Sete anos depois de publicar o relatório que anunciava a saída do Brasil do Mapa da Fome, a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) constata que o país caminhou para trás e permitiu que a falta de comida voltasse a castigar a população.
O retrocesso, alerta a entidade, iniciou-se antes da pandemia de Covid-19. Segundo a agência, em 2018, 14% da população brasileira, ou 29 milhões de pessoas, já não tinham condições de acesso a uma dieta saudável. Já o governo de Jair Bolsonaro só piorou a situação.
Em 2014, a fome moderada ou severa atingia 11% da população brasileira. Em 2019 (também antes da pandemia), esse índice chegou a 16%, e, em 2020, a impressionantes 24% (1 em cada 5 brasileiros). “É um enorme salto”, afirma o economista-chefe da FAO, Maximo Torero, em entrevista ao UOL publicada nesta quarta-feira (24). O site destaca que os dados da FAO são ainda conservadores, pois o IBGE já apontou que esse índice chegou a 35% em 2020.
Auxílio emergencial insuficiente
Assim como não é possível culpar a pandemia pelo aumento da fome, também não dá para jogar a responsabilidade na falta de alimentos. Mesmo na pandemia, o Brasil continuou produzindo comida de sobra. O problema, alerta a FAO, são a falta de políticas sociais e a gritante desigualdade, apontada recentemente por Lula como um dos principais desafios a serem vencidos nos próximos anos.
Ao jornal Valor Econômico, Torero explicou que a pandemia acentuou a desigualdade e fez com que uma enorme parcela da população passasse a não ter mais como comprar comida. E as ações do governo Bolsonaro – praticamente limitadas ao pagamento do auxílio emergencial de forma descontinuada e em valor cada vez menor e para cada vez menos pessoas – não foram capazes de proteger essas pessoas.
E agora, 29,4 milhões de famílias excluídas…
A análise de Torero confirma o que vem dizendo a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello, segundo quem a fome começou a voltar ao Brasil a partir do golpe de 2016, com os governos Temer e Bolsonaro desmontando as políticas públicas que garantiam a segurança alimentar. Quando a pandemia chegou, encontrou o Brasil já totalmente despreparado.
“Nós tivemos um desmonte das políticas públicas, como o Programa de Cisternas e o Programa de Aquisição de Alimentos; o salário mínimo parou de ser valorizado; houve a destruição e o desmonte da CLT, com impactos generalizados na renda dos brasileiros; e o desmonte do Suas (Sistema único de Assistência Social)”, elencou Tereza, no mês passado, em audiência pública na Câmara dos Deputados. “Não é a pandemia que agrava o quadro, é a desproteção social, a desorganização das políticas públicas, que nos impediu de construir uma agenda que, mesmo com a pandemia, protegesse os brasileiros”, completou.
O pior é que Bolsonaro, agora, insiste no ataque aos mais pobres e piora a situação. Ao acabar com o Bolsa Família e o auxílio emergencial de uma só vez, ele retirou os benefícios de mais de 29,4 milhões de famílias, sem nenhum tipo de avaliação da situação. “Essas famílias foram excluídas num corte raso, sem que nenhuma avaliação fosse feita. Essas famílias foram excluídas sem que ninguém avaliasse se elas continuam precisando, se elas estão passando fome, se elas conseguiram achar emprego”, alertou a ex-ministra, na última segunda-feira (22), em audiência pública no Senado (assista à apresentação completa no vídeo abaixo, já programado para iniciar na fala da ministra).
“O governo sabia, desde abril, depois desde agosto, quando foi renovado, que o auxílio emergencial ia ser interrompido. E o que deveria ter sido feito, que é o mínimo de seriedade que se exige? Essas famílias deveriam ter sido informadas, convidadas a se cadastrar, para que a gente pudesse ter uma transição séria para o fim do auxílio emergencial e a volta do Bolsa Família ou início de qualquer outro programa. Isso não foi feito. As famílias foram eliminadas sem nenhuma avaliação profissional”, denunciou a ex-ministra.
Da Redação