Os fracassos derivados do golpe de 2016 e seus desdobramentos nefastos – as gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro – já são aferidos, após pouco mais de quatro anos. Os investimentos em infraestrutura em 2021, por exemplo, devem atingir a menor proporção em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de que se tem notícia desde pelo menos os anos 1940.
A estimativa é de economistas da Fundação Getulio Vargas (FGV) ouvidos pelo portal ‘CNN Brasil Business’. Segundo eles, as limitações impostas pela deletéria regra do teto de gastos, criada por Temer, podem levar os investimentos do governo federal para algo perto de 0,1% do PIB, frente a uma média de 0,5% da última década.
Se no passado essa proporção ultrapassava 1% ou 2% do PIB, a conclusão dos economistas é de que desde pelo menos 1947, quando a FGV começou a reunir os dados, jamais o governo federal investiu tão pouco quanto agora. O percentual nesse momento não é suficiente sequer para fazer a manutenção do que já existe.
“É como apenas tapar os buracos da estrada, só para mantê-la existindo. O Brasil tem sérias deficiências de infraestrutura e precisaríamos investir pelo menos 0,5% do PIB só para o que já tem não depreciar. Mas estamos caminhando para praticamente zerar o investimento público como proporção do PIB”, lamentou Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da instituição (Ibre/FGV).
Conforme o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) apresentado pelo desgoverno Bolsonaro em agosto passado, a previsão para investimentos em 2021 é de R$ 28 bilhões – equivalente a 0,3% do PIB e o menor desde pelo menos 2007, segundo dados do Tesouro Nacional atualizados pela inflação. Ainda não confirmado, o valor pode cair ainda mais, a depender da aprovação do Orçamento no Congresso, em fevereiro.
Borges afirma que só o impacto do novo salário mínimo nas contas do Executivo chegará a R$ 11,6 bilhões, além de outras despesas. Técnicos do Congresso estimam que há um “buraco” de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões a ser coberto. Para não estourar o teto de gastos, esses bilhões deverão “explodir” em alguma rubrica do orçamento. “Se tudo for tirado dos investimentos, aqueles R$ 28 bilhões caem para perto de R$ 15 bilhões, o que representa cerca de 0,1% do PIB”, diz Borges.
Na estimativa mais recente do Orçamento, aprovada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em dezembro, o total de despesas estava estimado em R$ 1,55 trilhão (com a inclusão de alguns gastos fora no teto).
O que ultrapassar esse limite só pode ser cortado dos gastos discricionários, os 5% que sobram do Orçamento depois dos gastos obrigatórios e que, além dos investimentos, incluem bolsas de pesquisas e contas do dia a dia da máquina pública. Gastos com juros e amortizações da dívida pública, que não estão sujeito ao teto, chegaram a R$ 1,38 trilhão em 2020, 33% a mais do que no ano anterior, em plena crise do coronavírus.
Restrições fiscais anulam capacidade de investimento
Ao jornal ‘O Estado de São Paulo’, o economista Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B e especialista no setor de infraestrutura, afirmou que o grau de incerteza em relação ao volume de investimentos públicos, tanto da União quanto dos estados, é muito grande devido às severas restrições fiscais.
“O que vai sobrar para investimento é um resíduo. E o governo já se comprometeu com certos investimentos, principalmente na área militar. Outros investimentos são residuais”, diz Frischtak. Em relação ao orçamento de 2020, a pasta da Defesa terá reajuste de 4,7%, totalizando R$ 110,7 bilhões para as despesas primárias dos militares.
Para Edson Silva, assessor da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e especialista em saneamento, o investimento necessário em infraestrutura em 2021 é de 4,15% do PIB, mas o governo reduz o orçamento, levando ao aumento do desemprego, à quebradeira de indústrias e à fuga de investimentos do país. “A lógica que norteia o governo Bolsonaro é de fortalecer os militares e enfraquecer outras políticas públicas. Isso fica provado nas quedas orçamentárias de 2021”, lamenta.
“O Brasil investe muito pouco em infraestrutura. Nos governos Lula e Dilma chegamos a 3%, porque encontraram tudo destruído pelo governo FHC. Quando os investimentos em infraestrutura do país estavam mantendo uma média razoável e refletindo em mais vagas de emprego, veio o golpe de 2016, e desde lá o país vem investindo menos de 2% do PIB”, conta Marcelo Manzano, professor de economia da Unicamp.
Para ele, a decisão do desgoverno Bolsonaro em não investir em infraestrutura é um erro estratégico que afeta várias dimensões e pode aprofundar a crise econômica. “Se considerarmos países em desenvolvimento, como o Brasil, em que é preciso fazer ainda muita obra para o bem-estar da população e, para que a economia cresça, o investimento ideal gira em torno de 5% do PIB”, avalia.
Investimento público puxa o privado
Manzano explica que boa parte desse índice de investimento deveria vir do setor público. “O investimento público é fundamental para puxar e estruturar eixos do investimento privado. Quando o governo investe em ramais ferroviários, o setor privado entra com ações complementares, como estações e rede elétrica nos locais que serão atendidos pelo novo ramal ferroviário. Há uma complementaridade muito grande.”
Ele defende uma linha econômica contrária à do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes. “Países melhores economicamente investem de 8 a 9% do PIB, como é o caso da China e Índia. Alguns países africanos e mesmo na América Latina, como o Peru, em anos anteriores (2014/2015), também investiram muito em infraestrutura.”
O professor lista as repercussões positivas dos investimentos. Uma delas é a redução do “custo Brasil” alegado pela Ford para deixar o país. “Esse efeito sobre a produtividade geral da economia também é muito sério porque se não tivermos dinheiro suficiente nem para a manutenção das estradas, eleva o custo de produção das empresas. Além de não construir, a falta de investimento destrói o que existia”, enumera.
Outro efeito positivo é a criação de demandas para outros setores. “O setor produtor de cimento sabe que por conta de obras haverá demanda por concreto nos próximos anos e onde será feito. Isto é fundamental para que ele invista. É uma série de cadeias produtivas que se beneficiam gerando empregos. É um efeito multiplicador sobre as demais atividades produtivas, que se sentem mais seguras”, afirma Manzano.
Um dos investimentos mais importantes, segundo o professor da Unicamp, é em habitação, um dos que mais geram emprego e renda para trabalhadores de diferentes qualificações. Como os do programa Minha Casa, Minha Vida, dos governos Lula e Dilma.
“O básico para um trabalhador é ter um endereço. Ter uma residência traz tranquilidade para a família, educação para os filhos e moradia melhor. Investir em infraestrutura para habitação é componente chave para a sociedade, mas foi desmontado pelos governos Temer e Bolsonaro”, critica Manzano.
Para viabilizar o Minha Casa, Minha Vida, foi fundamental a atuação dos bancos públicos. A partir de Temer, no entanto, o que se vê é rebaixamento do papel dessas instituições. “O BNDES foi desmontado por Temer e Bolsonaro, que consideram a concorrência do banco público desleal com os bancos privados. Mas nenhuma outra instituição financeira privada tomou o lugar do BNDES, que cumpria um papel fundamental ao investir em infraestrutura. Hoje, o banco se tornou um agente de financiamento da privatização, como no governo FHC”, critica o economista.
Da Redação, com CUT