Anos 2014 e 2015. A região metropolitana de São Paulo, megalópole do país, sofre uma grave crise hídrica de abastecimento diante de um prolongado período sem chuvas. Quatro anos depois, já em 2019, a Agência Nacional de Águas (ANA) mostra que a seca não é uma exclusividade paulista. Estiagens cada vez maiores também fazem aumentar o risco de desabastecimento em estados do Nordeste.
Mas enquanto uma forte redução das chuvas se impõe para uns, outras partes das regiões Sul e Centro-Oeste presenciam o contrário: ali a anormalidade também ocorre, mas a quantidade de chuva aumenta consideravelmente. E, em meio a essa diferente circulação atmosférica, nem mesmo o bioma da Amazônia escapa, vendo aumentar a frequência de eventos climáticos extremos.
Frio, calor, chuva, seca, por mais que se tente refutar, todos esses fenômenos vêm sendo intensificados proporcionalmente, sobretudo, ao aquecimento global.
“Você observa mudanças climáticas em todas as regiões do país, quer dizer, não é preciso ser cientista para obviamente perceber que o clima no Brasil está mudando, e parte disso, é causada pelas mudanças climáticas”, observa o cientista Paulo Artaxo, doutor em física atmosférica pela Universidade de São Paulo (USP).
Modelo insustentável
O alerta quanto ao efeitos do aquecimento global também foi dado em relatório, divulgado nesta quinta-feira (8), do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), mas com uma novidade: a depender do uso que se faz do solo para a produção de alimentos, também se agrava o quadro de mudanças climáticas. Em síntese, práticas como a pecuária extensiva e a agricultura comercial mostram-se como modelos insustentáveis para o planeta.
O relatório dá conta de um cenário global, mas ao fazer recomendações científicas e defender um modelo sustentável em oposição à agropecuária usual, ele se torna “absolutamente estratégico e crítico para o Brasil”, como avalia Artaxo.
Membro da equipe do IPCC, o professor da USP destaca ao tratar das emissões da queima de combustíveis fósseis e do cuidado aos ecossistemas terrestres, o combate à desertificação, ao desmatamento de florestas tropicais, além do esforço para o reflorestamento, todas essas recomendações se distanciam do entendimento que vem sendo dado pelo governo Bolsonaro para conduzir a política ambiental.
Agrotóxicos
Ao contrário, o presidente não só estimula a liberação de agrotóxicos, ou a exploração de minérios, inclusive em terras indígenas, como defende o modelo de produção do agronegócio, baseado na pecuária extensiva, em que grandes áreas verdes são desmatadas para criação de gados que, por sua vez, são responsáveis ainda pela emissão de metano, um dos gases mais problemáticos para o efeito estufa.
“O governo está tendo uma ação que não é favorável à preservação do meio ambiente, está trazendo prejuízos muito significativos, comprometendo a sustentabilidade ambiental do Brasil, o que pode ter repercussões importantes na sustentabilidade da economia a médio e longo prazo”, afirma Artaxo.
Mesmo durante o lançamento do relatório, de acordo com o jornal Estadão, o cientista alemão Hans-Otto Portner, do grupo de trabalho do IPCC, cutucou o governo Bolsonaro afirmando que as mudanças na gestão da Amazônia “contradizem todas as mensagens apresentadas no relatório”.
Entre 1990 e 2005, um relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) mostrou que a demanda por pastos para cultivo de gado causou 80% do desflorestamento do Brasil. Até agora, a Amazônia já perdeu cerca de 20% da cobertura original, que vê de imediato um avanço do desmatamento diante do governo Bolsonaro.
“Toda a cadeia produtiva, associada ao agronegócio que está baseado em áreas que foram desmatadas da região amazônica, evidentemente, está tendo impacto nas mudanças climáticas, o que é muito preocupante. Isso está ocorrendo para algumas atividades agropecuárias, em particular, por exemplo, a criação de gado em Rondônia, em áreas recentemente desmatadas”, afirma o cientista do IPCC.
Estudioso da Amazônia desde 1984, Artaxo dá como urgente a estruturação de políticas públicas para reduzir o desmatamento. Do contrário, a população precisará se adaptar à frequência de eventos cada vez mais extremos. “É isso que a comunidade científica brasileira está colocando de uma maneira muito clara e forte para o governo brasileiro”. Apesar dos anseios da classe, procurado, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu, até o fechamento desta matéria, a posição do governo diante das recomendações do órgão.