Tem sido um exercício diário absorver sem repulsa ou indignação toda e qualquer nova declaração pública de Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Tudo o que diz é a repetição agravada e inconsequente do seu discurso como parlamentar, mas agora com o peso extra de que suas sandices possam ser, de fato, levadas adiante. O temor da vez é a sua promessa de alterar leis que regulam as regras que tratam do trabalho análogo à escravidão no Brasil.
A proposta, apresentada sem qualquer conhecimento de causa, veio a público durante cerimônia realizada na terça (30) no Palácio do Planalto. Sem citar um único dado concreto para sustentar seu posicionamento, estabeleceu como uma das metas para o segundo semestre mudar normas que deixem mais claro que é trabalho análogo ao trabalho escravo.
“A linha divisória entre trabalho escravo e trabalho análogo à escravidão é muito tênue. Isso está muito tênue e para passar para escravo é um pulo. É igual policial militar, muitas vezes aqui transforma auto de resistência em execução, então essa linha é muito tênue. O empregador tem que ter essa garantia”, declarou.
Membro da Comissão de Trabalho e Emprego da Câmara, o deputado federal Carlos Veras (PT-PE) diz que é inadmissível o tratamento que o presidente tem dispensado à parcela mais vulnerável da população. “Depois de relativizar o trabalho infantil, dizer que não existe fome no Brasil, agora, Bolsonaro chega ao absurdo de defender mudanças na legislação sobre trabalho escravo e análogo à escravidão, pois está preocupado com os latifundiários. É inconcebível esse assunto ser pautado por quem deveria abominá-lo”, lamenta.
Lista suja do trabalho escravo
Bolsonaro ignora o fato de a lista atualizada do ministério da Economia sobre empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo (conhecido como lista suja do trabalho escravo) ter fechado o mês de abril com números alarmantes.
A lista denuncia pela prática do crime 187 empregadores, entre empresas e pessoas físicas. No total, 2.375 trabalhadores foram submetidos a condição análoga à escravidão. Na lista constam empregadores que foram adicionados na relação entre 2017 e 2019 – a maioria relacionada a trabalhos praticados em fazendas, obras de construção civil, oficinas de costura, garimpo e mineração.
Em sua rasa visão, uma família dona de propriedade rural não pode “vir a perder a fazenda se estiver oferecendo aos trabalhadores (pequena) espessura do colchão, recinto com ventilação inadequada, roupa de cama rasgada, copo desbeiçado, entre outras 200 especificações”.
Mas ele não parou por aí. “Aí você vai na Organização Internacional do Trabalho (OIT), acho que na (Convenção) 69, se não me engano. São mais de 150 itens. Então, de acordo com quem vai autuar ou não aquele possível erro na condução do trabalho, o pessoal vai responder por trabalho escravo e, se for condenado, dada a confusão que existe na Constituição, o elemento perde sua propriedade com todos os semoventes”, prosseguiu.
A presidenta Nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, refutou a nova escalada de Bolsonaro contra o povo brasileiro: “Em mais uma absurda declaração, Bolsonaro ataca a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e defende flexibilizar regras de combate ao trabalho análogo à escravo e degradante, para atender grandes proprietários e ruralistas. A crueldade de Bolsonaro precisa ser contida”.
Quem também foi às redes sociais criticar mais um absurdo vindo de Jair Bolsonaro foi o ex-ministro do Trabalho no Governo Lula e ex-prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, que ironizou: “Só falta Bolsonaro instalar pelourinhos e liberar o chicote”.
Lula e Dilma resgataram 40 mil do trabalho escravo
O Brasil tornou-se referência mundial no combate ao trabalho escravo durante os governos de Lula e Dilma. Entre 2003 e 2013, mais de 40 mil trabalhadores foram resgatados de situações análogas à escravidão. A estatística é resultante de uma guerra sem trégua travada desde o início da gestão petista, com a criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
Órgão formado por representantes do governo, de trabalhadores, de empregadores e da sociedade, a Conatrae tem a missão de acompanhar, monitorar e coordenar as ações previstas no 1º e 2º Planos Nacionais para a Erradicação do Trabalho Escravo (PNETE) – implementados, respectivamente, em 2003 e 2008 pelo governo Lula–, além de acompanhar a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional e de projetos de cooperação técnica firmados entre o governo brasileiro e os organismos internacionais.
Em junho de 2014, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 81 (PEC do Trabalho Escravo), que prevê o confisco de propriedades rurais e urbanas que possuem trabalhadores submetidos à escravidão.
Por Henrique Nunes da Agência PT de Notícias com informações do G1