A atitude destrutiva de Jair Bolsonaro diante de instituições e políticas públicas de segurança alimentar construídas em 13 anos de governos do PT deve impor um alto preço sobre a população, notadamente as famílias mais pobres, ao longo de 2022. E os efeitos do tsunami global que se aproxima, de escala semelhante ao que Luiz Inácio Lula da Silva transformou em “marolinha” em 2010, agora serão agravados pela desastrosa condução da política econômica pelo ministro-banqueiro Paulo Guedes.
Como a tempestade perfeita, problemas recorrentes no Brasil desde o golpe de 2016 – inflação galopante, desemprego e precarização do trabalho, queda continuada de renda e a volta da fome – são amplificados, ao fim de dois anos de pandemia, pelo conflito no Leste Europeu. Os dois fatores elevaram os preços de alimentos a um nível jamais registrado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
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O indicador do organismo da ONU alcançou média de 159,3 pontos em março, uma alta de 17,9 pontos (12,6%) ante fevereiro. Em um ano, saltou 34% para atingir o maior patamar já alcançado desde o início da avaliação, em 1990.
A alta foi liderada pelos aumentos dos subíndices de preços de óleos vegetais, carnes e cereais. Estes últimos subiram 24,9 pontos (17,1%) em relação a fevereiro e registraram média de 170,1 pontos, maior patamar desde 1990. Os subíndices de preços de açúcar e de laticínios também avançaram significativamente.
“A perda esperada de exportações da região do Mar Negro exacerbou a já restrita disponibilidade global de trigo”, destacou a FAO. Preços globais de milho, cevada e sorgo também atingiram os níveis mais altos desde 1990, impulsionados pelas restrições à exportação da Ucrânia. “Os elevados custos de energia e fertilizantes sustentaram ainda um aumento de 19,1% nos preços mundiais do milho mês a mês”, pontua a organização.
No Brasil depredado pelo bolsonarismo, alimentos e bebidas subiram 2,42% em março e se somaram a transportes (3,02%) para compor 72% do maior Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no mês desde 1994. Da mesma forma, se unem em um ciclo infernal de influência direta do preço dos combustíveis, dolarizados pela Petrobras após o golpe de 2016, sobre os alimentos. Assim tem sido nos últimos anos.
Fazer as compras do supermercado ficou em média 31,5% mais caro desde o começo de 2020, conforme os dados de alimentação em domicílio do IPCA. Das 50 maiores altas, 42 são alimentos. E comer fora de casa ficou até 27% mais caro no período, apontou pesquisa do Procon-SP em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico (Dieese).
“Foram dois anos bem atípicos, com aumentos muito expressivos e em categorias que pesam muito para as famílias, como os alimentos”, explica Juliana Inhasz, professora da faculdade de economia e negócios Insper, na CNN.
Ao mesmo tempo, a política de Preço de Paridade de Importação (PPI), implementada pelo entreguismo na Petrobras, resultou em gás encanado (30,3%), gás veicular (41,7%), gasolina (44,6%), etanol (47,1%), botijão de gás (46%) e diesel (47%) reajustados em nível acima da já absurda inflação de dois dígitos de Bolsonaro-Guedes.
Lula: “Falta previsibilidade, credibilidade e colocar a economia para andar”
Em entrevista à Rádio Jangadeiro Band News de Fortaleza, nesta quinta-feira (7), Lula lembrou que, para conter a inflação, é preciso haver previsibilidade, credibilidade e colocar a economia para andar, e tudo isso está em falta no Palácio do Planalto. “Não temos uma inflação de consumo, 50% são pelos preços administrados pelo governo, preços que o governo poderia controlar e não está controlando”, apontou.
Lula criticou ainda a suspensão da construção de refinarias e disse que os preços dos combustíveis precisam ser “abrasileirados”, porque o país é autossuficiente. “Quando fatiaram a BR Distribuidora, disseram que iria ter mais concorrência. Hoje temos 392 empresas importando gasolina e vendendo a preço internacional”, afirmou.
“Hoje, as pessoas estão comendo menos, comprando menos, com baixa renda, desempregadas, a carestia voltou, a fome voltou no Brasil. Um país que é produtor de alimentos ter 19 milhões de pessoas num estado de fome, isso não pode acontecer”, disse a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), em entrevista à Globo News no dia seguinte à conversa de Lula.
A volta da carestia, palavra que havia caído em desuso, e da fome, que havia sido reduzida ao piso histórico antes do golpe, ocorre por obra de Jair Bolsonaro, que em seu primeiro dia de mandato extinguiu com uma canetada o Conselho Nacional Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), recriado por Lula em 2003.
Bolsonaro também fechou as portas da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, iniciando um período de perseguição às cadeias de produção com base na agricultura familiar, responsáveis pela maior parte dos alimentos que chegam à mesa das famílias. Acabou com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e fez as áreas plantadas com feijão, arroz e mandioca caírem ao menor nível desde 1976.
E não extinguiu, mas zerou os estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e abriu mão de mediar preços da cesta básica por meio da Conab, abandonando as populações mais pobres à “lei do mercado”. Em julho de 2010, sob Lula, a Conab chegou a ter mais de 5,5 milhões de toneladas de milho armazenadas. Em 2012, sob Dilma Rousseff, eram 1,5 milhão de toneladas de arroz armazenadas.
O ataque ao Sistema Petrobras também foi voraz. O desgoverno Bolsonaro fechou a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen) no Paraná, não concluiu a fábrica do Mato Grosso do Sul e paralisou atividades em outras duas fábricas, uma em Sergipe e outra na Bahia, para depois arrendá-las. Com isso, tornou o Brasil completamente dependente de insumos agrícolas importados. Em 2006, sob Lula, o país importava 58% da demanda por fertilizantes de seus agricultores e produzia 42%.
A maior distribuidora de combustíveis do Brasil (BR) foi fatiada na Bovespa, assim como uma série de ativos da Petrobras. A primeira refinaria do país, Landulpho Alves (RLAM), criada em 1950 após a descoberta de petróleo que gerou a Petrobras, hoje não pertence mais ao povo brasileiro, e vende seus produtos mais caros que a própria estatal.
Rendimento do trabalhador cai a níveis históricos
As perspectivas para os próximos meses apontam para aceleração inflacionária disseminada por toda a economia. A carestia continuará correndo a renda e reduzindo o poder de compra dos salários, que despencam no abismo da desregulamentação do trabalho promovida desde Michel Temer e aprofundada por Bolsonaro e Guedes.
No ano passado, 47% das categorias de trabalhadores analisadas pelo Dieese sequer conseguiu recompor as perdas com a inflação. O número é cinco vezes maior do que a média registrada em 2018: 9%. Em fevereiro, 60,5% das categorias tiveram reajustes abaixo da inflação, o pior resultado para um mês pelo menos desde 2008, quando o Dieese começou a analisar um conjunto fixo de categorias.
Pesquisadores da PUC-RS, do Observatório das Metrópoles e da Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL) identificaram no último trimestre de 2021 a menor renda média nas regiões metropolitanas do país desde o início da série histórica, em 2012: R$ 1.378. No trimestre anterior, também foi registrada queda.
“Estamos chegando a um nível de desigualdade que é similar àquele anterior à pandemia, mas numa sociedade mais empobrecida, com uma renda média bem mais baixa. Está todo mundo mais pobre”, disse ao G1 Andre Salata, pesquisador da PUC-RS e coordenador do estudo, produzido a partir dos dados da PNAD Contínua trimestral, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Também coordenador do estudo, o professor da UFRJ Marcelo Ribeiro aponta que a recuperação da renda, principalmente dos mais pobres, depende de uma retomada econômica anunciada há anos, e não alcançada. “Sem um processo efetivo de recuperação da atividade, dificilmente vamos ter uma economia capaz de gerar emprego e distribuir remuneração suficiente para aumentar o nível de renda das pessoas em geral”, ressaltou.
Professora e economista da Unicamp, Marilane Teixeira disse ao Brasil de Fato que o déficit já estrutural de postos de trabalho tem relação “com a incapacidade do governo de criar empregos para quem necessita”.
“A economia não se recuperou por falta de investimento públicos e o setor privado não tem como alavancar a atividade econômica como defende a equipe de Bolsonaro. Para gerar emprego é preciso política pública do Estado”, afirma a especialista em mercado de trabalho. “Sem investimento público, sem obras de infraestrutura, de moradia, enfim, sem o Estado atuar como indutor do crescimento, a roda não gira e atinge mais os mais pobres.” Com Bolsonaro e Guedes, a roda continuará emperrada.
Da Redação