O racismo ambiental e os desafios para a construção e transformação do Brasil foi o tema do quarto encontro do ciclo de debates do Partido dos Trabalhadores (PT) sobre a crise socioambiental no Brasil e no mundo. O debate virtual e os encontros acontecem todas as quintas-feiras, às 19h, até o mês de junho.
No debate desta quinta, 13, o secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT (SMAD), Nilto Tatto, falou sobre a importância da realização dessa atividade realizada em parceria com a Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT e a Secretaria Nacional de Mulheres do PT.
O Projeto de Lei 3729/04, que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental no país foi um dos temas destacados por Nilto. Para ele, a nova Lei pode intensificar o racismo ambiental. O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados nesta quinta, 13.
“A Lei é o principal instrumento da política ambiental do Brasil e é necessária porque regulamenta a Constituição. Todo empreendimento precisa de licenciamento para avaliar impactos e riscos, a partir do interesse da comunidade se aquele empreendimento pode ser instalado naquele local com todos os seus efeitos. O que foi aprovado vai aumentar o racismo ambiental, ressalta”.
Destruição ambiental
Para Nilto, o PL isenta qualquer procedimento de análise de impacto ambiental. Ele cita o exemplo da instalação de uma estação de tratamento de resíduos sólidos em uma comunidade de população negra.
“Depois de 350 anos que o povo negro foi arrastado da África, e depois de 14 de maio, não foram incorporados no processo de construção do país. Eles foram abandonados e, de lá para cá, eles ficaram à margem. Por isso, uma das grandes cicatrizes é a igualdade histórica que é machista e que também carrega o componente racial. Qual a maioria do povo que está no campo e nas periferias? O povo preto”, questiona o deputado.
E continua: “Quando se instala uma usina dessas não se instala em um bairro de classe média alta com a maioria branca. A usina é instalada próxima a uma comunidade. Ou, quando vai ter um empreendimento que afeta território quilombola, não vai mais ser necessário consultar a comunidade que não está intitulada. Portanto, 87% dos quilombos, seja para hidrelétrica ou barragem”.
Com a lei, emenda o deputado Nilto Tatto, “pelo menos 70% das terras indígenas não precisarão mais de avaliação de impacto. Até mesmo pelo saneamento básico, se precisar passar dentro de um bairro pobre, periférico, não haverá mais avaliações se aquele tubo pode romper e gerar impacto na comunidade. Isso vai gerar mais desmatamento e conflito no campo. E a maioria das pessoas negras vive nas periferias das cidades”, explica o secretário Nacional de Meio Ambiente do PT”.
Outro ponto destacado por Nilto é a bancada ruralista do desgoverno Bolsonaro, que possui um projeto político de destruição social e ambiental. “ Pela primeira vez na história, o Ministério do Meio Ambiente é anti-ambiental. O ministro Ricardo Salles coloca em risco a condição de construção do futuro do país, sendo que a riqueza da biodiversidade e da diversidade étnica é a grande riqueza do Brasil, e é com ela que precisamos construir nosso projeto de futuro”.
Transição Ecológica e o racismo
A importância do Plano Plurianual Ambiental (PPA) como eixo estruturante para a transição ecológico foi um dos assuntos destacados no debate pelo secretário Nacional de Combate ao Racismo do PT, Martvs Chagas. “Precisamos aprofundar mais e mais nesses temas, e as administrações do PT têm a responsabilidade de fazer isso. Temos ainda o racismo ambiental, que faz parte do racismo estrutural e permeia todas as relações do Brasil”.
Martvs também falou sobre a exclusão das pessoas negras ao saneamento básico, a ruas pavimentadas e sobre a dimensão das cidades que escondem um planejamento conceituado de um país escravocrata.
“Uma das nuances é o racismo ambiental. Uma cidade planejada de modo a excluir uma população, seja porque o ônibus não chega a determinados locais onde estão as áreas de lazer, os aparatos públicos, ou porque a população é renegada. No ponto de vista rural, também há. Não só em função das comunidades quilombolas, mas dos grileiros, da não distribuição de terras, de que a maioria da população é empregada, não tem terra. Mesmo em grandes movimentos da esquerda brasileira não se vê esses negros e negras em posição de destaques nesse movimento da luta pela terra. O racismo ambiental retira as pessoas de seus lugares, e por último, o racismo ambiental na nuance cultural, como a soma das relações sociais que produzem a nação”, lamenta.
A vereadora do PT de Salvador, Marta Rodrigues, comentou sobre a necessidade de conhecimento do racismo ambiental para combate-lo de forma nítida, em uma linguagem acessível. Disse ainda que há dificuldades em entender como o meio ambiente está integrado em nossas vidas.
Luta dos atingidos
A luta dos atingidos pela construção e rompimentos de barragens, como em Brumadinho (MG), foi um dos temas apontados pela bióloga Camila Pontes, que também integra a coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
“A força do capital do setor energético chega nesses territórios controlando não somente a terra, mas toda a cultura daquele povo, a política, a economia, e ainda explora a região e as pessoas. É um movimento muito cruel desse setor hidrelétrico no Brasil. Temos uma lista de 16 direitos humanos violados nas construções de barragens, e se fizermos o recorte de raça fica ainda mais sério. Um exemplo é o nosso direito de acesso à informação, que é pior para o povo negro e indígena. As pessoas brancas e mais ricas conseguem até uma indenização melhor. E onde a barragem foi construída, há pessoas que não têm acesso à energia”, ressalta Camila.
O crime ambiental na bacia do Rio Doce e de Brumadinho (MG) foram relembrados por Camila Pontes durante o debate. “Nessas áreas de mineração, tem remanescente quilombola, 80% de Mariana é de pessoas negras, e foi ali que construíram uma barragem que sabiam que romperia. Foi um crime. O racismo ambiental saiu de um contexto de contaminação, de toxicidade. São impactos profundos na água, no solo e pessoas contaminadas”.
Povos indígenas
O presidente da Presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), Marivelton Baré, falou sobre a extinção e aniquilação no Brasil. Disse ainda que o país precisa ser reconstruído, ter uma reforma administrativa e política, além de voltar na promoção dos direitos humanos.
“Só na pauta dos direitos indígenas, há vários processos parados, como as demarcações de territórios. Nosso órgão indigenista é uma fundação de perseguição ao índio. Temos de gritar. Eles devem nos respeitar. Não sou eu quem diz, é a realidade do país. Todos nós sofremos com cada assassinado. A proteção humana está deteriorada e as instituições de fiscalização e proteção protegem os que violam, incentivam a grilagem, e na legislação ambiental temos o exemplo da Amazônia”.
Retrocesso ambiental
“Nós, quilombolas, precisamos resistir para existir. E nesse 13 de maio, vendo o retrocesso da lei ambiental, é simbólico. Para termos um país economicamente viável, precisamos cumprir algumas regras, que nós, povos da floresta, conhecemos bem. O capital não se importa com a sobrevivência dos territórios e dos povos”, reforça a quilombola e agricultora familiar, Nilce de Pontes Pereira.
Representando a Coordenação Nacional dos Quilombos do Estado de São Paulo, Nilce comentou sobre a falta das pesquisas ambientais e dos projetos de desenvolvimento a partir da ótica das comunidades. “Para nós que construímos protocolos de consulta, não conseguimos viabilizar a participação das pessoas e, mesmo assim, o capitalismo degrada os territórios. Não temos abertura para contrapor. As notícias falsas distorcem as realidades das comunidades, buscam recursos dizendo que vão preservar, mas o que fica é que somos um povo sem palavra. Como disseram nossos ancestrais aqui, a gente honra nossos bigodes. Não estamos conseguindo nos fazer respeitar nesses espaços públicos. O racismo estrutural existe, está posto, tem cara, tem cor e quem sofre com ele está identificado nas páginas dos jornais, sendo vítimas, mas acusados de sermos nós que nos vitimizamos”.
Nilce reforça que educação, saúde, meio ambiente e infraestrutura são os elementos mais importantes para os povos quilombolas. “Nós sabemos sobreviver na floresta, não sabemos na cidade. Então, cada vez mais esse racismo dizima nosso povo. Como se aplica em nossos territórios? Liberando para construir barragens, privatizar parques e liberando polos imobiliários em nossos territórios, nos impedindo de produção agrícola tradicional. A abolição não acabou até hoje”.
Givânia Silva, quilombola de Conceição das Crioulas, em Pernambuco, também falou sobre o racismo estrutural e sobre a Fundação Nacional do Índio (Funai), “transformada em um quartel de militares racistas. Vemos o crescimento em 80% na morte de quilombolas. Pensam que racismo ambiental é cair todo o cerrado, a Amazônia, mas não é. São nossos pedaços que caem”.
Ciclo de debates
O ciclo de debates é organizado pelo Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Meio Ambiente (NAPP), da Fundação Perseu Abramo (FPA), e pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT.
Os próximos debates terão como temas os direitos dos animais, SISNAMA, Amazônia, entre outros. Participe deste importante Ciclo de Debates, todas as quintas-feiras, às 19h, na TVPT.
Da Redação