Antes do “gabinete do ódio” bolsonarista, o Ministério Público Federal (MPF) foi pioneiro no uso político das redes sociais. Os pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) Rafael Rodrigues Viegas e Lucas Busani Xavier desenvolveram uma pesquisa específica para investigar a tese. Para eles, é razoável concluir que o órgão usou sua conta no Twitter de forma política e estratégica a fim de interferir na opinião pública.
A dupla combinou técnicas qualitativa e quantitativa e usou dois softwares para extrair um banco de dados de 37.041 tweets e retuítes publicados desde o lançamento da conta do órgão, em 2011. A partir daí, analisou o conteúdo das postagens e a rede de interação do MPF, ao qual é vedada atuação política, com outros usuários, a partir de recortes temporais relacionados ao noticiário.
Os pesquisadores observam que a ação dos procuradores pode ter tido potencial para afetar a governabilidade no país e a democracia em momentos decisivos. Os alvos preferenciais, não só nas investigações e ações judiciais, mas também nos posts, estão ligados ao processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e às eleições de 2018.
A média de publicações do perfil, em dez anos, foi de dez tweets por dia. O que chamou a atenção dos pesquisadores foi a variação da atividade ao longo do tempo e em momentos específicos: os picos de tweets ocorreram “coincidentemente” quando casos envolvendo integrantes do Partido dos Trabalhadores estavam em evidência.
Os acadêmicos observaram que a maioria dos tweets do MPF era referente a casos de corrupção (61,5%), em detrimento de outras áreas igualmente relevantes. A pesquisa questionou o fato de que o combate à corrupção é somente um dos pilares do trabalho do órgão, e há outros como defesa do meio ambiente, saúde e educação.
Os pesquisadores mapearam as estratégias utilizadas pelo MPF no Twitter. Eles elencaram da seguinte forma: se autorreferenciam em tweets; usam massivamente a ferramenta de retweet; focam em assuntos específicos usando termos exatos, tais como: denunciar, eleitoral, corrupção, condenar, crime; divulgam informações institucionais de casos nos quais atuam no Supremo Tribunal Federal (STF) e informações sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Com mais de 718 mil seguidores, o perfil do MPF do Brasil no Twitter tem o maior número de usuários em comparação com instituições semelhantes de outros países. O perfil da instituição na Inglaterra, por exemplo, tem 30 mil, nos Estados Unidos, 24 mil, e na Argentina, 33 mil.
A pesquisa rastreou a rede de contato do MPF e encontrou figuras como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), o ex-juiz Sergio Moro e o perfil da Polícia Federal. Em outubro de 2018, por exemplo, influenciadores bolsonaristas, como o jornalista Alexandre Garcia e o blogueiro Allan dos Santos, foram os perfis que mais se alimentaram de conteúdos do MPF, os replicando a seus seguidores.
O modus operandi do MPF no Twitter, apontam Viegas e Xavier, provavelmente está relacionado a um projeto institucional de política de comunicação que visa legitimar as ações do MPF e, assim, defender interesses corporativos em vista de outras instituições e da sociedade em geral. Tal atuação “no período analisado resultou em um alinhamento com a extrema direita ideológica”, concluem os pesquisadores.
Da Redação