Da graduação à docência, a baixa representatividade de mulheres negras é escancarada nos ambientes acadêmicos. Apesar de constituírem aproximadamente 25% da população brasileira, a representação em espaços como as universidades ainda está muito distante de refletir essa realidade.
Os dados do último Censo do Ensino Superior, referentes a 2016, divulgados no ano passado pelo Inep (Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) apontam que os obstáculos postos para ascensão de mulheres negras na educação extrapolam os percalços enfrentados pelas brancas.
Na docência de pós-graduação, por exemplo, as mulheres negras são apenas 3% entre os mais de 53 mil professores dos cursos de mestrado, doutorado e especialização no Brasil. Os homens brancos fazem parte do grupo com maior representatividade (24%), seguidos pelas mulheres autodeclaradas da mesma cor (19%).
As mulheres negras também são as menos contempladas pelas bolsas de pesquisa, logo, dispõem de apoio reduzido para o desenvolvimento de trabalhos científicos, indispensáveis à obtenção de títulos de mestrado e doutorado, que são requisitos necessários ao exercício da docência no ensino superior, especialmente nas universidades públicas.
As estatísticas descortinam um cenário de racismo institucional já conhecido, ao qual as pessoas negras estão submetidas desde os anos iniciais de suas vidas, intensificado quando se faz o recorte de gênero.
Doutora e coordenadora do curso de pós-graduação em História na Universidade Federal da Paraíba, Solange Pereira da Rocha é uma dessas mulheres inseridas nessa fatia de 3% de professoras negras de pós-graduação. Ela conta que precisou desafiar o racismo que permeia a sociedade para ocupar um espaço historicamente negado.
“Desde os meus primeiros anos escolares, tive de enfrentar esse racismo. Conforme fui estudando, identifiquei que havia uma diminuição das pessoas negras na sala de aula. Felizmente, tive apoio institucional e de pessoas que estavam ao meu redor, o que me permitiu obter êxito no mundo trabalho”, relata a professora.
A professora ressalta que as políticas públicas implementadas pelos governos Lula e Dilma Rousseff, como o Prouni (Programa Universidade Para Todos) e Fies Programa de Financiamento Estudantil), além de políticas afirmativas, como a reserva de cotas sociais e raciais, contribuíram para o avanço da democratização do acesso ao ensino superior, mas destaca que o incentivo à permanência estudantil ainda é um desafio a ser enfrentado.
“São necessárias políticas específicas, e as administrações das universidades ainda estão operando na lógica de políticas universalistas. Há uma outra demanda na universidade hoje que não está sendo atendida, e assim nós vamos ter a evasão”, avalia Solange.
Entre as pessoas de 25 a 44 anos de idade, o percentual de mulheres brancas com ensino superior completo (23,5%) é 2,3 vezes maior do que o de mulheres negras (10,4%). Os dados fazem parte da pesquisa “Estatísticas de Gênero”, divulgada em março deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A permanência na universidade foi uma barreira enfrentada pela estudante de jornalismo Thalyta Martins. A condição financeira da família, chefiada pela mãe, era a principal dificuldade diante da mensalidade de mais de R$ 1.300, valor que pagava em 2014, quando iniciou o curso em uma instituição da rede privada. A possibilidade avançar na graduação veio com uma bolsa do Prouni, que permitiu à Thalyta dar continuidade aos estudos.
“É preciso força para continuar e muito enfrentamento para provar que eu posso, que ali também é o meu lugar. O Prouni garantiu a minha permanência nesse espaço e deu esperança para um futuro mais confortável para mim e minha família. Hoje, a mensalidade é de mais de R$ 1.800, por isso sou grata por ter conseguido estudar e continuar ocupando esse espaço”, conta Thalyta.
Para a professora Solange Rocha, o caminho para que as desigualdades existentes na sociedade sejam reduzidas, inclusive no ambiente acadêmico, passa pela educação. Por isso, segundo ela, a representatividade se faz tão necessária.
“Em uma sociedade capitalista, eu entendo que a forma de minimizar as desigualdades passa pela educação. Precisamos transformar essas políticas públicas, implementadas pelos governos petistas, em políticas de estado, para que possamos aumentar, cada vez mais, a participação das mulheres negras nesses espaços”, completa.
Em um contexto de retirada de direitos e retrocessos provocados pelo governo usurpador de Michel Temer, a coordenadora de Movimentos Sociais da UNE (União Nacional dos Estudantes), Taíres Santos, reforça que as mobilizações são ainda mais importantes e necessárias para a garantia de políticas que fortaleçam a representação de mulheres nesses ambientes.
“É fundamental que as mulheres estejam inseridas nesses movimentos e sejam protagonistas na construção de políticas efetivas que mudem a nossa realidade dentro e fora da universidade”, defende Taíres.
Julho: Mês da mulher negra latino-americana e caribenha
O dia 25 de julho marca o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data teve origem durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas realizado em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992.
Ao longo dos anos, a data vem se consolidando no calendário de luta do movimento negro e tem resgatado a luta e a resistência das mulheres negras, bem como cumprido o papel de denunciar as consequências da dupla opressão que sofrem, com o racismo e o machismo.
No Brasil, a Lei nº 12.987/2014, foi sancionado pela presidenta eleita, Dilma Rousseff, como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi uma líder quilombola, viveu durante o século 18. Com a morte do companheiro, Tereza se tornou a rainha do quilombo, e, sob sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770, quando o quilombo foi destruído pelas forças de Luiz Pinto de Souza Coutinho.
Por Geisa Marques, da Comunicação Elas por Elas