A tragédia brasileira causada pela negligência do presidente Jair Bolsonaro diante da maior crise sanitária da história voltou a ganhar destaque internacional depois que o país atingiu, neste final de semana, a triste marca de 100 mil mortos por Coronavírus. Os principais jornais e agências e agências de notícia do mundo repercutiram a desastrosa resposta do governo brasileiro e o descontrole da doença, que segue avançando de modo implacável. Nesta segunda-feira (10), foram registradas 101.269 mortes e 3.039.349 casos da doença, segundo o consórcio de veículos de imprensa.
Em meio ao caos, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello veio a público nesta segunda dizer que o governo apoia as medidas de isolamento social, após cinco meses de campanha ininterrupta de Bolsonaro pela reabertura das atividades no país.
“Medidas preventivas e afastamento social são medidas de gestão dos municípios e estados e nós apoiamos todas elas, porque quem sabe o que é necessário naquele momento precisa de apoio e nós apoiamos”, disse Pazuello, no Rio de Janeiro.” Mas, fica a lembrança de que, independentemente da medida que se tome, tem que estar aliada à capacidade de triar e procurar se as pessoas estão ou não com sintomas, o tempo todo”, declarou Pazuello. A declaração diverge da portaria assinada por ele mesmo, em maio, orientando a abertura das atividades econômicas.
O general também adotou a estratégia de colocar no colo de seus antecessores no cargo os resultados pela crise no país. Ele afirmou que a pasta alterou o protocolo de recomendações a pessoas infectadas, que agora devem procurar atendimento imediato diante de qualquer sintoma. “Não está correto ficar em casa doente, com sintomas, até passar mal com falta de ar. Isso não funciona. Não funcionou, e deu no que deu. E há dois meses nós mudamos esse protocolo”, justificou.
Sobre a marca trágica, disse que “não é um número que vai fazer a diferença. Não é 95, 98 ou 101 que vai fazer a diferença. O que faz a diferença é cada brasileiro que se perde. Nós precisamos compreender como parar o sangramento com diagnóstico precoce, tratamento imediato e suporte respiratório antes a UTI”, afirmou Pazuello, esquecendo-se que a pasta falhou em entregar respiradores, bem como medicamentos e testes a hospitais da rede pública.
Alerta
Reportagem do ‘New York Times’ revela que o presidente fora alertado em março que o Brasil chegaria a 100 mil mortos até setembro. De acordo com Julio Croda, que à época chefiava o departamento do Ministério da Saúde de imunização e doenças transmissíveis, “a Presidência não acreditou nesses números”. Ainda de acordo com Croda, o número está um mês adiantado porque as medidas de isolamento social caíram.
O especialista declarou ao jornal que acredita que o platô médio de mil mortes diárias e infecções deve prosseguir por semanas, acrescentando dezenas de milhares de mortes à contagem oficial nos próximos meses. Eventualmente os números irão cair, avalia Croda, caso de Estados mais atingidos como o Amazonas. “Mas isso “não tem nada a ver com o governo”, observa Croda. “É uma consequência da tragédia.”
Pico
Segundo a ‘BBC News’, o pico da doença ainda não foi atingido e mesmo assim lojas e restaurantes voltaram a funcionar. “Especialistas reclamaram da falta de um plano coordenado pelo governo de Bolsonaro enquanto autoridades locais se concentram em reiniciar a economia, o que provavelmente aumentará a disseminação do vírus”, destaca a rede britânica. A agência lembrou que Bolsonaro minimizou o impacto do vírus e se opôs às medidas de isolamento com a justificativa de que atingiriam a economia.
A ‘BBC’ ressalta que o Ministério da Saúde é liderado por um general do Exército sem experiência em saúde pública. “Dois primeiros ministros, ambos médicos, deixaram o cargo após discordar do presidente sobre medidas de distanciamento social e o uso de hidroxicloroquina como tratamento, embora estudos digam que é ineficaz e até perigoso”, aponta a reportagem.
Indiferença
De acordo com a articulista da BBC, Katy Watson, especialista em América do Sul, o fato de Bolsonaro ter parabenizado o time do Palmeiras pela vitória no campeonato estadual mas optou pelo silêncio quando noticiaram as mortes “diz muito sobre como o presidente continua a ver a pandemia”. Para Watson, “sua indiferença e falta de empatia não passam despercebidas. Sua falta de liderança continua sendo profundamente preocupante, principalmente com a reabertura do país e o vírus ainda sem controle”.
A agência de notícias ‘Reuters’, cujos despachos são replicados em milhares de veículos, destacou que o país enfrenta o surto mais letal desde a gripe espanhola, há um século. “O vírus levou três meses para matar 50 mil pessoas e apenas 50 dias para matar as próximas 50 mil”, informa a reportagem da agência.
“Devíamos estar desesperados porque esta é uma tragédia como uma guerra mundial”, declarou à agência José Davi Urbaez, da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal. “Mas o Brasil está sob anestesia coletiva”, lamentou. O especialista alerta que o país continua sem um plano coordenado para combater a pandemia.
Marco sombrio
A ‘Reuters’ observa ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional, instituições que criticaram a maneira como Bolsonaro lidou com a pandemia, decretaram luto. “Mas o presidente não comentou publicamente” a tragédia. “A mensagem do governo hoje é: ‘pegue o coronavírus e, se for sério, faça terapia intensiva ’. Isso resume nossa política hoje”, lamentou Urbaez.
Já A Associated Press’ fala em “marco sombrio” para o país. A agência colheu depoimentos de parentes de vítimas da doença. “Ainda não aceito a morte dela”, contou à reportagem Viviane Meloda Silva, que perdeu a mãe em Manaus. “O governo estava dizendo que era uma ‘gripezinha’. Não se importou. Não se preocupou com isso e foi o que aconteceu: morreram inocentes por negligência e falta de preparo do governo ”, acrescentou.
Futebol
No final da semana passada, outra reportagem da agência assinalava que o campeonato nacional da Série A teria início no mesmo dia em que o país atingia a marca de 100 mil mortos. A ‘AP News’ ressaltou que, apesar da gravidade da crise, “executivos do setor de futebol do país sentiram-se confiantes o suficiente para dar início ao campeonato nacional, uma medida que a vizinha Argentina, onde cerca de 4.200 morreram da doença, não tomou”.
“Não podemos esquecer o que está acontecendo neste país”, afirmou o ex-jogador de futebol e comentarista esportivo Walter Casagrande. “Chegaremos a 100 mil mortes, um número assustador, e o futebol está rolando ”, criticou Casagrande.
Críticas da OMS
Nesta segunda, o diretor de operações da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mike Ryan, também criticou o governo brasileiro na condução da pandemia. “É difícil para muitos no Brasil”, disse. “O governo deve continuar a dar apoio à sociedade. É difícil agir como comunidade se não recebe apoio. Não se pode empoderar comunidades com palavras. Elas precisam de ações, precisam de recursos e conhecimento. Sociedades não podem agir com as mãos atadas nas costas. Elas precisam receber recursos e meios para agir”, afirmou Ryan.
A OMS avalia que, apesar de um certo achatamento na curva de contaminações, a pandemia continua em nível muito elevado no Brasil. Com uma media entre 50 e 60 mil novas contaminações por dia e uma taxa de reprodução que varia de 1,1 a 1,5, a agência observou que o sistema de saúde brasileiro também encontra-se sob forte pressão.
Da Redação, com agências internacionais