A Polícia Federal foi certeira ao fazer a busca e apreensão, na quarta-feira, 9 de setembro, nos escritórios dos advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira, autorizada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara da Justiça Federal do Rio, a pedido da Lava Jato. Nada menos do que a cópia dos áudios ilegais, grampeados de forma abusiva e inconstitucional pelo ex-juiz Sérgio Moro, foram levados pelos agentes federais. Um disco rígido com as gravações é a única prova desse abuso de Moro.
Nos áudios, há conversas entre advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também de Zanin com o próprio Lula. “Dá para imaginar por que a Lava Jato invadiu nosso escritório e pegou nosso material?”, questiona Cristiano Zanin, que denunciou a manobra de Bretas, cujo objetivo ao determinar a busca e apreensão no escritório e na casa era claramente intimidar o advogado.
Nada menos do que 23 dias e 14 horas de gravações, entre fevereiro e março de 2016, que estavam armazenadas num disco rígido de computador, estão agora em poder da PF. Uma das conversas grampeadas ilegalmente e recapturadas pela PF, inclusive, ocorreu em 16 de março daquele ano, quando Lula foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil pela então presidenta Dilma Rousseff. O áudio foi vazado de maneira ilegal e abusiva para a Rede Globo de Televisão naquele mesmo dia, abrindo espaço para a comoção nacional que levou em seguida ao impeachment fraudulento da ex-presidente. Nas redes sociais, Lula ironizou: “É uma das coincidências da vida”.
Em março de 2018, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou a destruição dos áudios, mas ao escritório de advocacia foi permitida a permanência de uma cópia. É esse material que foi recolhido por determinação de Bretas.
No ano passado, o site The Intercept Brasil revelou que Moro combinou na época com o procurador Deltan Dallagnol o vazamento do áudio. Em seguida, Moro recebeu forte reprimenda do então relator da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki, que faleceu em 2018. O então juiz federal alegou, à época, que se tratava de um “equívoco” e apresentou seu “pedido de escusas”, uma praxe que manteve depois que assumiu o Ministério da Justiça, a convite de Jair Bolsonaro, depois de condenar Lula e levá-lo à prisão em 2018, abrindo caminho para a eleição do ex-capitão do Exército. Parlamentares petistas e democratas denunciaram, na época do impeachment, que Moro deveria ter sido preso, ao grampear e vazar para a mídia uma conversa da presidente da República.
Em junho do ano passado, ao prestar depoimento no Senado, o então ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse que o grampo nos diálogos telefônicos entre Dilma Rousseff e Lula, tinham autorização. Mentira. As gravações foram feitas após o próprio Moro pedir a interrupção dos grampos, ou seja, fora do período permitido. A suspensão da captação do áudio do telefone de Lula, em que ele conversou com Dilma, foi determinada às 11h12 do 16 de março de 2016. O diálogo foi gravado às 13h32.
Um delegado comunicou o conteúdo a Moro às 15h34, mas mesmo assim Moro levantou o sigilo às 16h21 do mesmo dia. Na época, Moro até pediu desculpas ao STF, dizendo que a divulgação não teve motivação político-partidária e que “não havia reparado antes no ponto”, mas que não via relevância naquilo.
O escândalo que se seguiu ao vazamento do áudio para a Globo chegou a levar manifestantes à frente do Palácio do Planalto, na tentativa de intimidar Dilma. Lula tomou posse no dia seguinte, mas o clima para o impeachment estava armado pela traição de Michel Temer e o complô revelado por Romero Jucá na fatídica conversa com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, tornada pública em maio daquele, em que sugere um “grande acordo nacional com o Supremo e com tudo”.
Abuso
Um grupo de advogados vai pedir ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o afastamento de Marcelo Bretas. A mobilização começou ainda na quarta-feira, após a deflagração da Operação E$quema S, que investiga supostos desvios do Sistema S feitos por escritórios de advocacia. Bretas é o juiz responsável pelas decisões da Lava Jato do Rio.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acusou a operação de representar “mais uma clara iniciativa de criminalização da advocacia brasileira”. A nota é assinada pela Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia e pela Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas da OAB. O conselho da OAB anunciou que vai apontar “todas as violações aos direitos e prerrogativas da advocacia” e que tomará medidas administrativas e judiciais de natureza civil e penal “contra os que se lançam e insistem em criminalizar a advocacia brasileira”.
A PF cumpriu 50 mandados de busca e apreensão, sendo alguns deles em escritórios de advocacia do Rio e de São Paulo. Entre os alvos estavam Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, advogados de Lula. Em nota divulgada ainda na quarta-feira, o grupo Prerrogativas, formado por diversos juristas, condenou a operação policial. “A tentativa de criminalização da advocacia, a partir de delação premiada de um dos investigados, revela, mais uma vez, o caráter autoritário e ilegal que marca a atuação do sistema de justiça brasileiro nos últimos anos”, lamenta o grupo, na nota.
Da Redação