Nesta terça- feira (4), o Brasil ultrapassou a marca de 95 mil (95.078) óbitos por Covid-19 e 2.759.436 casos da doença, segundo o consórcio de veículos de imprensa. Em resposta ao agravamento da crise sanitária, a Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 da Câmara dos Deputados promoveu audiência pública sobre o Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia. Com transmissão pela internet, a audiência foi pedida por requerimento pelos deputados Alexandre Padilha (PT-SP) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ) para aprofundamento da iniciativa do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e de entidades que integram a Frente pela Vida.
Diante da negligência do governo federal em apresentar um conjunto de medidas para conter a escalada da pandemia no país, o Conselho Nacional de Saúde mobilizou-se para a criação do Plano Nacional junto à organizações da sociedade civil. Criado em maio, o extenso documento estabelece diretrizes às autoridades sanitárias, do Executivo e de estados e municípios para a implementação de ações de resposta ao surto.
Durante a conferência, o deputado Alexandre Padilha afirmou que o momento exige a construção urgente de uma ampla mobilização da sociedade civil, do CNS, do Congresso Nacional e do Poder Judiciário na coordenação de uma resposta à altura da crise. “Todos teremos que construir juntos essa coordenação nacional, infelizmente ela não virá do negacionismo, da postura de paralisia, de não assumir a responsabilidade, que tem sido o discurso atual do governo federal”, lamentou.
Face à calamidade pela qual o país atravessa, observou Jandira Feghali, “precisamos nos preparar para um tempo largo”. Segundo a deputada, “nenhuma medida isolada é suficiente, é preciso pensar nas medidas sanitárias, econômicas e integrar nisso as medidas da ciência e da inovação tecnológica. São ações que precisam ser pensadas juntas para que tenhamos um combate efetivo”.
Naturalização das mortes
“Me assusta muito uma certa naturalização da situação da pandemia hoje no país”, afirmou Alexandre Padilha. “Nesta semana, chegaremos a mais de 100 mil mortos confirmados”, observou o deputado. Padilha lembrou que o plano foi concebido quando o país registrou mil óbitos e foi completamente ignorado pelo governo federal. “O plano é um conjunto de recomendações, orientações, construídas por essas entidades e que sequer foram assumidas pelo governo federal”, lamentou Padilha.
Padilha propôs a convocação de um ato para protestar contra as 100 mil vidas perdidas no país. “Não podemos deixar passar essa marca dos 100 mil óbitos sem visibilidade, querem tentar esconder esses óbitos confirmados. 100 mil é um Maracanã e meio, são quase dois estádios do Morumbi inteiros, lotados de cadáveres que querem esconder. Querem construir uma normalidade em cima de 100 mil óbitos confirmados”.
Defesa do SUS
Para o presidente do CNS, Fernando Pigatto, no âmbito do Plano, o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) é primordial no enfrentamento à disseminação do coronavírus no país. “Todos os esforços da nossa rede de conselhos no país estão sendo no sentido fortalecer o SUS, evitarmos o colapso do sistema e salvarmos vidas, sempre seguindo as orientações da OMS e das autoridades sanitárias do país”, destacou Pigatto.
Padilha também defendeu a discussão de um fundo para o SUS. Desde 2017, A Emenda 95, do Teto de Gastos, já retirou mais de R$ 20 bilhões da rede pública de saúde. “Nós não podemos perder a oportunidade de dar uma grande injeção de fortalecimento no SUS e essa Casa tem um papel decisivo nesse debate”, reforçou Padilha.
“O mundo inteiro está discutindo fundos de recuperação dos sistemas de saúde, a União Europeia acaba de aprovar um fundo para isso. O Brasil não pode deixar de fazer esse debate”, afirmou. Para Padilha, os quase R$ 40 bilhões acrescidos ao orçamento do Ministério da Saúde devem servir de piso “mínimo” para 2021.
Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos e coordenador do movimento “Saúde Mais Dez”, Ronald Ferreira dos Santos considera que a pandemia trouxe uma oportunidade para que a sociedade discuta amplamente um necessário refinanciamento do SUS. “É fundamental garantir o financiamento para o próximo período”, observou Ronald, apontando para a proposta do Conselho Nacional de Saúde de criar uma petição de mobilização da sociedade para encerrar o teto de Gastos e retomar os investimentos em saúde.
Coordenação
Para a presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo, o controle da pandemia depende de uma ampla coordenação entre as instâncias formuladores de políticas públicas e a população. “O sucesso dessa implementação, em um contexto de tão grande complexidade, está na capacidade de mobilização da população”, afirmou Azevedo. “A efetividade depende de um planejamento eficaz, da gestão competente, de uma coordenação fina e sensível mas, sobretudo, de valorizarmos a democracia”, defendeu.
Entre as recomendações do Plano Nacional ao governo federal, estão a garantia do pleno e transparente funcionamento do Centro e Operações Emergenciais , como instância de coordenação nacional , incluindo a participação da comunidade cientifica e do controle social; a implantação de comitês consultivos de assessoramento em todas as esferas de governo; a proteção social das camadas mais vulneráveis da população, com medidas proteção ao trabalho, à renda e ao emprego, além do crédito aos pequenos, médios e micro empresários.
Ministério da Saúde
Já o Ministério da Saúde deve apresentar à sociedade um Plano Estratégico Nacional de Intervenção, elaborado com participação do Congresso, das comunidades científicas e das instâncias de controle social do SUS. Além disso, a pasta deve garantir “agilidade no repasse dos recursos disponíveis para estados e municípios devidamente pactuados na Comissão Intergestores Tripartite”.
Por fim, cabe às Secretarias de Saúde estaduais e municipais a formulação de planos de contingência “ajustados às respectivas realidades”. Ainda segundo o documento, as ações devem incluir medidas de distanciamento social, adoção de quarentenas, restrições de viagens domésticas e internacionais e o rastreamento de casos da doença e isolamento de pessoas contaminadas.
Mobilização
Para Francisca Valda da Silva, presidente da Associação Brasileira de Enfermagem, a falta de comando na pasta da Saúde agravou o quadro de crise sanitária. “Nós não temos um ministro da Saúde, um ministro dos brasileiros, do povo, dos trabalhadores, [o ministro interino Eduardo Pazuello] não faz o seu trabalho”.
Segundo da Silva, o Plano Nacional é mais do que um conjunto de medidas de combate à pandemia, mas constitui-se em um instrumento democrático. “Ele se coloca como um dever, um espaço de mobilização social, de debates, de envolvimento das forças vivas da sociedade: gestores, comunidade científica, estudantes e usuários do SUS”.
Veto presidencial
Alexandre Padilha também rechaçou o veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei (PL 1826/20), de autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) – do qual também é coautor -, que estabelece pagamento, pela União, de compensação financeira de R$ 50 mil a profissionais de saúde incapacitados permanentemente ao trabalho após contaminação por Covid-19. A indenização se aplica também no caso de morte.
“Na caneta do presidente Bolsonaro hoje veio um tapa no rosto de cada trabalhador de saúde”, criticou Padilha. “Em nenhum momento, os argumentos do veto foram apresentados durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional, o que é uma postura covarde”.
Padilha lembrou que não é a primeira vez que Bolsonaro abre o saco de maldades do governo: “ele já vetou projeto de Lei de proteção aos povos indígenas, de obrigação do uso de máscaras… ou seja, reafirma a postura genocida de um presidente que acredita que a população tem que ser infectada o mais rápido possível”, condenou. “Além da postura genocida, é uma postura de profundo desprezo ao esforço dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde que estão se expondo nesse momento”.
Além dos citados, participaram da a audiência pública Naomar de Almeida Filho, vice-presidente da Abrasco, Sergio Cimerman, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Manoel Barral Netto, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia e Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
Da Redação