“Legado” de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, a inflação de dois dígitos atinge com mais força as famílias mais vulneráveis desse trágico quadro socioeconômico da era bolsonarista. Enquanto para famílias de renda mais alta a alta dos preços foi de 9,6% em 12 meses, para as famílias de renda muito baixa a carestia acumulada chegou a 10,5% em janeiro. A maior no período (10,8%) foi sentida por famílias de renda média-baixa.
Os dados da inflação por faixa de renda fazem parte da Carta de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para janeiro de 2022. No mês passado, a leve desaceleração da inflação, na margem, foi menos intensa para as famílias de renda mais baixa, segmento que apresentou a maior alta inflacionária (0,63%). Praticamente o dobro da registrada na faixa de renda alta (0,34%).
Para as duas classes de renda mais baixa, todos os grupos de bens e serviços apresentaram alta em janeiro – com destaque para o grupo Alimentos e bebidas, mais caro em todas as faixas de rendimento. O impacto da alta dos alimentos, no entanto, foi bem mais intenso para as famílias de renda muito baixa, com quase metade da inflação apurada nesse segmento.
A carestia foi maior para a classe de renda muito baixa – a taxa registrada em janeiro deste ano foi o triplo da de janeiro passado.
Produtos in natura como cenoura (27,6%), laranja (14,9%), banana (11,7%) e batata (9,7%) puxaram a carestia, além das carnes (1,3%), do café (4,8%) e do óleo de soja (1,4%). Os reajustes de mobiliário (2,4%), eletrodomésticos (2,9%) e produtos de higiene pessoal (1,4%) explicam a contribuição dos grupos Artigos de residência e Saúde e cuidados pessoais para a inflação das famílias de rendas mais baixas.
Mesmo diante das deflações da energia (-1,1%), do gás de botijão (-0,73%) e da gasolina (-1,1%), os reajustes dos aluguéis (1,5%) e das tarifas de ônibus urbano (0,22%), intermunicipal (0,56%) e interestadual (1,6%) puxaram em janeiro a carestia para as famílias de menor renda, vindos dos grupos de Habitação e Transportes.
Na comparação com janeiro de 2021, os dados mostram que houve alta da inflação para todas as faixas. Mas a carestia foi maior para a classe de renda muito baixa – a taxa registrada em janeiro deste ano foi o triplo da de janeiro passado.
Os dados desagregados revelam ainda que, para as famílias de renda mais baixa, a maior pressão inflacionária nos últimos doze meses veio do grupo Habitação, impactado pelos reajustes da energia elétrica (27%) e do gás de botijão (31,8%). Para a renda mais alta, o foco está no grupo Transportes, com os aumentos da gasolina (42,7%) e etanol (55%).
Além da alta desses dois grupos, os alimentos no domicílio, em especial carnes (10%), aves e ovos (21,7%), açúcar (44%) e café (56,9%), também causaram impactos significativos sobre a inflação no período, sobretudo para famílias de renda mais baixa.
A economista Ligia Toneto fala das políticas, que poderiam ajudar a população, destruídas pelo presidente Bolsonaro e lembra do endividamento das famíliares provocado pelo cenário atual. Ouça abaixo.
Brasileiros apelam para créditos mais caros
Pressionadas por um lado pela inflação e, por outro, pela queda dos rendimentos em consequência do alto desemprego, as famílias brasileiras estão mais envidadas, e linhas de crédito sem garantias contribuíram para esse crescimento. É a conclusão de um relatório divulgado nesta sexta-feira (18) pela consultoria XP Investimentos.
No documento, a analista Camilla Dolle aponta que o saldo de crédito para as pessoas físicas cresceu 21% em 2021. No ano anterior, o crescimento havia sido de 10%. A maior contribuição para esse crescimento ocorreu em linhas chamadas “clean” – sem garantias e, por isso mesmo, muito mais caras.
Já os bancos auferiram em 2021, pior ano da pandemia, os maiores lucros já registrados pela empresa Economatica, que acompanha os resultados há 15 anos.
Essas linhas de crédito cresceram no ano passado quase o dobro do registrado em 2018 e 2019. O uso do cartão de crédito subiu 30%, mesmo com juros do rotativo subindo para 349,6% ao ano em dezembro. O crédito não consignado foi acionado quase 40% a mais no ano passado que em 2020, apesar da média de 158,61% de juros ao ano registrada em janeiro.
Ainda conforme o documento da XP, o nível de comprometimento da renda das famílias está no maior patamar dos últimos 15 anos, e segue em trajetória de alta. Dados do Banco Central (BC) revelam que o endividamento das famílias atingiu 51% em outubro de 2021, o maior da série história iniciada em 2005.
Já os bancos auferiram em 2021, pior ano da pandemia, os maiores lucros já registrados pela empresa Economatica, que acompanha os resultados há 15 anos. Só as quatro maiores instituições financeiras com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo – Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander – lucraram juntas R$ 81,6 bilhões.
Enquanto o lucro somado dos quatro grandes bancos cresceu 32,5% de 2020 para 2021, de novembro de 2020 a novembro de 2021, a renda do trabalhador caiu 11,4%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) aponta que o trabalhador recebia R$ 2.444 por mês em média até novembro de 2021, menor valor já registrado pelo IBGE, que levanta o dado desde 2012.
Ao Brasil de Fato, a professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Simone Deos disse que o aumento contínuo da taxa básica de juros da economia (Selic) – de 2% ao ano em março de 2021 aos atuais 10,75% – colaborou bastante com os resultados. “Não é à toa que o ‘mercado’, representado pelos economistas de bancos, sempre indica que se aumente a taxa de juros para dar conta da inflação”, ressaltou a professora. “É uma advocacia em causa própria.”
“Taxas de juros muito altas têm um efeito de depressão sobre a economia”, lembrou ainda a professora. “As pessoas podem pensar que, se os bancos têm resultados extraordinários, isso é bom para a economia. Mas a verdade é que não.”
Da Redação, com informações de agências