O Estado brasileiro precisa ser capaz de assumir seu papel de indutor do desenvolvimento por meio da inclusão social e do investimento na própria capacidade produtiva. Este é o único caminho possível para o progresso do país com soberania, defende o ex-presidente Lula. Na primeira entrevista após viagens para a Europa e para a Argentina, Lula criticou duramente o projeto de destruição do Estado brasileiro, em curso desde o golpe contra Dilma Rousseff. À Rádio Clube de Blumenau, de Santa Catarina, o ex-presidente reiterou que um governo que usa como parâmetro limitar gastos na área social, como os de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, é incompetente e só tem compromisso com a elite financeira.
“Não tem essa de teto de gastos”, disse Lula. “Temos que discutir o teto da qualidade da saúde, do emprego, do salário”, defendeu. “Teto de Gastos, transformado em lei, é para governo incompetente”, reagiu Lula. “É para garantir que só banqueiros recebam. Tem estado tomando decisão de tabelar gasto com saúde, com educação. Isso não se tabela, trabalhamos para fazer com que o Estado fique mais rico, para investir mais em educação e saúde”.
“No governo Temer e Bolsonaro, inventaram uma “ponte para o futuro” e deixaram um abismo para o povo”, lembrou Lula. Vamos terminar esse ano com o PIB de 2013, é uma demonstração de que esse país andou para trás”, lamentou.
Papel do Estado
Lula voltou a reforçar que o caminho do crescimento passa por distribuição de renda, uma responsabilidade do Estado. “Só tem sentido governar um país se você tiver preocupação com o povo humilde, necessitado e trabalhador, apontou Lula.
“Esse povo precisa subir um degrau na escala social, para que se venda, mais jornal, revista, carne, feijão, arroz, passagem de avião, de ônibus. É preciso colocar a roda gigante da economia para funcionar. E só vai funcionar se a sociedade brasileira tiver poder aquisitivo”.
Precarização
Lula atacou a atual política do ministro Paulo Guedes, que aposta na precarização do mercado de trabalho como projeto de país. “O aplicativo, o que é? quase um trabalho escravo. O cidadão só percebe isso quando quebra a bicicleta, quando quebra a moto, quando se acidenta ou fica doente”, explicou o petista. “Aí ele percebe que não tem nenhuma proteção. E cabe o Estado garantir proteção à sociedade”.
“Sabe o que interessa ao mercado? Consumo. Sabe o que significa isso? O povo com dinheiro no bolso. Quando você tem o povo com dinheiro e consumindo, a economia volta a crescer, os empresários gostam, e o país volta a ser promissor, progressista e voltar ao patamar de sexta economia do mundo, que alcançamos em 2012”.
“Já fiz e farei melhor”
Lula reafirmou que o PT é o partido com mais experiência e que mais fez pelo desenvolvimento do país no período em que ele e Dilma Rousseff foram presidentes. “O país foi o único do G20 que cumpriu superávit primário durante todo o período que o PT governou. O PT pegou o governo em 2003 com uma inflação de 12%, com desemprego de 12%, uma dívida de U$ 30 bilhões com o FMI e uma dívida pública de 60%”.
“Pagamos o FMI e fizemos uma reserva de U$ 370 bilhões de dólares, que é o que sustenta o Brasil até hoje”, destacou. “Tivemos superávit primário durante 13 anos, reduzimos a dívida pública de 65% para 32% e ainda fizemos a maior politica de inclusão social que a história desse país conhece”, disse. “O meu novo é o meu legado, não posso fazer menos do que eu fiz. Nós criamos 22 milhões de empregos com carteira assinada, quando o mundo desempregou 100 milhões”.
“O pobre não é problema, é solução”, insistiu. “Precisamos fazer mais política de inclusão social, que gera consumo, emprego, comércio e mais dinheiro no bolso do povo. Já foi feito assim, é possível voltar a fazer isso e as pessoas sabem que vou fazer”, assegurou. “O único período que a massa salarial dos pobres cresceu acima do rendimento dos ricos foi no nosso governo”.
Reverter o desmonte do Estado
Lula ressaltou que é fundamental, no processo de reconstrução do país, reverter políticas de desindustrialização e de desmonte da setores estratégicos como a Petrobras, que atinge diretamente o povo brasileiro. Ele voltou a criticar a dolarização dos preços dos combustíveis adotada no país.
“Não há nenhuma razão para que o preço da gasolina seja atrelado ao dólar, ao preço internacional”, argumentou Lula. “A Petrobras é autossuficiente na produção de petróleo, não precisamos dessa loucura”, opinou.
“Há uma perspectiva de distribuir U$ 70 bilhões aos acionistas minoritários. Uma parte desse dinheiro deveria ser revertido para reduzir o preço da gasolina, do diesel, do gás, não para dividir entre acionistas”, comentou. “Minha política será de ter o preço compatível com as necessidades do povo brasileiro, não dos acionistas”.
“Quero que as pessoas possam comprar carro. Quando deixei a Presidência, vendíamos 3,8 milhões de carros por ano. Hoje, vendem 1,7 milhão. Ou seja, 13 anos depois, estão vendendo metade dos carros que vendiam quando eu era presidente”.
Lava Jato
Lula relatou que após o período em que ficou preso injustamente a sociedade começou a compreender que a Lava Jato foi uma importante peça na engrenagem de um projeto de destruição nacional.
“Foram 580 dias de aprendizado, reflexão. Saí sem ódio, mais preparado, com mais consciência do que tinha acontecido no Brasil. Moro era chefe de quadrilha, a força tarefa de Curitiba era uma quadrilha comandada pelo Dallagnol, já está provado”, observou.
“Estavam mancomunados com o Departamento de Justiça dos EUA com o objetivo, além de me tirar das eleições de 2018, de desmontar a estrutura da Petrobras, acabar com a indústria de óleo e gás, acabar com a regulamentação que nos tínhamos feito, de desenvolvimento do petróleo ao povo brasileiro”.
“O processo que me levou à prisão gerou 4,4 milhões de desempregos no Brasil, criou um prejuízo de investimento de R$ 272 bilhões e fez com que o Estado deixasse de arrecadar R$ 58 bilhões”, enumerou.
Corrupção
Sobre o debate em torno do combate à corrupção, o ex-presidente voltou a reforçar que foram os governos do PT os responsáveis por mecanismos que conferiram transparência à gestão federal.
“Todos os mecanismos de combate à corrupção foram criados no nosso governo. O Portal da Transparência é elogiado em todo o planeta, recomendado pela ONU para ser criado em outros países. A Lei de Acesso à Informação, Lei da Delação Premiada, a preparação da Polícia Federal, a independência do Ministério Público, tudo isso é coisa do PT”, pontuou.
“Se fossem comparar as denúncias de corrupção do mensalão com o significado do orçamento secreto da Câmara e do Senado, veriam que é uma vergonha o que está acontecendo: são R$ 20 bilhões para distribuir emenda para comprar voto de deputado. Isso nunca aconteceu na República desde a Proclamação”, ponderou.
“O Poder Legislativo [está] governando no lugar do Executivo, que está debilitado, frágil”, avaliou Lula. “Bolsonaro é o presidente mais refém de político que a história desse país já conheceu.
Ciro Gomes
Lula também fez questão de manifestar solidariedade a Ciro Gomes e seu irmão, Cid Gomes, alvos de operação da Polícia Federal em uma investigação sobre desvios em obras do Castelão.
“Quero prestar minha solidariedade ao senador Cid Gomes e ao pré-candidato a presidente Ciro Gomes, que tiveram suas casas invadidas sem necessidade, sem serem intimados para depor e sem levar em conta a trajetória de vida idônea dos dois. Eles merecem ser respeitados”, disse Lula, no início da entrevista.
Da Redação