalizado, poderemos dar toda a assistência para elas. Inclusive, em alguns casos, teremos meios para impedir, como a senhora e o resto de nós desejamos, que o aborto não aconteça.

As causas para que muitas de nós recorramos ao aborto são inúmeras e envolvem também o fato de sermos um país em que quase 6 milhões de crianças não são reconhecidas pelos pais. Como diz o eleito, pastora, tem que ver isso aí.

Temos que pensar em uma reeducação na sociedade como um todo. Precisamos ser menos machistas, racistas e acabar com a misoginia e todo o tipo de preconceito quando debatemos sobre o aborto. “Esterilizar as mulheres pobres” como defendeu o eleito é uma covardia e totalmente contra a pauta dos Direitos Humanos que a futura ministra representa.

“A mulher aborta acreditando que está desengravindando (sic), mas não está”, disse a pastora achando que estava se comunicando.

Seja mais clara, Damares. Assim vai ser difícil.

Saiba, pastora, que falar em esterilização forçada é ignorar problemas estruturais e as desigualdades que vivemos em nosso país​. Precisamos atacar esses problemas e não mascará-los, futura ministra. Lembre-se de que a maquiagem se tira antes de dormir.

Damares disse que “ninguém nasce gay”. Ela desconsidera todos os estudos e debates feitos sobre o tema como o ocorrido recentemente na Universidade da Califórnia que chegou a fortes indícios de que todo mundo tem um gene gay mas ele só se manifesta se um grupo metil se ligar a regiões específicas do DNA. Desconsiderar pesquisas não é o pior. O pior é considerar a pseudo-ciência e apontar que é possível que “os gays sejam curados”, aumentando ainda mais a homofobia em nosso país.

Por fim, pastora, pare de propagar tantas mentiras. Você sabe que muitos crentes são capazes de acreditar em tudo que lhes fale, supostamente, em nome de Deus, e você se aproveita muito disso.

A senhora já falou – para pessoas presentes no culto evangélico – que a Prefeitura de São Paulo ensinou professores em creches a masturbarem bebês e colocou em sua explanação como referência uma matéria de jornal que, de fato, trazia outra informação: a produção de materiais “para ensinar educadores municipais a lidar com temas como ereção e masturbação infantil”, elemento estudado por Sigmund Freud já nos anos 20 do século passado. Distorceu tudo, Damares. Por quê?

Que diabos de cartilha é essa que você disse que o professor coloca em cima da mesa e que usa para ensinar as crianças que têm que “passar protetor labial nos lábios antes de usar crack para os lábios não ressecar”? Ainda disse que essa cartilha foi feita pelo SUS para usar em postos de saúde e escolas…

Meodeos, Damares. Nos sites dos Ministérios da Saúde e da Educação não há qualquer cartilha com tal conteúdo! O que temos são várias outras, todas de caráter educativo e preventivo quanto à dependência química.

Pare de mentir, Damares.

E pare também de andar ao lado do deputado eleito Julian Lemos (PSL-PB). Ele já foi acusado de agressão pela irmã e pela ex-mulher e foi alvo de três processos por violência doméstica. Fica o conselho já que perdi a conta de quantas fotos vi vocês dois aparecem juntos.

Pastora, quando ouvi da senhora que temos que fazer uma revolução cultural para combater a violência contra a mulher, confesso, tive esperanças de que você falaria de machismo e misoginia. Mas não: “Todos os meninos vão ter que entregar flores para as meninas nas escolas, para entender que nós não somos iguais. Quando a teoria de gênero vai para a sala de aula e diz que todos são iguais e que não tem diferença entre menino e menina, as meninas podem levar porrada, porque são iguais aos meninos”.

Respeito não é dar flores, Damares. Os parceiros que mataram nossas manas conquistaram assim. Acorde, pastora.

Não sei como dizer isso sem parecer prepotente, Damares, mas vai ser necessário você deixar a burrice de lado e se abrir ao diálogo se quiser diminuir, de verdade, os números de casos de estupro, violência doméstica e feminicídio.

Sei que você é capaz, Damares. Afinal, você é mulher e está aí nesse cargo de poder porque muitas de nós lutamos para isso quando nos recusamos ao papel que sociedade nos impôs por tanto tempo: ser capacho de marido e ter uma posição subalterna aos homens.

Que Deus lhe dê sabedoria, Damares, que parece que tanto lhe falta.

Elika Takimoto, é Doutora em filosofia, mestre em história, professora e atual coordenadora de Física do Cefet e vencedora do Prêmio Saraiva Literatura