Bloqueio das exportações russas agravará fome no mundo, alerta ‘NY Times’

Jornal aponta que sanções irão paralisar cadeias produtivas e aumentar a pobreza. “Os EUA pensam que sancionaram a Rússia e seus bancos, mas sancionaram o mundo”, adverte especialista. Brasil segue indefeso

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Sem parque industrial, fragilizado pela dependência de fertilizantes e submisso à dolarização dos combustíveis, o Brasil sofrerá ainda mais efeitos da pressão inflacionária

À deriva nas águas turbulentas do cenário econômico mundial, o Brasil encontra-se indefeso diante do dilúvio que começa a se formar no horizonte a partir dos ainda iniciais efeitos globais das sanções contra a Rússia. Especialistas em comércio internacional têm utilizado canais da imprensa mundial para alertar sobre uma crise sistêmica que contaminará toda a cadeia global, atingindo do setor de energia até insumos industriais como alumínio, níquel e paládio (usados em celulares, carros, entre outros bens) além, claro, dos alimentos. Sem parque industrial, fragilizado pela dependência da importação de fertilizantes e submisso ao regime de paridade internacional dos preços dos combustíveis, o Brasil sofrerá ainda mais com a pressão inflacionária e a escassez mundial de produtos importados. O resultado imediato será um aumento da fome e da pobreza, já em números alarmantes no país.

“Os EUA pensam que sancionaram apenas a Rússia e seus bancos, mas acabaram sancionando o mundo inteiro”, resume o diretor de uma empresa de importação de commodities no Afeganistão, Nooruddin Zaker Ahmadi, em entrevista ao New York Times. Em reportagem publicada nesta segunda-feira (21), o respeitado diário americano traçou um panorama das consequências a médio e longo prazo dos embargos praticados contra a Rússia nos mercados globais.

A primeira delas afeta diretamente as cadeias que integram a produção e o fornecimento de grãos. Uma parte crucial do trigo, milho e cevada consumidos no mundo está presa na Rússia e na Ucrânia por causa do conflito, enquanto outra parte ainda maior dos fertilizantes utilizados no planeta está retida na Rússia e na Bielorrússia.

Nos últimos cinco anos, Rússia e Ucrânia representaram quase 30% das exportações mundiais de trigo, 17% de milho, 32% de cevada e 75% de óleo de semente de girassol.

Com o bloqueio, a Rússia, atingida financeiramente, tem sido amplamente incapaz de exportar alimentos. A Ucrânia, por sua vez, ficou isolada com o conflito que, desde o início, provocou altas de 21% nos preços do trigo, 33% da cevada e mais de 40% em alguns fertilizantes.

Tudo isso em um ambiente já desfavorável de pandemia e de um estado de desequilíbrio ambiental que gerou secas, inundações e queimadas mundo afora. Com isso, nações já fragilizadas ou atingidas por um aumento da pobreza empurrarão milhões de famílias para uma situação de fome aguda.

“A Ucrânia só agravou uma catástrofe em cima de uma catástrofe”, declara o diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos da ONU, David M. Beasley. A agência é responsável pela alimentação de 125 milhões de pessoas por dia. “Não há precedente sequer próximo disso desde a Segunda Guerra Mundial”, avalia Beasley.

Safras serão comprometidas no Brasil

Como se não bastasse, a China, que enfrenta a pior safra de trigo em décadas após inundações severas, planeja comprar muito mais em um cenário de oferta cada vez menor do mundo. De acordo com o Times, do Brasil ao Texas, a escassez de fertilizantes já ameaça as safras futuras.

O Brasil, maior produtor mundial de soja, compra quase metade do fertilizante à base de potássio da Rússia e da Bielorrússia. Com a interrupção das exportações, os estoques devem durar três meses, aponta o jornal. A associação de produtores de soja do país instruiu os produtores a usar menos fertilizante, o que irá impactar na safra 2022/2023.

Reação em cadeia

O Brasil vende a maior parte da soja que produz para a China. “A situação das colheitas neste ano pode ser considerada a pior da história”, anunciou o ministro da Agricultura da China, Tang Renjian.

Contratos fechados para compras futuras também irão refletir os efeitos dos bloqueios econômicos, garantindo novas pressões nos preços dos alimentos. Uma oferta menor da soja brasileira, por exemplo, forçará produtores a reduzirem o estoque de ração utilizada pelos criadores de bovinos, suínos e outros grupos. Com isso, configura-se uma reação em cadeia, onde o aumento no preço da carne será quase automático.

O impacto nos preços dos alimentos nas prateleiras ainda é imprevisível mas analistas se apressam em garantir que será gigante. Nos EUA, os preços nos supermercados subiram 8,6% em fevereiro na comparação com o mesmo período de 2021, o maior aumento em 40 anos.

Fim da dependência de fertilizantes, “questão de segurança nacional”

“A Rússia figura entre os principais fornecedores de fertilizantes no mundo”, confirmou o diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Lucchi, ao Correio Braziliense, na semana passada. “No caso do Brasil, de todo o volume que nós importamos no ano passado — em torno de 41 milhões de toneladas, 22% veio da Rússia”, comentou Lucchi. A Rússia é o maior exportador de fertilizantes do planeta, fornecendo cerca de 15% da oferta mundial.

O técnico argumentou ainda que uma redução da dependência de fertilizantes importados, atualmente em mais de 90%, passou a ser “uma questão de segurança nacional”.

Aumento da fome no Brasil e no mundo

Em meio ao cenário catastrófico, as Nações Unidas advertem para uma explosão da fome no mundo. Somente durante a pandemia, a fome cresceu 18% no planeta e hoje afeta 811 milhões de pessoas. Agora, o organização estima que a crise atual poderá fazer mais pessoas cruzarem essa linha, entre 7,6 milhões a 13,1 milhões.

Brasil, atualmente de volta ao Mapa da Fome da ONU, possui quase 20 milhões de famintos e mais da metade da população, 116 milhões, com algum tipo de insegurança alimentar.

Convulsão social

Analistas advertem ainda que os efeitos do conflito podem ir muito além das pressões inflacionárias. Países com um quadro de escassez profunda podem enfrentar verdadeiras convulsões sociais, decorrentes da crise, repetindo tragédias anteriories. “O que realmente leva as pessoas a irem às ruas e protestarem?”, questiona o analista em agricultura do Scotiabank, Ben Isaacson, ao Times

“Começa com a escassez de alimentos e com a inflação dos preços dos alimentos”, aponta, citando os conflitos no norte da África e no Oriente Médio desde os anos 70. Países afetados por conflitos prolongados, incluindo Iêmen, Síria, Sudão do Sul e Etiópia, já estão enfrentando emergências graves de fome. Especialistas temem por uma deterioração social ainda mais acentuada, a curto prazo.

Da Redação, com New York Times e Correio Braziliense

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