À espera das escolhas
Não te esperarei na pura espera,
porque o meu tempo de espera é um
tempo de quefazer.
Paulo Freire – À sombra de uma mangueira
Joseph-Achille Mbembe, filósofo e historiador de Camarões, avaliou em artigo recente que a era do humanismo está acabando, e que a principal disjuntiva do início do século 21 será entre capitalismo e democracia.
Segundo Mbembe o capitalismo é incompatível com a democracia. “Em seu núcleo, a democracia liberal não é compatível com a lógica interna do capitalismo financeiro.”
Mbembe elabora uma sofisticada análise sobre a radicalização mercantil pela qual vem passando o sistema capitalista e explica que “a noção humanística e iluminista do sujeito racional capaz de deliberação e escolha será substituída pela do consumidor conscientemente deliberante e eleitor”.
Para o historiador estamos superando a época pós-repressiva, que lutou pela liberdade e combateu a repressão ao mesmo tempo que buscou a igualdade, mesmo que não tenha sido exitosa. Hoje vivemos um despertar da liberdade incondicional, individual e individualista, que não encontra limites na harmonia social, na “liberdade de todos”.
Este dilema está presente nas questões de fundo que nos trouxeram à situação atual no Brasil. De certa forma em sintonia com uma tendência mundial de fechamento de fronteiras, de enfraquecimento das políticas sociais de restauração conservadora.
É como se assumíssemos o discurso de que é preciso punir o indivíduo pelos seus crimes, independente das circunstâncias sociais, da forma mais rigorosa possível. Ao indivíduo criminoso só resta a punição, mesmo que o Estado, e a sociedade, tenha-lhe negado o direito de “ser” desde o início. E quanto ao aprisionamento, à cadeia, é melhor que o estado não cuide disso, desregulamentemos, privatizemos, transfiramos a responsabilidade para uma empresa, afinal, não é papel do estado cuidar de preso. E foi o que gerou a crise prisional que vivemos.
Quanto ao petróleo, por que fortalecer a Petrobras, isso é papel do mercado e não de governo. Vamos nos desresponsabilizar, enfraquecer a Petrobras, diminuir seu ritmo acabar com seu direito de participação na exploração de todos os campos do pré-sal, e ao fim deixar que outras empresas cuidem do nosso petróleo.
Quanto à aposentadoria, quem trabalha é que deve pagar o pato, mesmo que este – pato – tenha sido obra dos patrões.
Quanto à educação, para que matérias que nos fazem pensar?
Enfim, há um projeto conservador, restaurador em andamento, que é pró-capital e antipovo, ou antitrabalhadoras e antitrabalhadores, mas que também é essencialmente antidemocrático.
A resistência e as forças civilizatórias devem mirar, neste momento de defensiva, o que há de central em um projeto de esquerda, a emancipação massiva da população.
Afinal, nunca houve santo nesta história, pois a fragilização de um projeto efetivamente progressista e popular esteve sempre presente nas políticas e nas posturas dos governos Lula e Dilma, e foi aprofundada com o segundo governo Dilma, com a guinada que a ex-presidenta deu em 2015, com o abandono de questões centrais do programa vitorioso em 2014, como a preservação do emprego, dos direitos de trabalhadoras e trabalhadores, do enfrentamento ao capital financeiro, do fortalecimento da participação popular e da soberania aliada à integração latino-americana.
Ao invés disso, buscou conciliação com os bancos, com o Congresso, com os empresários, visitou os EUA, cedeu, cedeu, cedeu, até perceber que, além de não diminuir o impeto golpista, ainda fragilizou sua base de apoio.
O conservadorismo ganhou nosso governo também de dentro para fora, no mesmo sentido que vem se desenrolando o fenômeno da objetivação generalizada dos sujeitos descrito por Mbembe: “em um mundo centrado na objetivação de todos e de todo ser vivo em nome do lucro, a eliminação da política pelo capital é a ameaça real”.
A política, a solidariedade e a esperança estão em gradativa eliminação.
Este pensamento se disseminou e ganhou mais espaço e influência nas fileiras do PT.
Para combater o golpe em seu âmago e reverter esta situação é preciso, cada vez mais, fortalecer a solidariedade, o projeto político socialista (no sentido de combate ao capitalismo e às opressões, e construção de uma sociedade, cujas forças produtivas sejam democratizadas e a igualdade seja real) e a responsabilização nossa de uns com os outros, de umas com as outras. Caso contrário, abriremos mão da principal diferença que temos como cidadão e como partido, a escolha.
Nossa espera deve ser de o que fazer. Nossa radicalidade deve ser na solidariedade. Nosso programa partidário deve assumir seu lado e distanciar-se da perspectiva de conciliação de classe. Esses são desafios a enfrentar no 6º Congresso do PT.
Por Marcel Franco Araújo Farah, educador popular e ex-coordenador geral de Processos Formativos da Secretaria Geral da Presidência da República, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.