O reconhecimento aos direitos de todas as pessoas, consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, é conquista da humanidade e construção no Brasil desde a redemocratização. Primeiro com as garantias estabelecidas pela Constituição de 1988. Depois com a inauguração pelo presidente FHC de estrutura governamental de Direitos Humanos.
A este órgão sempre coube a tarefa de articular transversalmente políticas de direitos e manter o diálogo com a sociedade civil. Os presidentes Lula e Dilma conferiram status ministerial à pasta, que em suas várias conformações sempre esteve acima de disputas políticas.
A unidade de ex-titulares simboliza até hoje o valor irrenunciável da democracia. Todos que tiveram essa pasta sob sua responsabilidade trabalharam para cumprir metas de um Brasil com direitos, ainda que enfrentando limites e resistências.
O atual presidente da República se criou no enfrentamento aos Direitos Humanos e a seus defensores. Desde que foi anunciada, a postura da ministra Damares Alves tem sido a de não abordar com consistência nenhum tema relativo ao ministério que comanda. Pronuncia frases polêmicas que viralizam nas redes sociais. Um governo pode até desfazer políticas dos antecessores, mas não tem o direito de assim agir em matérias que são sua obrigação. Garantir os Direitos Humanos não é ato de vontade do governante, é obrigação definida em cláusula pétrea da Constituição que ele jurou cumprir.
O Brasil precisa saber do governo qual o programa para defesa, promoção e garantia de direitos, pois até então apenas a destruição tem sido diariamente anunciada, como no caso da revisão de demarcações indígenas e abandono do pacto da ONU sobre migração.
O que farão para impedir que vidas sejam desperdiçadas por homicídios que atingem a população e afetam mais ainda jovens negros e pobres? Como vão enfrentar o gravíssimo número de mortes de policiais, no país em que a polícia mais morre e também mais mata e como pretendem conter a violência, se anunciam que vão liberar o porte de armas?
Precisamos saber o que farão para enfrentar a avalanche de casos de feminicídio e violência contra as mulheres, que se fortalecem quando censuram esse tema nos livros didáticos e escolas.
Para além da proposta de dress code rosa e azul da ministra, é urgente que ela revele o projeto para garantir direitos de pessoas LGBTIs no país que mais mata pessoas por conta da orientação sexual e identidade de gênero. O que farão para enfrentar a violência sexual de crianças e adolescentes, um crime repugnante do qual a própria ministra foi vítima? Qual o posicionamento sobre a inconcebível proposta do Brasil se retirar do Conselho de Direitos Humanos da ONU, órgão soberano e da maior relevância mundial?
Qual a ação para garantir o enfrentamento ao trabalho escravo, diante do fim do Ministério do Trabalho e das ameaças à Justiça do Trabalho? Qual o projeto para garantia do respeito à diversidade religiosa e do diálogo inter-religioso? Para além do belo gesto da primeira-dama de fazer um discurso em Libras, o que fará o governo para assegurar inclusão e acessibilidade para as 45 milhões de pessoas com deficiência?
O Brasil tem o direito de saber o que farão diante das violações e exigir uma postura de Estado diante de um tema basilar da democracia. Perante um quadro assustador de violência, o país julgará se seus governantes têm capacidade de liderar uma política tão relevante, para além das suas convicções pessoais e religiosas.
O que não é aceitável é Direitos Humanos virar factóide, pretexto para acirrar ânimos, desinformar e dispersar a atenção diante de uma agenda que destrói o presente e o futuro do país. Direitos Humanos é algo sério, é vida, é dignidade, muito mais do que hashtags. Exige responsabilidade, conhecimento e respeito.
Maria do Rosário é professora e deputada federal (PT-RS). Foi Ministra dos Direitos Humanos entre 2011 e 2014, no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT).
*Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo