Grosso modo, há três grandes vertentes de interpretação que polarizam os debates no campo da esquerda.
Uma delas faz um balanço globalmente negativo do PT e dos governos Lula-Dilma. São militantes que defendem a superação da experiência petista como pré-requisito para a retomada do projeto socialista. PSTU, PCB, PSOL, setores da intelectualidade vocalizam essa leitura. Muitos quadros históricos do nosso partido e parte de nossa militância flertam também com essa perspectiva de esgotamento do PT. Como se houvesse um limite, uma linha a partir do qual o partido deve ser abandonado – por não mais ser instrumento para as transformações sociais.
Outra linha de interpretação acredita que o golpe é resultado somente da reação da direita às políticas dos governos petistas. Sustenta o acerto da estratégia de conciliação. Sem a opção pelo “reformismo moderado” não teria sido possível mudar a vida de milhões de brasileiros. A atual maioria do PT e da CUT, assim como o PC do B, se identificam com tal narrativa. E dobram suas apostas nessa mesma direção.
Uma terceira vertente reconhece as contradições e a complexidade da luta de classes no Brasil, mas critica fortemente a estratégia de centro-esquerda que foi adotada pela maioria do PT. Essa turma compreende o Partido dos Trabalhadores como a melhor ferramenta do povo brasileiro e batalha por mudanças profundas no Partido, para que esteja à altura dos desafios do novo ciclo que se abriu com o golpe. O bloco conhecido como “Muda PT”, vários intelectuais de esquerda, quadros tradicionais do campo moderado do partido, a Consulta Popular, as direções do MST e da CMP , boa parte da blogosfera progressista e até setores do PSOL compartilham essa leitura.
Alinho-me com quem sabe que o PT continua sendo a maior e melhor ferramenta de luta da classe trabalhadora brasileira. A mais exitosa experiência histórica de constituição de um partido de esquerda com força social e representatividade entre as massas.
Mais ainda: o PT não se limita à sua direção, aos seus parlamentares ou às políticas de seus governos. O Partido dos Trabalhadores é um movimento social, uma referência para milhões de pobres, negros, mulheres, jovens, trabalhadores brasileiros. O petismo é muito maior do que as estruturas do PT.
Portanto, erra feio, erra rude quem, dentro ou fora do PT, decreta a “morte”, a “falência”, o esgotamento de nosso partido. A ferramenta Partido dos Trabalhadores somente será superada (se o for) quando vivenciarmos um momento histórico qualitativamente distinto, no cenário em que uma ascensão fenomenal das mobilizações populares poderá viabilizar a constituição de instrumento novo, muito mais potente que o atual PT (e quando Lula não estiver mais entre nós).
Mudar o PT para reorganizar a esquerda
Nem o “esquerdismo” dos que, infantilmente, só sabem cuspir no PT, muito menos o conformismo cínico dos que não querem que nada mude.
Boa parte da atual direção, dos parlamentares da chamada “cúpula” do partido quer evitar a qualquer custo um debate consistente e aberto sobre o que fizemos nos últimos anos. Parecem avestruzes. Sabem que algo deu muito errado, mas fingem que está tudo bem, que nada deve ser questionado. A maior parte se apega ao conforto de estruturas burocráticas ou mandatos parlamentares (que tendem a minguar, aliás).
Tem uma questão geracional: milhares de jovens, de militantes feministas, do movimento negro, do movimento LGBT não se identificam com esse PT conciliador, burocratizado, envelhecido, moderado. Essa turma geralmente subestima a importância do partido e não se identifica com nosso jeitão institucional e moderadão. Eu entendo perfeitamente: entrei no PT com 16 anos, no final dos anos 80. Dificilmente aderiria ao PT se tivesse a mesma idade hoje.
Ao invés de reconhecer esse cenário e pensar como reorganizar o PT, a atual maioria faz o oposto. Interdita qualquer debate, bloqueia a renovação de quadros, aposta na força do aparelho, promove o “mais do mesmo”.
Os companheiros/as da atual maioria ultra-moderada ignoram que houve um golpe, fingem que não tem crise nenhuma no PT, fogem do debate teórico, correm para o colo do Lula para tentar deixar tudo como está. Querem impedir a qualquer custo um mínimo de autocrítica e reflexão. Renovação política e/ou geracional? Nem pensar.
O PED deveria ter acabado de vez. A CNB precisaria ter se aberto para dialogar. A “esquerda do PT” tem que formular mais também. De qualquer forma, é o que temos para hoje. A rebelião da base petista, “que não vota em golpista”, foi um sinal maravilhoso. Há energia na militância do partido. Esse bando de homens, brancos, maduros (acomodados e burocratizados) não representam a garra e disposição de luta da maioria do PT.
O PT é muito maior que cada um de nós. E é maior que todas as travas colocadas para que o processo do Congresso não resulte em nenhuma mudança.
Houve um golpe de Estado. O PT foi derrotado, envelheceu e está enfraquecido. Mais humildade e mais diálogo. Sozinho, o PT não dirige nem determina mais os rumos da esquerda.
A meta deve ser reorganizar a esquerda e ao mesmo tempo redefinir nossa estratégia. Só derrotaremos a ofensiva neoliberal-golpista se tivermos humildade para nos reinventarmos. Com foco e força para impulsionar a resistência lastreados em um programa democrático-popular.
Resumindo: o PT não acabou, não vai acabar tão cedo, não é obstáculo para o fortalecimento da esquerda “combativa”.
Mas, o PT está velho, desdentado, desacostumado a combater. Tem que mudar sua estratégia e renovar suas direções, reconectando- se aos movimentos sociais, voltando a dialogar com a juventude, com a nova vanguarda que constrói a luta anti-racista, feminista, LGBT.
#Muda PT.
Por Julian Rodrigues, militante do PT-SP é da coordenação do Movimento Nacional de Direitos Humanos, foi coordenador do setorial nacional LGBT do PT, para a a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.