Por questões políticas e ideológicas, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) poderá deixar sem atendimento médico milhares de pessoas que moram nas periferias da capital paulista. Um acordo de cooperação firmado em 2016 entre a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e o Ministério da Saúde, no âmbito do programa Mais Médicos, permitiu à prefeitura suprir em parte a demanda por esses profissionais nas regiões mais periféricas. Pelo convênio, a prefeitura repassa ao governo os recursos para o pagamento de salários. No entanto, os contratos expiram no próximo dia 15, domingo. E só o Ministério pode renová-los.
“Se não renovar, o ministro Luiz Henrique Mandetta estará colocando milhares de pessoas no corredor da morte”, disse o coordenador-adjunto do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de São Paulo, Francisco Freitas. “O impacto será violento. São 280 mil consultas por ano realizadas pelos 43 médicos com contratos no final. Por dia, cada um atende cerca de 50 pessoas. É uma questão desumana. O ministro não está olhando para São Paulo e muito menos para a população que vive em áreas de grande vulnerabilidade, uma população carente, sem emprego, que cada vez mais depende da saúde pública”.
Entidades com representação no Conselho Municipal de Saúde, a Central dos Movimentos Populares (CMP), o Movimento pelo Direito à Moradia (MDM) e a Associação Cidadania e Saúde, que congrega os movimentos de saúde da capital, ingressaram na Justiça Federal com ação civil pública com tutela de urgência, para que o Ministério prorrogue os contratos.
Nesta quinta-feira (12), o pleno do CMS deve aprovar moção de apoio contro o desmando na saúde, que tem o apoio de pessoas de diferentes posições e partidos políticos. Entre elas, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Eduardo Tuma, a vereadora Juliana Cardoso (PT), o deputado federal Ivan Valente (PSol-SP) e senadores paulistas de diversos partidos, inclusive de apoio ao governo Bolsonaro: os tucanos José Serra e Mara Gabrili e Major Olímpio (PSL).
Após ato de usuários do serviço de saúde em frente à Secretaria Municipal, manifestantes, conselheiros, parlamentares e apoiadores seguirão em caminhada até o escritório do Ministério da Saúde, na Avenida 9 de Julho, onde entregarão cópias de ofícios, requerimentos e moções.
Os esforços para a renovação dos contratos, firmados por meio do edital nº 12, de 2016, já vinham sendo feitos desde o ano passado. O novo secretário de Saúde Edson Aparecido, que substituiu Wilson Pollara, que deixou a gestão junto com João Doria (PSDB), quando assumiu o governo, teve encontros com o ministro Mandetta. De todos eles saiu com o compromisso de renovação que até agora não se concretizou.
De acordo com o médico Yuri Moreira Takashima, integrante do Mais Médicos, chegou a ser considerado um novo contrato por mais três anos se todos estivessem de acordo. “Mandetta disse ao secretário Edson Aparecido e ao deputado Orlando Silva (PCdoB) que renovaria. Depois disse que havia um problema jurídico e que por isso não estava sendo renovado. Acredito ser uma questão política, ideológica. O governo quer acabar com o programa Mais Médicos, tal como foi criado”, disse.
O argumento do governo federal, de que haveria irregularidades no acordo, foi refutado por um parecer jurídico da Procuradoria do Município. Segundo o procurador Rafael Augusto Galvani Fraga Moreira, todos os processos são conduzidos no âmbito do Ministério da Saúde, “não sendo possível à municipalidade qualquer ingerência nos trâmites internos a serem tomados”.
Questionado sobre a renovação dos contratos, o Ministério deu a entender que não renovará. Por meio de nota enviada à RBA, o Ministério da Saúde disse que “vem mantendo a reposição dos profissionais no Mais Médicos em municípios com perfis de maior vulnerabilidade, além dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas”. E que “o número de vagas desocupadas é dinâmico e varia constantemente, conforme a saída e a reposição dos profissionais”.
Informou também que publicou portaria no início de abril, estendendo para seis meses o prazo de pagamento da verba de custeio repassada às Unidades de Saúde da Família que perderam profissionais do Mais Médicos. A regra anterior cortava o repasse para o posto se ele ficasse sem médico por mais que dois meses. Os gestores dessas localidades que perderam profissionais do Mais Médicos podem utilizar esses recursos para contratar os próprios médicos.