Enquanto o governo encontra-se acuado por mais um escândalo – desta vez, a suspeita de corrupção no Ministério da Saúde na compra da vacina Covaxin – mais dois depoimentos à CPI da Covid põem em xeque a gestão genocida de Jair Bolsonaro da crise sanitária no país. Nesta quinta-feira (24), o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, e a diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil e representante do Movimento Alerta Jurema Werneck trouxeram mais elementos sobre como o negacionismo e a sabotagem de Bolsonaro ao combate ao surto resultaram na morte de mais de meio milhão de brasileiros. A informação mais grave revelada na oitiva é a de que pelo menos 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas não fosse o descaso planejado do ocupante do Planalto.
Os dois apresentaram estudos sobre como a pandemia afetou o país e o papel do governo no atual quadro sanitário. Na exposição, Hallal fez questão de responsabilizar Bolsonaro diretamente pela tragédia brasileira por sua campanha contra o uso de máscaras, contra o distanciamento social, por incentivar aglomerações, atrasar a compra de vacinas, não realizar testes e fazer propaganda de remédios sem eficácia comprovada contra a Covid-19.
“Eu tenho plena consciência da responsabilidade de fazer essa afirmação: uma coisa é a responsabilização do governo federal, que é muito nítida pelos dados apresentados por nós. Mas gostaria de dizer, com toda franqueza, que tenho muito mais tranquilidade em dizer que um pedaço dessas mortes é responsabilidade direta do presidente da República”, sentenciou o pesquisador.
Segundo Hallal, “pelas manifestações que tenho visto de senadores que são independentes ou da base governista, que eles são capazes de defender ações do governo federal. Mas as ações do presidente são indefensáveis.”
O senador Humberto Costa concordou com o pesquisador e reafirmou a responsabilidade de Bolsonaro no caos sanitário. “Foi ele quem desdenhou das medidas sanitárias necessárias, foi ele quem sabotou as medidas de isolamento social, as vacinas. Ele foi rápido para comprar a Covaxin, agora sob suspeita”, ironizou o senador.
O pesquisador fez uma exposição na qual detalhou a trajetória que empurrou o Brasil para liderar o ranking dos piores índices de mortalidade pela pandemia do planeta, listando os “pecados capitais” de Bolsonaro. Ele lembrou que, com menos de 3% da população mundial, o Brasil detém 13% das mortes globais desde o ano passado.
“33% das mortes por Covid no planeta Terra ontem aconteceram num país que tem 2,7% da população mundial”, declarou. “Portanto, é tranquilo de se afirmar que quatro de cada cinco mortes no Brasil estão em excesso, considerando o tamanho da nossa população”. Para o epidemiologista, o Brasil não estaria nessa posição se estivesse dentro da média das respostas de boa parte dos países frente à pandemia.
Hallal apresentou cálculos que demonstram que cerca de 95,5 mil óbitos teriam sido impedidos caso o governo não tivesse atrasado a aquisição de vacinas da Pfizer e da CoronaVac. O número é relativamente modesto, uma vez que ele relatou a existência de pesquisas que avaliam em 145 mil as mortes evitáveis com a compra das vacinas.
“Os depoimentos deixam claro que a maioria das mortes por COVID-19 no Brasil poderiam ser evitadas”, lamentou o senador Rogério Carvalho (PT-SE). “Houve crime contra a vida e tem responsável: Jair Messias Bolsonaro”.
Pandemia atingiu mais os pobres
Já Jurema Werneck desmontou a narrativa de que a pandemia atinge as populações da mesma maneira e de que o vírus seria, portanto, democrático ao atingir ricos e pobres. “O vírus procura oportunidade, a injustiça, a desigualdade, as iniquidades fizeram diferença”, observou Werneck, salientando que as classes mais vulneráveis foram brutalmente afetadas pela doença.
Werneck detalhou números que apontam para o desprezo de Bolsonaro para com as populações mais pobres, antes e durante a pandemia. “Os dados da Pnad Covid dizem que menos de 14% da população brasileira fez testes”, declarou.
“Desse total”, relatou a diretora, “pessoas com renda maior do que quatro salários mínimos testaram quatro vezes mais do que o grupo que recebe menos de meio salário”. Para Werneck, a pandemia expôs a face mais cruel da desigualdade social, agravada por Bolsonaro e pela política econômica de fome e carestia de Paulo Guedes. “A injustiça está demonstrada”, afirmou, argumentando ainda que “nessas populações estão as mais altas taxas de morte por qualquer coisa no Brasil”.
Abandono dos indígenas
“No início, o governo não queria fazer vacinação dos indígenas”, lembrou o senador Humberto Costa. “Ao contrário, o tempo inteiro, na pandemia, o governo jogou contra os povos indígenas e a favor da contaminação desses povos”, destacou.
Ele apontou ainda que os índios foram vítimas das invasões de garimpeiros e mineradores, que derrubaram barreiras sanitárias. “Isso gerou casos”, afirmou. Além disso, os índios também foram cobaias para uso de cloroquina e vítimas de campanhas de desinformação contra o uso da vacina.
“O presidente da República vetou projeto de lei que garantia água potável, auxílio emergencial, leitos hospitalares, cestas básicas, máscaras”, criticou, frisando também o papel fundamental do Congresso na derrubada do veto de Bolsonaro.
Censura e corte em pesquisa
Pedro Hallal confirmou as incursões de Bolsonaro contra a população negra e os povos indígenas. Ele relatou que foi vítima de censura durante uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, ao apresentar dados do Epicovid, da Universidade de Pelotas, sobre contágio por covid entre os grupos étnicos. De acordo com o pesquisador, um dos slides da apresentação foi retirado a pedido da assessoria de comunicação do Planalto.
“Este slide que apresentava a diferença pelos grupos étnicos foi censurado, repito o termo, censurado”, observou Hallal. “Na coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, na qual apresentei os resultados dessa pesquisa, faltando 15 minutos para começar minha apresentação, eu fui informado pela assessoria de comunicação de que o slide tinha sido retirado da apresentação”, declarou.
O pesquisador afirmou não ter dúvidas de que o episódio foi responsável pelo fim abrupto do financiamento da pesquisa, em junho de 2020. O estudo, que acompanhava a evolução epidemiológica do surto, custou cerca de R$ 12 milhões e foi coordenado por ele. No lugar, o governo decidiu, quase um ano depois, contratar outro grupo de monitoramento por R$ 200 milhões.
“Um inquérito epidemiológico com 200 mil pessoas custar R$ 200 milhões chama muita atenção”, disse Hallal.
Da Redação