Partido dos Trabalhadores

Haddad critica ritmo “revolucionário” de contrarreformas

Ex-prefeito também falou sobre as preocupações para se construir uma cidade democrática e defendeu o legado de sua gestão em aula aberta na PUC-SP

Paulo Pinto/Agência PT

Haddad dá aula aberta na PUC-SP

“Estamos abortando um processo virtuoso que começou em 2006, com investimentos pesados na Educação”, afirmou o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, avaliando as últimas ações do governo usurpador de Michel Temer na área. Ele defendeu que esse processo “deveria ter 30 anos de continuidade, tinha que ter 30 nos de investimento para cobrir uma geração”.

Haddad falou em uma aula aberta sobre cidades democráticas na Pontifícia Universidade Católica (PUC) nesta quarta-feira (19) e avaliou que o Brasil vive “um processo de contrarreforma em ritmo revolucionário, nada é discutido em mais do que dois meses”. “Mal começamos a contestar uma coisa que tem outra sendo votada. Movimento social nem tem tempo de contestar”. Ele afirmou que, pela falta de legitimidade, o governo golpista de Michel Temer (PMDB) busca aprovar reformas a toque de caixa.

Haddad ainda alertou sobre o risco de ver o país cair no figurino da República Velha. “A direita trabalha muito com a resignação, fazer com que as pessoas não tenham pretensões. Não sei como Brasil vai reagir ano que vem a tudo o que está acontecendo”. Ele reforçou que “ano que vem a eleição tem outro significado, porque é a soma de muita coisa”.

“Estamos vivendo uma situação muito dramática, é uma crise muito severa. Não conheço precedente em nenhum lugar”, afirmou o ex-prefeito. “São investigações, crise econômica, crise política, é uma sobreposição”, avaliou.

Ele defendeu que as instituições republicanas como a Polícia Federal, o Ministério Público, o Judiciário e o Tribunal de Contas não podem ser partidárias. “Tem que ser isentas. Quando essas instituições tomam partido, você pode assinalar que não tem como a democracia sobreviver. São instituições que precisam atuar com cautela e distância”.

“Eu acredito que temos uma chance se tivermos cautela, não no sentido de não levar às últimas consequências, mas de exigir isenção das instituições, assim poderemos sair da crise em outro patamar”, defendeu o ex-prefeito. “Acho que podemos construir um sistema de governança mais sólido”.

Reforma política

Haddad também criticou o voto proporcional de coligação. “Se não for feita a reforma política no nosso país, ele vai ficar ingovernável”. Para ele, “o que vivemos é a consequência da falta de ação política sobre a reforma institucional que o país precisava”. “Mas é uma chance de fazer melhor, o potencial que o pais tem é enorme. Se ajustarmos os parafusos as pessoas vão se interessar pela política”, defendeu.

Ex-prefeito lotou o Pátio da Cruz, na PUC-SP

Educação

Questionado sobre a não inclusão da questão de gênero no Plano Municipal de Educação elaborado durante a seu mandato, Haddad afirmou que ocorreu uma grande pressão da bancada conservadora da Câmara dos Vereadores e que seria um prejuízo maior se não houvesse nenhum plano.

“Tínhamos dilema. Ou votávamos ou ficávamos em empasse na câmara porque não tínhamos maioria. Optamos por manter porque tinha avanços. O plano municipal de São Paulo é dos mais avançados do país”, defendeu. Ele também lamentou que o vereador Fernando Holiday tenha sido eleito e aproveitasse do cargo para constranger professores de escolas públicas. “Não tem condição nenhuma de exercer mandato”, avaliou.

Cidade Democrática

O ex-prefeito deu uma aula sobre o conceito de cidade democrática e como ele foi aplicado durante sua gestão, afirmando que “está se desenvolvendo uma ciência nova para pensar o que é uma cidade democrática em uma região onde convivem 20 milhões de pessoas”.

Ele explicou como as primeiras cidades modernas já possuíam um caráter contestatório, de rebeldia e protesto, mas que isso ocorria em aglomerados de 10 mil até 400 mil pessoas. “A megalópole abre um precedente novo”, afirmou.

“A cidade democrática é aquela que garante o acesso à terra a todos”, explicou o ex-prefeito, acrescentado que terra não é só moradia. “Se você continua expulsando as pessoas para as franjas da macha urbana elas se sentem excluídas, embora tenham acesso a um lote de terra”.

Ele falou que para se avaliar a democracia de uma região da cidade é preciso analisar se o morador daquela área tem acesso a serviços públicos, quanto tempo demora para chegar ao trabalho, se tem acesso a parques, equipamentos culturais, de lazer.  “Assim vamos ressignificando o conceito de democracia”, acrescentou.

Lembrando que apenas uma subprefeitura paulista tem 400 mil pessoas, Haddad afirmou que para pensar a metrópole é preciso um redesenho diferenciado. “Tem que pensar em plano diretor, priorizar o transporte público em detrimento do transporte individual motorizado, pensar que o transporte ativo a pé ou de bicicleta tem prioridade em detrimento dos outros. Tem que pensar iluminação pública da perspectiva da trabalhadora que chega dez da noite no ponto final e caminha mais 10 minutos até sua casa em lugares que podem representar risco a sua segurança”, exemplificou.

Haddad defendeu que políticas aparentemente diferentes, como a criação de faixas exclusivas para ônibus, a implantação de ciclovias ou a construção de um Centro de Educação Unificado (CEU), são formas de garantir o acesso à terra. “Quando se pensa as grandes metrópoles não é só democracia formal. Você está pensando na dimensão material que as metrópoles tem que enfrentar que as cidades médias não têm”, explicou.

Afirmando que “não se garante educação para um menino pobre de Guaianazes se não houver escola perto de casa”, o ex-prefeito defendeu que “o jogo de equilibrar as oportunidade é sobretudo territorial”. Para ele, “se as pessoas não estiverem atentas para o que significa o território, estaremos discutindo abstrações do ponto de vista da população mais pobre, mas não vamos atender o que efetivamente afeta essa população”.

Ex-prefeito cobrou isenção das instituições “republicanas”

A atenção excessiva que se propõe na atual gestão da prefeitura para os equipamentos urbanos que já existem no centro foi alvo de crítica de Haddad. Para ele, “O orçamento por inercia se volta todo para o centro expandido”. Segundo o ex-prefeito, se não há estrutura na periferia e você se propõe a gastar no que já existe, “vai favorecer quem já tem”.

Para ele, “o esforço de uma prefeitura como a de são Paulo é abrir espaço para investimento para que o acesso a equipamento aconteça nas franjas da cidade”.

O ex-prefeito também afirmou que não basta vontade política para tornar a cidade mais democrática, mas é preciso ter um bom corpo técnico para implementá-la. Ele afirmou que isso é necessário para se construir um plano diretor, um plano de mobilidade urbana ou organizar um plano de habitação. “Se não houver técnicos, não vai combinar política com execução. Vai ficar nas boas intenções”, afirmou, ressaltado que em sua gestão “São Paulo avançou no aspecto de uma cidade democrática e saudável do ponto de vista de uma interação urbana”.

Da Redação da Agência PT de Notícias