Dona Marisa Letícia Lula da Silva, ex-primeira-dama do Brasil, já não está mais entre nós. Para o ex-presidente Lula e seus filhos, uma imensa dor pela perda irreparável da esposa, mãe e companheira de todas as horas, da intimidade da família à luta política.
Para o PT e seus militantes e simpatizantes, um exemplo de fibra, honradez e fidelidade às lutas democráticas e populares do Partido dos Trabalhadores, que ajudou a fundar. A perseguição e a injustiça que sofreu no Brasil precisam ser reparadas pelo País.
Para as mulheres e homens do Brasil, uma referência de nova primeira-dama com sua simplicidade, generosidade e dignidade. Ao lado de Lula, era o esteio familiar, a quem Lula ouvia com carinho e atenção redobrada pela sensatez e firmeza de mulher.
O Fome Zero e o Bolsa Família tiveram muito da inspiração de Marisa Letícia como mulher e mãe com sensibilidade social pelas brasileiras e brasileiros mais pobres e excluídos da sociedade, do emprego, da cidadania e do desenvolvimento nacional.
Essa sensibilidade já era demonstrada nas lutas sindicais, na eleição presidencial de 1989 e, logo em seguida, em 1990, na formação do “governo paralelo” quando Lula aglutinou diferentes especialistas para discutir e formular um novo projeto para o Brasil, apresentando a primeira proposta de Plano de Segurança Alimentar para o País.
Em 2003, aperfeiçoando o Fome Zero, Lula criou o Bolsa Família integrando, racionalizando e ampliando vários programas sociais fragmentados. Na época, no Ministério da Educação (MEC), até a criação, em 2004, do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), coordenei a transição para o Bolsa Família.
O MDS absorveu três grandes políticas sociais: assistência social, transferência de renda e segurança alimentar e nutricional. No governo Dilma, o Bolsa Família beneficiava 14 milhões de famílias em todo o País. Além de garantir renda complementar às famílias pobres, favorecia melhor alimentação e inclusão e permanência das crianças e adolescentes na escola, fora do trabalho.
O público do Bolsa Família conta com o Sistema Único de Assistência Social (Suas), instituído em 2005 e que, em 2011, foi incorporado à Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). O Suas está presente em todos os municípios brasileiros com a finalidade de garantir proteção social, mediante a oferta de serviços socioassistenciais a crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência e suas famílias.
A rede socioassistencial também articula, em todo o território nacional, a oferta de cursos profissionalizantes do Pronatec e a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor mensal de um salário mínimo, a pessoas idosas ou com deficiência, com renda per capita familiar mensal de até um quarto do salário mínimo.
Com a aprovação da Lei Orgânica e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), a alimentação virou direito de todos. Multiplicaram-se cisternas no Nordeste, restaurantes populares e cozinhas comunitárias. A criação do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) criou novas perspectivas para a agricultura familiar.
Segundo o PNUD, o Brasil foi um dos países que mais contribuíram para o alcance global da meta do milênio em relação à pobreza extrema e à fome, não apenas pela metade ou a um quarto, mas a menos de um sétimo do nível de 1990, passando de 25,5% para 3,5% em 2012, alcançando já naquele ano as metas internacionais e nacionais. Segundo a nova linha de pobreza do Banco Mundial (1,90 dólar/dia), a taxa de extrema pobreza no Brasil caiu 64%, entre 2001 e 2013, passando de 13,6% para 4,9%.
Em relação à reforma agrária, foram assentadas, de 2003 até 2015, mais de 600 mil famílias de um total de quase um milhão de famílias assentadas desde a criação do Incra, em 1970. O crédito, ofertado pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), saltou de pouco mais de R$ 3 bilhões, na safra 2002/2003, para R$ 28,9 bilhões, entre custeio e investimento, na safra 2015/2016.
Essas e outras políticas, como o Luz para Todos e o Minha Casa, Minha Vida, ao lado das políticas de emprego e aumento real do salário mínimo, voltadas para os segmentos historicamente pobres e excluídos, são responsáveis pela elevada ascensão social, o fim da fome e a forte redução da miséria, da pobreza e das desigualdades sociais no Brasil.
Sou testemunha da preocupação de Dona Marisa com as políticas sociais, em especial em relação à assistência social e educacional às crianças abandonadas e em situação de risco social. Em 2005, tive a honra de acompanha-la em visita a uma unidade de acolhimento de crianças, ligada à Igreja Católica, na periferia do Distrito Federal.
A fome no Brasil nunca foi um fenômeno natural. Superar as Metas do Milênio, sair do Mapa da Fome e ser referência mundial no combate à pobreza também não. É possível fazer muito mais; o que se fez, no entanto, é resultado das lutas sociais e da ação do Estado, das quais Dona Marisa Letícia, ao lado de Lula, participou e embalou.
Por Osvaldo Russo, estatístico, filiado ao PT-DF, foi secretário de Inclusão Educacional do MEC e secretário nacional de Assistência Social do MDS, no governo Lula, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.