Entrevista: proposta de Bolsonaro é arremedo do Mais Médicos, diz Chioro

Programa “Médicos pelo Brasil” é uma capitulação de Bolsonaro diante do sucesso do Mais Médicos que ele tanto atacou, disse o ex-ministro

O ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro

Editada no dia 1º de agosto, a MP 890/2019 materializa a “versão Bolsonaro” de um programa destinado a oferecer assistência básica de saúde à população. Batizado de “Médicos pelo Brasil”, a iniciativa é uma espécie de rendição do presidente da República ao sucesso do Mais Médicos que ele tanto atacou.

Chioro alerta que o ranço ideológico bolsonarista deixou de fora elementos essenciais ao sucesso do programa que foi marca dos governos petistas, como o investimento em infraestrutura, na formação de profissionais e na distribuição dos médicos por todo o território nacional.

PT no Senado – Qual a análise que o Sr. faz do programa “Médicos pelo Brasil”, arremedo do programa Mais Médicos, anunciado por Bolsonaro?

Chioro – A proposta de Bolsonaro é uma versão fragilizada do programa Mais Médicos. Está muito mais voltada a dar respostas a uma base social que apostou no discurso eleitoral de Bolsonaro do que propriamente atender às necessidades do Brasil.

O programa “Médicos pelo Brasil”, proposto na Medida Provisória 890/2019, abandona os eixos fundamentais do Mais Médicos, que foram a razão do imenso sucesso do programa implementado no governo da presidenta Dilma.

E veja, essa nova versão do programa vem após sete meses de governo Bolsonaro — sete meses durante os quais o governo deixou de gastar os recursos do Mais Médicos. E isso resultou em aumento de mortalidade infantil, de mortalidade materna. Diagnósticos e tratamentos de doenças deixaram de ser feitos.

PT no Senado – Há quem questione o sucesso do Mais Médicos. Como o senhor responde a esses críticos?

Chioro – O programa Mais Médicos é muito bem-sucedido. Quem mostra isso, hoje, são os resultados.

São os estudos feitos por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, as dissertações de mestrado, teses de dourado e o conjunto de publicações científicas que mostram o impacto altamente relevante que o programa Mais Médicos teve.

Particularmente, acredito que toda política pública deve ser aperfeiçoada, qualificada. Não existe uma política que nasça pronta, perfeita e que responda a todos os problemas a que se propõe responder.

O Mais Médicos merecia ser aperfeiçoado, progressivamente. Merecia ser qualificado como uma política de Estado. Mas, sim, ele é plenamente bem-sucedido.

Uma demonstração do que digo é que, por mais que o governo Bolsonaro tenha o desejo de desmontar e acabar com Mais Médicos, ele foi obrigado a reformatar o programa, a substitui-lo por um modelo que, no básico, mantém pontos importantes do Mais Médicos.

PT no Senado – Esse novo programa seria, então, uma “maquiagem”, para que Bolsonaro mantenha o Mais Médicos sem dar o braço a torcer?

Chioro – É muito pior do que isso. A Medida Provisória 890/2019, que cria o “Médicos pelo Brasil”, abandona os três eixos fundamentais do programa Mais Médicos, que eram o investimento em infraestrutura de saúde, em formação de profissionais e na distribuição de médicos por todo o território nacional.

PT no Senado – Mas o desmonte da essência do programa Mais Médicos não começou com essa Medida Provisória…

Chioro – Infelizmente. Houve o episódio que levou ao rompimento das relações com o Ministério da Saúde de Cuba, que resultou na perda de mais de 8 mil médicos do programa [as hostilidades de Bolsonaro aos médicos cubanos, ainda antes de tomar posse, resultou na retirada desses profissionais do Brasil pelo governo daquele país].

Tem a quebra da continuidade do projeto de formação de médicos ou, ainda, a paralisação dos investimentos na melhoria das unidades e centros de saúde.

O desmonte do Mais Médicos é resultado de uma disputa ideológica infeliz, medíocre. E quem está pagando a conta é a população brasileira.

PT no Senado – O senhor poderia detalhar o que chamou de eixos fundamentais do programa Mais Médicos, ausentes do novo programa de Bolsonaro?

Chioro – O primeiro eixo era a infraestrutura, o investimento em ampliação da rede, nos equipamentos, na conectividade e das condições de trabalho dos profissionais de saúde. Nada disso está presente no programa de Bolsonaro.

Até porque, os ditames do novo regime fiscal, estabelecido com a Emenda Constitucional 95 [congelamento dos investimentos públicos por 20 anos], impedem que sejam ampliados os investimentos na área da saúde.

Em segundo lugar, não há qualquer preocupação com a distribuição dos profissionais pelos rincões mais distantes, assim como não há investimento em formação nesse programa “Médicos pelo Brasil”.

O investimento na graduação em medicina e na residência médica é o eixo estruturante do programa Mais Médicos. Era o que permitiria que a partir de 2026 o Brasil tivesse médicos em quantidade, em qualidade e bem distribuídos por todo o território nacional.

PT no Senado – Isso não vai mais ocorrer?

Chioro – Bolsonaro está revogando dois artigos da Lei do Mais Médicos que tornavam obrigatória, a partir de 2019, a universalização da residência médica. Desde o governo Temer essa meta foi abandonada. Na impossibilidade de cumprir o que mandava a lei, revogaram a lei.

Na Medida Provisória 890, aponta-se para a criação de um serviço social autônomo, a Agência de Atenção Primária de Saúde (ADAPS), que será responsável, daqui a dois anos, de contratar médicos em regime CLT para trabalhar na atenção básica em todo o Brasil.

Veja bem, é uma coisa que vai começar a funcionar daqui a dois anos.

Até lá, o que o governo Bolsonaro fará é manter a mesma sistemática de contratação prevista no programa Mais Médicos, apenas impedindo a participação de médicos brasileiros e estrangeiros formados no exterior que ainda não tenham feito o processo de revalidação do diploma.

PT no Senado – Qual a importância de permitir que médicos formados no exterior pudessem trabalhar no Brasil, mesmo sem revalidação de diploma, uma das premissas do Mais Médicos?

Chioro – Essa estratégia utilizada na gestão presidenta Dilma, quando foi lançado o Mais Médicos, foi que possibilitou ao Brasil contar com 18.267 médicos, assistindo a 66 milhões de brasileiros e brasileiras, nas áreas mais vulneráveis do nosso território.

Foi assim que conseguimos assegurar à população brasileira o direito à atenção básica de saúde, com uma equipe completa de profissionais, na região onde a pessoa reside. Independentemente de a pessoa viver na região ribeirinha, no Sertão Nordestino, numa aldeia indígena ou na periferia das grandes cidades.

Por PT no Senado

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