A dilapidação do patrimônio da Petrobrás avançou no Espírito Santo, terceiro maior produtor de petróleo do país, onde a gestão bolsonarista da estatal conclui a venda dos campos em águas profundas após se desfazer de todos os campos terrestres e de águas rasas. O problema, acusa o Sindicato dos Petroleiros do estado (Sindipetro/ES), está no valor irrisório pago por uma empresa sem qualquer tradição no mercado.
Após dois anos de negociações, o preço a ser pago pela empresa BW Energy em troca dos polos Golfinho e Camarupim (US$ 75 milhões) poderá ser recuperado em apenas 50 dias de produção. E isso se for levada em conta apenas a capacidade de um dos polos vendidos (Golfinho), que é de 15 mil barris por dia.
Considerando-se a cotação média de US$ 100 por barril de petróleo, em um dia de produção a nova empresa atingiria US$ 1,5 milhão em barris. Seriam necessários então 50 dias exatos para chegar aos US$ 75 milhões pagos na compra. Nesta segunda-feira (27), o barril do petróleo Brent era negociado internacionalmente a US$ 110, o que reduz ainda mais o prazo.
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O cálculo não inclui a produção de gás natural e condensado (petróleo levíssimo) do Polo Camarupim, e também a produção do bloco exploratório de Brigadeiro, área que faz parte da venda e que entra no pacote. Além das áreas de exploração, a BW levará toda a estrutura das unidades, incluindo o mercado cativo de gás do Espírito Santo e a garantia de compra de petróleo por parte da Petrobrás.
A operação de risco zero para a compradora foi concretizada mesmo com um presidente interino na Petrobrás, após a renúncia do terceiro presidente do desgoverno Bolsonaro. A sede da BW Energy, fundada somente em 2016, o ano do golpe contra Dilma Rousseff, fica em Bermudas, conhecido paraíso fiscal internacional. “É uma vergonha, um absurdo”, desabafa o coordenador-geral do sindicato, Valnísio Hoffmann.
“O Sindipetro/ES repudia mais essa venda descabida, escandalosa e repugnante realizada pela Petrobrás”, afirma a entidade sindical em seu site. “Nossa diretoria já está se organizando com o jurídico para buscar meios de reverter essa negociação e responsabilizar quem quer que sejam os responsáveis por isso.”
Os diretores do Sindipetro lamentam que a Petrobrás tenha se desfeito dos campos exploratórios na bacia do Espírito Santo. As consequências, apontam os dirigentes, vão desde a queda na arrecadação, com redução significativa dos royalties, à redução de postos de trabalho. “E ainda a alta dos combustíveis, que acontece constantemente desde 2016, quando a Companhia passou a vender ativos e a calcular o valor de gasolina, diesel e gás de cozinha a partir do Preço de Paridade de Importação (PPI)”, prosseguem.
Diretor do Sindipetro, Rodrigo Ferri destaca que a Petrobrás tem compromisso com o meio ambiente e décadas de atuação. “A BW Energy, por ter tão pouco tempo de mercado e não ter a mesma infraestrutura da Petrobrás, talvez não tenha capacidade de dar uma resposta adequada e imediata em caso de desastres ambientais”, pondera.
Preços suspeitos e movimentos duvidosos
Antes de Golfinho e Camarupim, já haviam sido vendidos os campos de terra do norte do Espírito Santo, que são Fazenda Alegre, em Jaguaré; São Mateus, em São Mateus; e Rio Itaúnas, em Conceição da Barra. Em águas rasas, foi vendido o polo de Peroá, em Aracruz. Na Bacia de Campos, há ainda o polo Jubarte, com as plataformas P-58, P-57, Cidade de Anchieta e Capixaba; e o de Roncador, com as plataformas P-54, P-55 e P-62.
Levantamento do Observatório Social da Petrobrás revela que desde 2015 a Petrobrás já se desfez de R$ 263,4 bilhões em ativos por todo o país. Na conta entram campos de petróleo, refinarias, gasodutos e grandes subsidiárias, como a BR Distribuidora. As gestões pós-golpe da estatal argumentam que os ativos são pouco lucrativos ou deficitários, e que vai concentrar investimentos na exploração e produção do pré-sal.
A empresa tem efetivamente focado na exploração em águas ultraprofundas, mas os novos investimentos despencam. Se a média de investimentos entre 2003 e 2015 foi de US$ 26,8 bilhões (R$ 136,7 bilhões), em 2021 a Petrobrás investiu US$ 8,7 bilhões (R$ 44,3 bilhões). É o que aponta estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) na Federação Única dos Petroleiros (FUP).
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A falácia da pouca lucratividade dos ativos vendidos é desmentida com apenas um exemplo: a receita da 3R Petroleum, que subiu 3,5 vezes, de R$ 204 milhões para R$ 727 milhões, em um ano. O prodígio se deu após a empresa comprar R$ 3 bilhões em ativos da Petrobrás, incluindo o polo petroquímico de Areia Branca, Pescada Arabaiana, Macau e Potiguar, no Rio Grande do Norte.
Conforme reportagem da UOL, grande parte das aquisições da 3R ocorreu durante a gestão de Roberto Castello Branco à frente da Petrobrás, entre janeiro de 2019 e abril de 2021. Um ano depois, em maio deste ano, o economista assumiu a presidência do Conselho de Administração da 3R, tornando-se chairman da empresa.
O nome de Castello Branco foi lembrado neste fim de semana, após o vazamento de áudio em que ele afirma, em um grupo de mensagens com outros economistas, ter disposto de material que poderia incriminar Jair Bolsonaro, chamado de “psicopata”. “No meu celular corporativo tinha mensagens e áudios que poderiam incriminá-lo. Fiz questão de devolver intacto para a Petrobrás”, disse Castello Branco, sem entrar em detalhes sobre os crimes cometidos pelo ex-chefe.
O líder da minoria no Senado Federal, Jean Paul Prates (PT-RN), vai acionar a Petrobrás para solicitar informações sobre as declarações de Castello Branco. “Todo mundo sabe que o presidente achaca diariamente a empresa que deveria ajudar a nortear, mas é importante saber exatamente quais crimes ele cometeu, ou se realizou ameaças pessoais”, disse o senador. “É importante que se esclareça exatamente o dano que Bolsonaro impôs à empresa e ao Brasil.”
Uma pesquisa do Poder Data divulgada nesta sexta-feira (24) mostra que 55% dos brasileiros e brasileiras são contrários à privatização, apesar da maciça propaganda enganosa do desgoverno Bolsonaro. “Essa tem sido sempre a posição do povo brasileiro, que sempre teve a clareza de que o petróleo e a Petrobrás são um patrimônio inegociável da nação e um dos pilares da nossa soberania”, diz o coordenador geral da FUP, Deyvid Bacelar.
Da Redação, com informações do Sindipetro-ES e da FUP