O Dia Mundial do Meio Ambiente, neste sábado (5), é marcado no Brasil pelo terceiro mês consecutivo em que os índices de desmatamento batem recordes históricos mensais na Amazônia Legal, e pelas investigações policiais em curso contra o titular da pasta, Ricardo Salles, suspeito de cometer vários crimes.
“O regime Bolsonaro se dedica há dois anos e meio a desmontar as políticas de controle de desmatamento, enterrando o único plano que conseguiu reduzir a destruição, o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia”, afirmou em nota o Observatório do Clima, rede de 56 organizações da sociedade civil.
“A permanecer a tendência nos próximos dois meses, a taxa oficial de desmatamento de 2021 (medida de agosto a julho) poderá terminar com uma inédita quarta alta consecutiva. O comportamento da curva dependerá exclusivamente de quem hoje dá as cartas na região: o crime ambiental”, prosseguiu a entidade.
Os dirigentes do Observatório do Clima consideram que a fiscalização de crimes ambientais pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi barrada, como mostraram documentos produzidos pelos próprios agentes. “A gestão do antiministro Ricardo Salles virtualmente parou as operações do órgão”, diz a nota da rede.
“Além de um presidente e um ministro do Meio Ambiente atuando contra a proteção ambiental, o Congresso tem contribuído com essa política de destruição, enfraquecendo deliberadamente as leis que protegem a floresta e seus povos. O resultado de maio não poderia ser diferente, já que os retrocessos na governança ambiental só aumentam”, completou Rômulo Batista, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace.
Na última quarta-feira (2), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia autorizou a instauração de mais um inquérito naquela Corte para investigar Salles por crimes como advocacia administrativa, criar dificuldades para a fiscalização ambiental e atrapalhar investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
A apuração pedida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) surgiu a partir de uma investigação da Polícia Federal (Operação Handroanthus) que levou à apreensão de 226 mil metros cúbicos de madeira extraídos ilegalmente por organizações criminosas. A carga, apreendida na divisa do Pará com o Amazonas no fim de 2020, foi avaliada em R$ 129 milhões.
Essa investigação contra Salles, que levou Jair Bolsonaro a demitir o delegado Alexandre Saraiva do cargo de superintendente da PF no Amazonas, não é a mesma que levou a buscas e apreensões em endereços ligados ao ministro em 19 de maio deste ano.
Naquele dia, a Polícia Federal deflagrou em três estados a Operação Akuanduba, que teve como alvo Salles, empresários do ramo madeireiro e servidores públicos, entre eles o presidente do Ibama, Eduardo Bim. A operação foi autorizada por outro ministro do STF, Alexandre de Moraes.
A PF apura suspeitas de exportação ilegal de madeira. A investigação apura desde janeiro deste ano suspeitas de crimes como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando. Ela começou a partir de denúncias feitas por autoridades dos Estados Unidos sobre suposto “desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira”.
Na decisão, Moraes diz que “os depoimentos, os documentos e os dados coligidos sinalizam, em tese, para a existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, o qual teria o envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro nessa Suprema Corte, no caso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles; além de servidores públicos e de pessoas jurídicas”.
Moraes citou a famigerada fala de Salles na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando ele disse que o foco da imprensa na pandemia de coronavírus permitiria “passar a boiada mudando todo o regramento”, particularmente via pareceres do ministério. “Esse referido modus operandi (‘parecer, caneta’) teria sido aplicado na questão das exportações ilícitas de produtos florestais”, aponta a decisão.
PT quer afastamento de Salles
Após a ação policial, a Bancada do PT na Câmara dos Deputados protocolou notícia-crime no STF, endereçada a Moraes. O partido pede o afastamento imediato de Salles enquanto ocorrerem as investigações da Polícia Federal. A ação pede ainda que, a partir desse afastamento, Salles seja proibido de manter contato com qualquer outro investigado pela PF no caso, sob pena de prisão.
Os parlamentares lembram que Salles foi denunciado ao próprio STF pelo delegado Alexandre Saraiva, então superintendente da Polícia Federal no Amazonas. Um dia após o fato o delegado foi afastado do cargo pelo governo. De acordo com os petistas, a notícia-crime de Alexandre Saraiva apresenta “extensa documentação comprobatória da inferência do Ministro em favor de madeireiros que agem à margem da lei na extração de madeira na Amazônia e que haviam sido alvo de operações da Polícia Federal”.
De acordo com os petistas, são reiteradas as denúncias de ações orquestradas pelo ministro para enfraquecer órgãos de proteção e fiscalização do meio ambiente a partir do ano de 2019. Entre essas estão a desestruturação normativa; orçamentária dos órgãos ambientais; a burocratização das atividades de fiscalização; nomeação de chefias sem critérios técnicos e demora em sua definição; exonerações de servidores.
“Tudo isso, conforme já comentado, objeto de ações apresentadas ao Supremo e à Justiça Federal, porque eivados de ilegalidades, inconstitucionalidade e descumprimento de preceitos fundamentais”, lembra a ação.
A ação ressalta ainda que, entre as atitudes de Ricardo Salles a frente do Ministério, podem ser comprovadas “a não aplicação dos recursos, o incentivo a garimpos ilegais, a omissão frente aos incêndios florestais, bem como a conivência com a suspensão das operações repressivas a crimes ambientais”.
“Não há nenhum sentido um Ministro do Meio Ambiente ser conivente com crimes ambientais e ainda por cima viabilizar meios para que aconteçam. É um total disparate para o Brasil, ser um dos maiores detentores da biodiversidade do planeta e permitir ter em seu comando um agente, categoricamente assumido como contrário a todo tipo de preservação ambiental”, declaram os autores da notícia-crime.
Antiministro destrói a política ambiental brasileira
O ainda ministro é considerado uma ameaça global. Em abril, senadores do Partido Democrata dos Estados Unidos enviaram carta ao presidente Joe Biden, alertando que Bolsonaro e ele abriram a porteira para o crime ambiental no Brasil.
De fato, Salles já editou pelo menos 317 atos oficiais que colocam a política ambiental brasileira em risco ao longo de sua gestão à frente do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Para chegar a esse dado, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) localizou e avaliou medidas adotadas pela pasta desde janeiro de 2019. O registro feito pelos pesquisadores sistematiza portarias, instruções normativas, resoluções, deliberações e despachos publicados até dezembro de 2020.
Leia o estudo na íntegra aqui.
Todos os dispositivos são considerados atos normativos infralegais e foram categorizados conforme uma escala de cinco graus de risco, variando entre “muito baixo”, “baixo”, “médio”, “alto” e “muito alto”. Os pesquisadores também consideraram a categoria “não se aplica”, usada para medidas que não impõem danos ao meio ambiente. Ao todo, 207 ficaram nesse último grupo, enquanto as que trazem riscos somam 317.
Ao ‘Brasil de Fato’, a assessora política do Inesc Alessandra Cardoso, coordenadora do estudo, avalia que o grave processo de desmonte consolida a visão de que o Salles está lá para “passar a boiada” mesmo. “O MMA, do ponto de vista do orçamento, nunca foi muito relevante, mas ele passa a ter um papel muito relevante neste governo, que é justamente o de desmontar o que existia de política ambiental”, analisa.
O levantamento analisou as 524 medidas normativas publicadas pelo ministério e alguns de seus braços. Foram 118 atos do próprio MMA, 282 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 113 do Ibama e uma do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). A pesquisa identificou que 10 medidas têm risco “muito alto” enquanto 38 têm “alto” potencial negativo.
“A gente classificou assim aquelas que têm elementos que configuram o enfraquecimento do órgão, seja do ponto de vista de pessoal, seja do ponto de vista da normativa. No Ibama, por exemplo, tem algumas instruções que mudam o processo de julgamento de multas, o rito do processo de infração e monitoramento, e isso está muito evidente”, explica.
“Quando se coloca, por exemplo, mais poder para um gestor que é indicado politicamente para dar sequência ou não a um processo de condução da fiscalização, a gente considera isso uma medida de altíssimo risco, porque você sabe que isso vem junto com outros sinais e movimentos que mostram que essa medida existe para desmontar a política de fiscalização”, aponta Alessandra Cardoso.
Da Redação