Para entender o Brasil de hoje, governado por um fantoche da elite econômica e do capital financeiro, é preciso submetê-lo inevitavelmente ao exercício da comparação. Para cada nova mentira, recorre-se aos dados. Neste 28 de janeiro, por exemplo, instituído como o Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo, é impossível não recorrer ao legado deixado pelo Partido dos Trabalhadores para amenizar um problema secular e cada vez mais urgente.
Comparar, neste caso, serve tão somente para escancarar que, desde o golpe de 2016, nada foi feito para evitar esta tragédia que remete ao colonialismo que caiu tão bem às gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro. De lá para cá – e isto está longe de ser uma coincidência – o país deixou de ser referência na árdua luta de salvar vidas da escravidão para se tornar ele próprio o vilão dos menos favorecidos. Ou, em outras palavras, com Temer e Bolsonaro, o trabalho escravo virou política de estado – seja pela retirada de direitos ou pelo discurso ideológico pró-ruralista em curso.
Por sorte, ainda é possível ter acesso aos dados que só confirmam o temor dos especialistas e nos permite combater novos retrocessos.
PT fez Brasil ser referência mundial no combate à escravidão
Basta uma consulta rápida em qualquer portal ligado ao tema para descobrir, por exemplo, que foram nos governos de Lula e Dilma, que o Brasil tornou-se referência mundial no combate ao trabalho escravo.
Para se ter ideia, entre os anos de 2003 e 2013, mais de 40 mil trabalhadores foram resgatados de situações análogas à escravidão. A estatística, por si só, já foi resultado de uma enorme batalha contra a divulgação de dados sobre o assunto e é o resultado da criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
A criação da temida ‘Lista Suja’
Um dos destaques das ações de prevenção e combate ao trabalho escravo durante os governos petistas foi a elaboração da chamada “Lista Suja”, que relaciona nomes de empregadores condenados no nível administrativo pelo uso de mão-de-obra escrava, restringindo-lhes o acesso a créditos junto a bancos oficiais. A lista, atualizada a cada semestre, pode ser acessada aqui.
Em junho de 2014, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 81 (PEC do Trabalho Escravo), que prevê o confisco de propriedades rurais e urbanas que possuem trabalhadores submetidos à escravidão. As propriedades serão destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular. A PEC ainda aguarda regulamentação.
Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
Logo em março de 2003, portanto em seu terceiro mês como presidente da República, Lula anunciou o lançamento da primeira fase do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. A proposta, hoje amplamente reconhecida mundo afora, continua uma série de diretrizes e metas elaboradas para diminuir a curto, médio e longo prazo os principais focos de trabalhos análogos a escravidão.
O texto do projeto continha São 75 ações com o objetivo a eliminação de todas as formas contemporâneas de escravidão, por meio de um trabalho articulado dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público, organismos internacionais e sociedade civil. Três anos depois, o Plano ganhou uma nova versão, mas já sofria com a pressão articulada por ruralistas e parlamentares ligados ao agronegócio para impedir que novas propostas saíssem do papel.
Aí, vem o Temer: o início do desmonte…
Um ano após chegar ao cargo máximo da República, o ministro do Trabalho do golpista Michel Temer publicou portaria em que reduzia as situações que poderiam ser classificadas como “trabalho análogo à escravidão”. O documento era um ataque direto aos pontos que você acabou de ler acima e foi considerado por entidades ligadas ao setor como “Um retrocesso de 20 anos”, “pá de cal” e “maracutaia”.
Como se não bastasse, a portaria ainda colocava em risco a concessão de seguro-desemprego aos trabalhadores resgatados, que vem sendo pago desde 2003, e mesmo a validade da fiscalização a um novo conceito de trabalho escravo. Entre as novidades, está a necessidade de impedimento do direito de ir e vir para a caracterização do crime, tornando irrelevante as condições de trabalho às quais uma pessoa está submetida.
Uma assombrosa afronta que abriu as portas para que empregadores voltassem a fazer o que bem entendessem com os seus empregados.
Agora o desastre é Bolsonaro
Nada que já estava ruim que não possa piorar. A frase, espécie de auto-deboche do brasileiro para lidar com os problemas, bem que poderia ser o lema da gestão Temer-Bolsonaro. Oras, o que é o Brasil de hoje senão uma versão piorada da tragédia iniciada em 2016? É assim no que diz respeito ao combate ao trabalho escravo.
Se Temer já havia deixado claro que era contra todas as medidas tomadas anteriormente, Bolsonaro tratou logo de tornar a situação ainda mais alarmante. Para se ter ideia, em julho do ano passado, Jair prometeu alterar leis que regulam as regras que tratam do trabalho análogo à escravidão no Brasil.
Sem citar um único dado concreto para sustentar seu posicionamento, estabeleceu como uma das metas para o segundo semestre mudar normas que deixem mais claro que é trabalho análogo de trabalho escravo em si. Mais um delírio que vai na contramão do progresso.
Queda nas operações de combate
Não demorou mais do que um ano para que as declarações absurdas do presidente eleito com o uso de fake news se transformassem em mais dados alarmantes. E mais: como tem sido praxe, Bolsonaro conseguiu ser ainda pior que seu antecessor.
Vamos aos números: as operações de combate ao trabalho escravo caíram 57% nos primeiros cinco meses do governo Bolsonaro, em comparação ao mesmo período do ano passado – foram 54 operações neste ano, ante 127 em 2018. Em 2018, 232 trabalhadores foram resgatados de trabalho análogo ao escravo. No mesmo período de 2018, foram 994.