Em 2010, foi sancionada no Brasil a Lei de Alienação Parental (LAP) em uma tentativa de solucionar problemas em casos de separações litigiosas de casais com filhos/as. No entanto, a lei foi embasada em um estudo sem respaldo científico e, desde que passou a valer, foi verificada a existência de graves distorções e mau uso, principalmente no que diz respeito às questões de gênero e proteção de crianças e adolescentes contra abusos.
Em 2018, o Senado realizou a CPI dos Maus Tratos e, dentre as recomendações da relatoria, estava a revogação dessa lei. Segundo a Agência Senado, durante os trabalhos da comissão, foi recorrente o relato de casos de mau uso da Lei da Alienação Parental por pais supostamente abusadores, que apresentariam denúncias falsas contra o ex-cônjuge para obter a guarda da criança e continuar com os abusos. Por isso, a CPI decidiu apresentar projeto para revogar a LAP.
“O Brasil é o único país do mundo que tem uma legislação como essa ainda em vigor. A gravidade da situação é tanta que o tema uniu as deputadas, independentemente do campo político em que atuam. É uma lei tão absurda que a ONU, a OEA e a CONANDA já orientaram por sua revogação”, ressaltou Marília Arraes, deputada federal, PT-PE.
Marília foi indicada pela bancada feminina para liderar a Comissão que trata de solucionar essa questão. O grupo entende que revogação da LAP é urgente, já que são insanáveis os vícios existentes desde a sua elaboração, com a falta de verificação de órgãos internacionais de saúde e por existir confusão no sistema jurídico na hora de tratar o tema.
“As mudanças são para proteção de mulheres e crianças. A atual legislação obriga a mãe a compartilhar a guarda dos filhos com pai que praticou violência doméstica. Isso é inadmissível”, aponta Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
Especialistas apontam que a LAP ainda não respeita especificidades relativas a questões de gênero, como obrigar a mãe a compartilhar a guarda dos filhos com um pai que praticou violência doméstica, e nem mesmo a vontade de crianças, que muitas vezes não querem conviver com o agressor.
A presidente da ONG Vozes de Anjos, a psicanalista Ana Maria Iencarelli, revelou casos em que crianças vítimas de abusos foram obrigadas a conviver com o pai agressor por conta da lei da guarda compartilhada. Ela citou uma denúncia em que uma criança de 5 anos chorava desesperadamente ao se negar ir para a casa do pai. Nesse caso, a mãe já tinha sido vítima de violência doméstica tendo até mesmo uma costela quebrada.
“O juiz deu a guarda compartilhada dizendo que os pais precisavam se entender. Não vejo como haver entendimento nesse caso, e ainda convencer a criança que já assistiu a mãe sendo agredida”, lamentou.
Para a Coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública do DF, Dulcielly Nobrega de Almeida, é necessário que a aplicação da lei da guarda compartilhada leve em consideração a perspectiva de gênero. “Muito homens procuram a guarda compartilhada simplesmente porque tentam pagar menos pensão e ainda terceirizam a responsabilidade do cuidado com os filhos para madrastas, namoradas ou mesmo parentes. Por isso a guarda compartilhada não pode ser aplicada como se fosse uma linha de montagem. Tem que olhar os casos em suas particularidades”, afirmou.
Marina Schuwarten, advogada feminista, especializada em Direito das Famílias, apontou as estratégias judiciais que são feitas por pais para prejudicarem as mães. “Em um contexto de alegações de alienação parental, qualquer comportamento mais protetivo da mãe já é interpretado como tentativa de alienar a criança, quando na verdade pode ser apenas um enfrentamento ao descaso do pai. Assim, qualquer movimento contrário às vontades do pai tornam-se um diagnóstico de alienação parental e é utilizado inclusive como estratégia processual.”
Paternidade ausente
Enquanto a lei de alienação parental é utilizada por progenitores para penalizar mães e, muitas vezes, para manter uma situação de violência e abuso contra crianças e adolescentes, uma outra parte de “pais” se ausentam de suas responsabilidades.
Todos os anos, no Brasil, cerca de 80 mil crianças são registradas sem o nome do pai. No ano passado, 6% das crianças registradas não tinham o nome do progenitor na certidão de nascimento. Segundo a Central de Informações do Registro Civil, até a metade de 2020, foram registradas 1.280.514 crianças no Brasil. Mais de 80 mil delas, apenas com o nome da mãe. Ainda de acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil), no ano de 2019, essa taxa também ficou em torno de 6%. Em 2018, foi um pouco mais baixa, 5,74%, mas ainda nessa faixa.
Ou seja, a cada ano, no Brasil, cerca de 6% das crianças que nascem, não contam com o nome do pai. Isso sem falar nos pais que registram os filhos, mas, na prática, deixam a criação inteira a cargo da mãe.
Da Redação, Elas Por Elas