Diante do desafio com que o PT se defronta há dois erros a se evitar. De um lado acreditar que o partido vai superar essa crise sem dor, sem ruptura. De outro, ter certeza de que a crise será superada em breve. Há o grande risco de que essa crise se prolongue e se arraste produzindo um impasse que aprofunde o imobilismo em que está mergulhado o partido. Se alguém duvida da paralisia que nos acomete basta percorrer as fotos das manifestações de rua dos últimos 12 meses para confirmar nossa quase absoluta ausência. A resistência ao golpe foi um grande fracasso. O PT foi incapaz de liderar uma resistência de massas.
Não é necessário grande esforço para entender que uma década de governo enferrujou o PT. Era inevitável que isso acontecesse? Sim e não.
O programa de governo que o PT se propôs a cumprir (e o fez em grande medida) a partir da vitória de 2002 não era um programa de enfrentamento social e político. Era um programa que olhava para a sociedade através das janelas do estado. O eixo da intervenção era capturar as instituições, não necessariamente redesenha-las segundo o perfil de novos sujeitos e novos grupos dirigentes. A inclusão se dava dentro da ordem vigente. Não surpreende, portanto, que o partido tenha se transformado muito rapidamente no partido da ordem. E o que é pior, foi habilmente crucificado por essa mesma ordem, como se fossem seus, somente seus, todos os pecados da ordem velha de séculos.
Há hoje expressivos setores dentro de nosso partido que nutrem a firme convicção de que caminhamos para uma vitória de Lula em 2018. Dão por certo que o judiciário não o tornará inelegível. Entretanto, levando em conta a pífia reação contra o golpe, o judiciário não tem que temer agitação popular se Lula for impedido de se candidatar.
Este, contudo, não é o problema. O problema é que embalado pela possibilidade de vitória o núcleo que dirige o partido se recusa a reconhecer seus erros e se consola no simplismo de atribuir toda a crise à maldade e vilania de nossos adversários. A atual direção continua na crença de que as eleições de 2018 são a solução, representam a redenção e a grande virada. Acreditam em eleições, somente.
Dado esse condicionamento a atual crise de identidade não poderia ter sido evitada. O programa que o partido levou a cabo de certo modo exigia sua alma. Era preciso que o PT jogasse o velho jogo conforme as velhas regras.
A dimensão da crise partidária, no entanto, poderia ser outra. Seria outra se o PT não tivesse deixado inconclusas as bases formais para a sua construção como partido de massas.
O direito de tendência foi objeto de debate explicito e específico a partir de 1986. Em 1990, com a regulamentação, o reconhecimento das tendências foi acompanhado da clara rejeição de “partidos dentro do partido”. O estatuto, entretanto, foi bastante além disso. Mais do que proibir uma estrutura paralela, o estatuto proibiu a vida pública das tendências.
Com isso a divergência e o debate no partido passariam a ser um assunto privado, interno, alheio aos interesses daqueles que dele não participavam diretamente. Um partido de massas que não discutiria com as massas. É claro, essa regra de omertá felizmente não se observou na prática, mas é até hoje ainda assim apresentada como o ideal a ser seguido . A imagem de um partido supostamente viril, unificado, sólido pode ser uma vantagem (especialmente se o modelo é o partido leninista verticalizado e monolítico). Tem, porém, seu preço.
Em tempos de crise, durante governos de coalização, a identidade de longo prazo do partido passa a ser instrumentalizada para servir interesses imediatos de governo. O governo então submete o partido e o partido submete sua minoria. Tudo em nome da uma eficácia política apresentada como governabilidade. Nessa lógica quando o governo fracassa é inevitável que naufrague o partido. É o que vimos nos últimos anos.
E é quando nos lembramos que governos passam, e que o partido é o projeto estratégico de uma classe social para além de eleições e governos. E que as minorias também podem estar certas.
O cimento do partido é a força de suas ideias. Sua unidade de ação deriva da capacidade de cada militante, cada grupo, cada setor, formular e agir segundo esse esforço de reflexão e ação coletiva. Ela não pode ser formal e burocrática. Imposta ela nunca será efetiva unidade.
O terceiro mandato de Lula não poderá significar mais do mesmo. Se o for, estará fadado à derrota desde o nascimento. O novo ciclo político exige ruptura. Ruptura com o capital rentista e parasita que privatiza a renda nacional através da dívida pública. O fim da hegemonia desse aparelho ideológico chamado grande mídia. E a ruptura com a lógica predatória do agronegócio, a mercantilização da saúde e do ensino.
Esse novo eixo programático exige transformação do PT. Não poderemos falar à sociedade e esperar ser ouvidos se não houver critica pública das velhas práticas. Este reconhecimento dos erros exige do mesmo modo novos rostos para anuncia-lo. É imprescindível um novo núcleo dirigente que não seja refém desse passado recente. Ao final, então, ficará claro que nem tudo estava perdido.
Por Everaldo Fernandez, professor universitário e membro do diretório estadual (AM), para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.