No dia 15 de maio, Nelson Teich foi afastado do Ministério da Saúde. Desgastado por sua discordância com o presidente Jair Bolsonaro quanto ao uso da hidroxicloroquina e o relaxamento das medidas de isolamento social, o médico saiu menos de um mês depois de nomeado. Naquele dia, o Brasil registrava 14.962 mortes por Covid-19. Sem ministro, a pasta passou a contar com o General Eduardo Pazuello. Como se sabe, em pouco mais de duas semanas, o número de casos mais do que dobrou no país. Como símbolo inequívoco da falta de liderança e estratégia que transformou a nação em novo epicentro da pandemia, Bolsonaro oficializou, nesta quarta-feira (3), o nome de Pazuello como interino.
Trocando em miúdos, nada mudou. Sem plano nem comando, o país permanece na trilha rumo ao abismo. Hoje, a pasta atrasou mais uma vez a divulgação dos dados atualizados da pandemia, alegando problemas técnicos. Segundo o mais recente balanço, baseado nas informações fornecidas pelas secretarias estaduais de Saúde, foram registradas 32.547 mortes provocadas pela Covid-19 e 583.980 casos confirmados da doença.
A indicação de Pazuello, que acelerou a militarização do Ministério da Saúde, com a ocupação de pelo menos 20 integrantes das Forças Armadas em cargos estratégicos da pasta, não foi capaz de ajudar na definição de um plano para conter o avanço do coronavírus. Ao contrário, a saída de técnicos da área agrava ainda mais o quadro de crise sanitária. O risco maior é de uma desconexão ainda maior com estados e municípios no momento em que o país exige uma ampla coordenação nacional de enfrentamento da crise.
Para o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde João Gabbardo dos Reis, a militarização do ministério é prejudicial. “Não é com uma canetada em Brasília que a gente faz qualquer coisa, porque quem vai executar será a secretaria municipal e estadual de saúde. O ministério não pode achar que ele vai impor a sua vontade na caneta e que todo mundo vai cumprir”, afirmou Gabbardo, em entrevista ao portal ‘Gaúcha ZH’.
Outro ex-quadro do governo, Julio Croda, ex-diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis, considera que o governo federal precisa de diretrizes claras e rígidas, especialmente na coordenação do uso de leitos com as esferas estadual e municipal. “Sem o apoio da Presidência e com estados e municípios pressionados pela iniciativa privada para reabrir mesmo sem leitos, o que vai acontecer é um massacre”, afirmou Croda.
“Quem está morrendo? Pretos e pobres, que moram em comunidades carentes, onde o vírus circula mais intensamente, já que a população de baixa renda não consegue cumprir o distanciamento social. Nas classes altas, o vírus circula menos e há mais leitos no setor privado. Em compensação, nas classes pobres, há mais circulação e faltam leitos”, constata.
Interiorização
Epicentro do coronavírus no pais, o estado de São Paulo pode ter mais de 250 mil casos até o final do mês, mais do que o dobro do número atual: 123.483. Segundo estimativas do governo, o número de infecções deve variar entre 190 mil e 265 mil. As informações foram divulgadas pelo vice-governador Rodrigo Garcia. A intensificação do processo de interiorização da doença, com o avanço em regiões com menor infraestutura de saúde, como o Norte e o Nordeste, preocupa especialistas.
“Na última semana, o aumento dos casos foi de 144%. A mortalidade aumenta. Mas, além disso, o número de municípios que estão reportando casos, nas duas semanas entre 11 e 25 de maio, aumentou 168%”, alerta Marcos Espinal, diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), vinculada à OMS. “Pensem duas vezes antes de suspender medidas de distanciamento social”, recomendou.
“Temos altas taxas [de casos] nos estados do Norte e Nordeste, mas também temos mais de 100 mil casos nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro”, afirmou Espinal. “As próximas semanas serão cruciais para o Brasil, e vão depender de como o pacote de ações é implementada”, avaliou.
Segundo o diretor da OPAS, a falta de testes no país torna a situação de combate à doença ainda mais delicada. “É imperativo que os testes aumentem”, explicou Espinal. “O Brasil ainda não está fazendo o número suficiente de testes”.
Cidades-polo
Cidades-polo como as que concentram indústrias, comércios e serviços, são peças-chave na disseminação da doença pelo interior. A conclusão foi feita por pesquisadores das universidades Federal de Ouro Preto (UFOP) e Estadual Paulista (Unesp), de São José dos Campos, com participação do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. Os pesquisadores avaliaram o potencial de propagação da Covid-19 em cidades como Ribeirão Preto (SP), Campina Grande (PB) e Caruaru (PE).
A conclusão: nessas cidades, a disseminação da pandemia corresponde a de algumas capitais de alguns estados do país. Os resultados foram publicados em artigo no portal da ‘Agência FAPESP’ (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. “Essas cidades podem ajudar a acelerar e amplificar a interiorização da epidemia de COVID-19 ao servir de atalho para a propagação da doença para diversos outros municípios com os quais têm conexões”, afirma Leonardo Bacelar Lima Santos.
Os pesquisadores utilizaram dados de mobilidade terrestre do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para analisar a mobilidade entre municípios das regiões Sudeste, Sul, Nordeste e Centro-Oeste. “Essa é uma possível assinatura do processo de interiorização da COVID-19 no país. Hoje, cidades que têm menor fluxo de pessoas já correm um risco significativo de registrar casos da doença porque têm conexões com cidades que são polos regionais”, diz o pesquisador.
Da Redação, com agências de notícias e informações de OPAS e Agência FAPESP