A pretendida “reforma” da Previdência não é uma panaceia, embora algumas mudanças sejam necessárias, e fará sofrer quem já está no mercado de trabalho e os que virão, avalia a professora Leda Paulani, do Departamento de Economia e da Pós-graduação da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “Poderia ser uma reforma que afetasse só os que entrarão no sistema e sem regras de transição draconianas como estão pensando”, afirma a pesquisadora, que participou neste domingo (17), das 10h às 12h, de debate na zona leste da capital paulista.
O evento teve também a participação do presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), Sergio Antiqueira. A categoria está em greve desde o dia 4 contra as reformas aprovadas no final do ano passado, que aumentaram a alíquota de contribuição dos funcionários públicos. Organizado pelo ex-deputado e ex-secretário municipal Simão Pedro, o debate será realizado na Praça Dilva Gomes (Morcegão), na Cohab I, perto da estação Artur Alvim do metrô.
“Queremos levar esse debate para rua. Está todo mundo com muita dúvida”, diz Simão, para quem a proposta do governo “é mais dura que a do Temer”. Ele avalia que os bancos e o mercado financeiro pressionam para aprovar a reforma ainda no primeiro semestre, quando ainda há certo apoio social ao governo, apesar dos escândalos e crises.
Para a professora da USP, o que se pretende é dar espaço ao chamado sistema de capitalização – com interessados conhecidos. “Desde que se fala de reforma da Previdência, se tem uma ideia de abrir o sistema para o mercado financeiro. As mudanças, desde Fernando Henrique Cardoso, reduziram o valor dos benefícios, o teto é baixo. Todas essas reformas tinham sempre implícito esse propósito de reduzir a importância do regime próprio para abrir espaço ao regime de capitalização.”
Ela considera a proposta do atual governo “bem mais radical” que a do anterior. “E explicitamente vai colocar o sistema de capitalização”, acrescenta, lembrando que o ministro da Economia, Paulo Guedes, é um entusiasta do modelo, como aplicado no Chile a partir dos anos 1980, sob ditadura. Um sistema que empobreceu os aposentados e aumentou a desigualdade de renda naquele país, aponta Leda, na lógica de redução do Estado. “Para ele (Guedes), bastaria um sistema de capitalização mesmo.”
A pesquisadora observa que existem dois tipos de regime previdenciário. O de capitalização depende da capacidade de poupança do trabalhador. “Essas contas individuais amarram o benefício à contribuição que a pessoa pode dar. A lógica macroeconômica é invertida.”
O primeiro é o de repartição, solidário. “A lógica que impera é de solidariedade intergeracional.” Ou seja, trabalhadores da ativa contribuem para manter o sistema. Por isso, é importante que a economia e a massa de salários cresça. Nesse sentido, é incorreto falar em déficit, um dos argumentos dos defensores de reformas, já que o sistema depende de um tripé – trabalhadores, empresas e Estado, que é onde se concentra o problema. “Essa conversa toda em torno da Previdência voltou porque apareceram os déficits primários, o que dá novamente argumentos para voltar a proposta de reforma”, diz. O déficit primário vem do resultado negativo entre receitas e despesas do governo, excetuando gastos com juros.
É a economia
Mas é preciso antes falar em recuperação da economia, o que também beneficiaria as contas da Previdência, que perdeu arrecadação com fatores como o aumento do desemprego. Durante a discussão da “reforma” trabalhista, o argumento básico também era de mudança na lei para facilitar a criação de empregos, o que não se confirmou – a taxa de desemprego segue alta e a informalidade e o desalento aumentaram. “Eles invertem tudo. Quando a economia está crescendo, aumenta a demanda de mão de obra, não importa qual seja a lei. O empresário não vai contratar mais por causa disso (redução de encargos)”, afirma a professora.
Reformas, embora possam ser necessárias em certa medida, não podem ser vistas como “panaceia”, a solução para tudo, acrescenta Leda. “Uma coisa é verdadeira, o crescimento da expectativa de vida. É um fato inquestionável. Quando isso acontece, o sistema tem de ser repensado. A questão é, primeiro, que muitas reformas já foram feitas. Não tem essa urgência. (Poderia ser) um processo longo, que a própria população participasse.”
A pressão para aprovar uma reforma a todo custo tem outras consequências, diz a economista. “A não realização da reforma da Previdência virou álibi para não reduzir a taxa de juros, que em termos reais continuam muito elevadas.” E por mais que o chamado mercado condicione a reativação da economia a essa medida, ela observa que o investimento produtivo não voltará em uma conjuntura de empresas com capacidade ociosa e estoques elevados. Assim, neste momento, o impacto de uma reforma na economia “é nulo”.
Centrais sindicais preparam atos para esta quarta-feira (20) em defesa da Previdência pública. A principal atividade, chamada de “assembleia nacional da classe trabalhadora”, está marcada para a Praça da Sé, na capital paulista, a partir das 10h.