Não é fácil perceber, aceitar e tomar alguma ação quando se percebe que a violência sexual está acontecendo dentro de nossa família, muitas vezes dentro de nossas casas, com pessoas que convivemos. A decisão de agir em defesa da criança/adolescente é corajosa e importante, acaba revelando segredos da família que muitos preferiam esconder.
Portanto se você acredita que alguém da sua família está sendo vítima de violência sexual, e principalmente se esse alguém é menor de 18 anos, é imperativo que se tome alguma atitude.
O comportamento da criança é sempre uma manifestação de algo que pode estar errado com ela — seja por meio do sono, da alimentação, desempenho ou conduta. Isso pode estar relacionado ou não com abuso sexual, mas é um indicativo. As vítimas de abuso sexual também podem repetir a violência que sofreram por meio de brincadeiras sexualizadas ou com outros colegas. Quando o diálogo entre mãe e filhos é aberto e acolhedor, o ambiente torna-se propício para que a criança sinta-se à vontade para revelar o abuso. Para isso, ela precisa ter consciência de que está tendo o seu direito violado.
Para enfrentar tempos de pandemia e estar atento ao seu círculo familiar durante a quarentena, trouxemos esses dez pontos da ONG Childhood Brasil. A partir deles, você pode identificar possíveis sinais de abuso sexual infanto-juvenil. E, principalmente, ouvir as crianças e estabelecer relações de confiança são passos fundamentais.
- Mudanças de comportamento
O primeiro sinal é uma possível mudança no padrão de comportamento da criança, como alterações de humor entre retraimento e extroversão, agressividade repentina, vergonha excessiva, medo ou pânico. Essa alteração costuma ocorrer de maneira imediata e inesperada. Em algumas situações a mudança de comportamento é em relação a uma pessoa ou a uma atividade em específico.
- Proximidades excessivas
A violência costuma ser praticada por pessoas da família ou próximas da família na maioria dos casos. O abusador muitas vezes manipula emocionalmente a criança, que não percebe estar sendo vítima e, com isso, costuma ganhar a confiança fazendo com que ela se cale.
- Comportamentos infantis repentinos
É importante observar as características de relacionamento social da criança. Se o jovem voltar a ter comportamentos infantis, os quais já abandonou anteriormente, é um indicativo de que algo esteja errado. A criança e o adolescente sempre avisam, mas na maioria das vezes não de forma verbal.
- Silêncio predominante
Para manter a vítima em silêncio, o abusador costuma fazer ameaças de violência física e mental, além de chantagens. É normal também que usem presentes, dinheiro ou outro tipo de material para construir uma boa relação com a vítima. É essencial explicar à criança que nenhum adulto ou criança mais velha deve manter segredos com ela que não possam ser compartilhados com pessoas de confiança, como o pai e a mãe, por exemplo.
- Mudanças de hábito súbitas
Uma criança vítima de violência, abuso ou exploração também apresenta alterações de hábito repentinas. O sono, falta de concentração, aparência descuidada, entre outros, são indicativos de que algo está errado.
- Comportamentos sexuais
Crianças que apresentam um interesse por questões sexuais ou que façam brincadeiras de cunho sexual e usam palavras ou desenhos que se referem às partes íntimas podem estar indicando uma situação de abuso.
- Traumatismos físicos
Os vestígios mais óbvios de violência sexual em menores de idade são questões físicas como marcas de agressão, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. Essas são as principais manifestações que podem ser usadas como provas à Justiça.
- Enfermidades psicossomáticas
Unidas aos traumatismos físicos, enfermidades psicossomáticas também podem ser sinais de abuso. São problemas de saúde, sem aparente causa clínica, como dor de cabeça, erupções na pele, vômitos e dificuldades digestivas, que na realidade têm fundo psicológico e emocional.
- Negligência
Muitas vezes, o abuso sexual vem acompanhado de outros tipos de maus tratos que a vítima sofre em casa, como a negligência. Uma criança que passa horas sem supervisão ou que não tem o apoio emocional da família estará em situação de maior vulnerabilidade.
AUTO-PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS. A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) produziu uma cartilha para orientar familiares a desenvolver mecanismos de proteção nas crianças, de modo que ela possa expressar um determinado tipo de violência caso passe por uma situação de abuso sexual.
1) Reconhecimento do corpo: diferenças entre meninos e meninas
A primeira coisa que pode ser ensinada às crianças é o reconhecimento do corpo delas, as diferenças entre os meninos e as meninas e o respeito ao que é dela. O objetivo é fazer essa criança se tornar uma pessoa autônoma nesses cuidados. Quanto menos ela precisar de alguém que a limpe, que a lave, menos exposta ela vai estar e mais autonomia ela tem.
2) O que pode e o que não pode, partes do corpo que são ‘públicas’ e outras que são ‘privadas’
Explicar para a criança quais partes do corpo podem ser tocadas e quais não podem. “Elas precisam entender o conceito de público e privado. Entender que essas partes privadas do corpo, as pessoas não podem tocar”, afirma Vilella, educadora do Instituto Kaplan, em entrevista à BBC.
3) O dono do seu corpo é você
Além de ensinar o reconhecimento do corpo à criança, é preciso também passar para ela a ideia de que aquele corpo tem um dono. “Seu corpo é seu: ninguém pode tocá-lo sem sua permissão. Estabelecer uma comunicação direta com as crianças logo cedo sobre as partes privadas do corpo, usando os nomes corretos para as genitais, vai ajudar as crianças a entender o que é permitido para adultos que estejam em contato com eles. E vai ajudar a identificar comportamentos abusivos”, diz a cartilha elaborada pelo Conselho da Europa para defesa dos Direitos Humanos sobre o tema.
4) Estratégia: não gostou? Conte para alguém de confiança
Conscientizar as crianças de que, caso alguém faça alguma coisa que elas não gostem, é preciso contar isso para uma pessoa de confiança. “Vá embora! Conte.” Essa é uma das estratégias que devem ser ensinadas às crianças para que elas estejam preparadas a dizer ‘não’ a contatos físicos que julgarem inapropriados e para fugir de situações pouco seguras.
ÓRGÃOS DE DENÚNCIA DE VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE.
Conselho Tutelar – Para casos de violência física ou sexual, inclusive por familiares, casos de ameaça ou humilhação por agentes públicos, casos de atendimento médico negado, é necessário chamar o Conselho Tutelar. Verifique o contato do Conselho Tutelar da sua cidade, mas atenção: o atendimento pode ter sido alterado na pandemia.
Disque 100 – Vítimas ou testemunhas de violações de direitos de crianças e adolescentes, como violência física ou sexual, podem denunciar anonimamente pelo Disque 100.
Disque 180 – Em casos de violência contra mulheres e meninas, seja violência psicológica, física, sexual causada por pais, irmãos, filhos ou qualquer pessoa. O serviço é gratuito e anônimo.
Polícias – Quando estiver presenciando algum ato de violência, acione a Polícia Militar por meio do número 190. Também é possível acionar as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher e as de Proteção à Criança e ao Adolescente da sua cidade.
Safernet Brasil – A rede recebe denúncias de cyberbullying e crimes realizados em ambiente online. Para denunciar, acesse https://new.safernet.org.br/
Outros órgãos também trabalham com apoio a crianças, adolescentes e suas famílias.
Conheça alguns:
Centro de Valorização da Vida – O CVV trabalha com apoio emocional e prevenção do suicídio, e atende qualquer pessoa que precise conversar, anonimamente. Ligue 188 ou acesse www.cvv.org.br
Defensoria Pública – A defensoria defende pessoas que não podem pagar por um advogado particular. Também atua quando um grupo de pessoas tem um direito violado, como falta de acesso a saúde. Procure os contatos no site da Defensoria de seu Estado.
Ministério Público – O Ministério Público fiscaliza órgãos e agentes públicos. Vítimas de irregularidades policiais, falta de atendimento no Conselho Tutelar ou outros órgãos, acione o MP. Encontre os contatos no site do MP de seu Estado.
Ouvidorias – Cada órgão tem uma ouvidoria própria para receber sugestões, elogios e reclamações que não foram resolvidas de outra forma. Caso tenha um problema com algum órgão, busque o contato da ouvidoria do mesmo.
Creas – O Centro de Referência Especializada em Assistência Social é responsável por atender crianças, adolescentes e famílias em situação de risco, seja por violência, trabalho infantil, cumprimento de medidas socioeducativas ou violações de direito. Cada município possui diversos Creas, encontre o mais perto de sua casa e entre em contato.
Confira a primeira da série de reportagens contra o abuso sexual em crianças e adolescentes