Em qualquer grande partido, seja de direita ou de esquerda, são comuns as exceções que confirmam as regras. É o caso das grandes bancadas legislativas. Não é anormal ter, de vez em quando, um ou outro parlamentar que destoa de sua bancada, em uma ou outra votação mais importante. O problema começa a se agravar quando esses pontos de exceção são justamente lideranças de seus partidos nessas mesmas casas legislativas. E aí o recado fica claro: o que era exceção pode passar a ser… a regra! Vamos aos graves exemplos naquilo que chamo de “degeneração petista” de seus valores e de sua finalidade social, perpetrada por alguns de nossos parlamentares das bancadas do PT, em casos recentes no Senado, na Alerj e na Alesp.
O primeiro e mais divulgado foi o caso Humberto Costa (PT-PE). Líder do PT no Senado, apoiou de maneira convicta e inflexível a eleição do golpista Eunício Oliveira (PMDB-CE), vulgo “Índio” segundo um delator da Odebrecht, que o acusa de receber propina por intermediar uma MP de interesse da empresa.
Nem mesmo toda a pressão do movimento nacional Petista Não Vota em Golpista, bem-sucedido na Câmara e liderado pelo senador Lindbergh, fez o senador pernambucano retirar seu apoio para o golpista. Em troca recebemos a 1ª secretaria da Casa. Durante o golpe de 2016, a vice-presidência ocupada por Jorge Viana não foi capaz de dar um sustinho sequer no trator golpista.
Poucos dias após a “vitória” de Eunício, o senador é indicado para ser líder da minoria. Seria um prêmio pelos serviços prestados? E para provar de uma vez por todas que estava se LIXANDO para a militância, resolveu dar uma entrevista para as páginas amarelas naquela escória de revista “Veja”, dizendo que o “golpe é página virada” e denunciando a corrupção petista… Justo ele, que foi tão perseguido pelo PIG, e sobretudo, por essa mesma revista em vários casos em que seu nome esteve injustamente mencionado, inclusive, quando foi divulgada a primeira lista de Janot no início 2015, com aqueles que seriam os investigados da lava-jato pelo STF???
O segundo caso é o do deputado estadual da Alerj André Ceciliano, que ficou famoso por ter sido autor do único voto petista favorável à privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), empresa de capital misto com cerca de 6 mil funcionários concursados, e que é responsável pelo abastecimento da maioria dos municípios do Estado do Rio. O curioso dessa história é que, assim como Humberto Costa, ele não é um simples e isolado deputado da bancada com lampejos neoliberais. Semanas antes de proferir seu fatídico voto, uma facada no coração de cada petista carioca, ele foi reconduzido ao cargo de 2º vice-presidente da mesa diretora da Alerj, indicado pela bancada! A pergunta que todo militante se faz é: ora, como o cara mais direitista daquela bancada se torna justamente o indicado para ocupar o cargo na mesa diretora, repetindo histórias sinistras como a de Vaccarezza, Delcídio e a do próprio entrevistado da “Veja” Humberto Costa? Então nossas bancadas se sentem representadas por esses caras? Seria uma espécie de “síndrome da cooptação coletiva”?
Para terminar, o caso mais inusitado, o do deputado estadual João Paulo Rillo da Alesp. Enquanto nos exemplos acima nós temos exceções de comportamentos de direita ocupando cargos importantes em nossas bancadas, o caso paulista segue uma lógica inversa: o deputado Rillo estaria sendo punido por um comportamento tido como… de esquerda!!! Em poucas palavras, Rillo pretendia protelar com pedidos de vistas e obstrução os andamentos na Comissão de Finanças, emperrando a votação do orçamento. A intenção era forçar o governo Alckmim a contemplar, na peça orçamentária para 2017, várias categorias em demandas não atendidas (como a dos músicos da extinta banda sinfônica, dos médicos residentes e dos defensores públicos), além de derrubar o veto do governador da lei aprovada que proibia o uso da bala de borracha pela polícia militar.
Sua intenção de obstruir uma tramitação parlamentar para atender demandas de grupos sociais não poderia ser visto, de maneira alguma, como um comportamento ultra-esquerdista e sectário. Tudo bem que alguns grupos dessa natureza saíram em sua defesa.
Mas vejamos como o jornalista Luís Nassif (progressista, sem dúvida, para alguns até moderado demais, mas jamais tido com um sectário) descreveu o ocorrido:
“Em São Paulo, um deputado estadual que ousou exigir da bancada uma tomada de posição, terminou afastado. O que ele pretendia era um EXERCÍCIO SIMPLES DE OPOSIÇÃO: dificultar a aprovação das contas do governador Geraldo Alckmin, para poder trocar o apoio por projetos de lei apoiados pelo partido. Os donos do partido na Assembleia não apenas deram a Alckmin o que ele pediu, como afastaram os que pressionavam o partido a praticar a oposição. Tudo isso em troca de cargos na mesa da Assembleia Legislativa no qual pudessem abrigar correligionários.”
Rillo foi afastado da Comissão de Finanças e o orçamento foi votado. Os deputados entraram de férias. Logo no início de 2017, tivemos a notícia da extinção da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, com a demissão sumária de 65 músicos. Com a exceção dos médicos residentes (mesmos estes, sem receber valores retroativos) todas as outras categorias as quais se pretendia contemplar através daquele fracassado acordo ficaram a ver navios. E talvez o mais grave de tudo: impossível precisar quantos foram brutalmente reprimidos e agredidos, apenas em 2017, com a utilização sádica pela PM do artifício cruel das balas de borracha, contra manifestantes que apenas exercitavam o seu constitucional direito de reunião.
Rillo foi suspenso pela bancada, proibido de participar de qualquer reunião. Desde então, vem sendo tratado como parlamentar de segunda categoria pelos colegas (com poucas exceções), numa espécie de “bullying parlamentar”.
A pergunta que os casos narrados sugerem como debate ao 6º congresso é: QUAL A FINALIDADE DO PARTIDO DOS TRABALHADORES? A que FIM ele se destina? Ele é um fim em si mesmo, ou seja, o PT existe para o PT (para ocupar mais e mais cargos, prefeituras, governos, fazer o partido inchar cada vez mais) ou o PT é apenas um MEIO, ou seja, um INSTRUMENTO PARTIDÁRIO para que a classe trabalhadora e os movimentos sociais tenham suas demandas atendidas?
* Por Maurílio Araújo, Bacharel em história pela USP e coordenador do NADP (Núcleo de Ação pela Democracia Popular – PT/SP), para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.