Quando o PT foi fundado, em 1980, Raul Pont já contava com uma larga trajetória política. Nas décadas de 60 e 70, Raul passou pelo Partido Comunista Brasileiro, pelo Partido Operário Comunista e foi preso político durante a ditadura. Na época do surgimento do partido, Raul era professor universitário e, além de militar no sindicato, estava dedicado ao jornal Em Tempo, que defendia a retomada da bandeira do socialismo e da organização dos trabalhadores.
A luta era pela formação de um partido dos trabalhadores, socialista, mas que não repetisse a experiência burocrática dos países comunistas, como a União Soviética e China.
“Quando o movimento pró-PT nasce puxado pelos movimentos sindicais de todo o Brasil, nós não tivemos nenhuma dúvida de que esse era o caminho, esse era o momento que nós esperávamos”, afirma. “Em outubro de 1979, já tínhamos feito em Porto Alegre, a organização da seção regional, com Olívio Dutra de presidente”, relembra.
A diretoria inicial já tinha participação democrática, e contava com uma presença expressiva de mulheres, conta. Na reunião do colégio Sion, que fundou o PT no início de 1980, o Rio Grande do Sul compareceu com uma das maiores delegações, com cerca de 40 municípios com comissões provisórias iniciando o processo de organização do PT.
“Fui eleito para a primeira direção do partido e estou no diretório desde a fundação”, comenta. “Me sinto muito orgulhoso por isso e por ter tido o apoio sempre dos companheiros do RS para cumprir essa tarefa”.
Fundação no Sion
Para Pont, a reunião no colégio Sion foi extremamente emocionante, especialmente para quem já tinha passado por uma organização partidária, pela clandestinidade, pela prisão política.
“Não estava só a nossa geração, mas toda uma continuidade de lutas que a esquerda democrática socialista tinha atravessado desde os anos 1930: Mario Pedrosa, Sergio Buarque de Holanda, Antônio Candido”, disse. Para Pont, a união dessas figuras com lideranças sindicais importantes, mostravam que o PT já era no nascimento uma experiencia exitosa. “Só pelo fato de que tínhamos reunido movimentos da esquerda da clandestinidade do movimento sindical, isso já dava um sentido e uma pluralidade do PT que era onde residia sua maior força”, explica.
Proposta nova
Apesar da origem muito heterogênea, essa pluralidade teve que aprender a coexistir, explica Raul. “Esse era o maior desafio do PT naquele momento inicial. Como construir um partido de esquerda com aquela heterogeneidade de formação”. E ao mesmo tempo, na contramão do que era a esquerda até então, com partidos verticalizados, monolíticos, com direções todo-poderosas.
“Era uma proposta nova. E de certa forma nós inauguramos experiencias que são inéditas para muita esquerda do mundo”, conta. “Hoje, a esquerda europeia com os novos movimentos sociais organizados em rede como o Podemos da Espanha estão vivendo os problemas que nós resolvemos com a democracia interna, com o direito de tendência, com o partido que construímos lá naquele momento”, explica.
Foi um ineditismo, afirma, porque anos depois, outros partidos de esquerda continuam com dificuldade de incorporar opiniões diversas, e de terem a nefasta prática de rupturas e rachas.
Crescimento inicial
Segundo Pont, o momento histórico era muito favorável. “Vivíamos uma ditadura desmanchando, que não conseguia mais manter o seu poder, mas ainda tinha a força militar, força policial, e muitas conquistas democráticas eram necessárias”, explica. “O PT representava muito o novo e o longo período da ditadura liquidou não só a esquerda, mas também o centro e a direita”.
“A direita ficou encastelada em partidos muito pequenos com pouca capacidade de penetração popular. Eram partidos muito artificiais. O PT surgiu com muita facilidade, tinha abertura”, relembra. Em pouco tempo, o partido havia se tornado grande.
O crescimento se dava aos saltos, recorda ele. “Em 1986, elegemos 15 deputados. Em 1990, quando fui eleito, passou para 35. Eram pulos geométricos, isso em período do apogeu do pensamento neoliberal, e nós na contramão disso, crescemos”, comenta.
“Porque o PT significava o novo. Um partido de esquerda, socialismo e democrático, mas que não queria retomar as experiências trágicas que o socialismo havia vivido na União Soviética e no Leste Europeu ou na China. Isso fez o PT crescer”, conta.
Primeiro Congresso
Para Pont, o 1º Congresso Nacional do PT em 1991 foi um balanço da década e uma perspectiva de futuro a partir das experiências já realizadas. “Manteve o compromisso programático de se manter em um partido do campo socialista e foi um momento de ratificação de consolidar os 30% de representação para mulheres nas direções partidárias”, afirma.
Também foi um momento de consolidação da democracia interna com representação proporcional também nas executivas. “O PT já tinha isso nos diretórios, mas não nas executivas. A maioria tinha o controle das executivas, sem o direito de uma proporcionalidade qualificada das várias correntes que compunham o PT”, explica.
Também foi o momento em que o PT se consolidou muito com o Foro de São Paulo e outras iniciativas para socializar as experiencias exitosas com a América Latina. “O PT já tinha tido vitorias eleitorais e experiencias administrativas importantes”, comenta.
Porto Alegre e o Orçamento Participativo
Gaúcho, Raul Pont acompanhou de perto a implantação da administração petista em Porto Alegre, com a vitória de Olívio Dutra em 1988. Pont conta ter sido uma experiência muito desafiadora, porque não havia exemplo parecido no que havia sido executado por outros partidos.
Em seu programa de governo, havia a ideia de governar por meio de conselhos populares. “Mas o movimento era experimental. Como a gente governa com conselhos populares? Era uma interrogação”, relembra.
Foi a partir dessa ideia que foi implementado o Orçamento Participativo. A partir de uma divisão regional da cidade, as pessoas puderam deliberar para onde iria o dinheiro público.
“Foi um rastilho de pólvora, porque quando as primeiras obras apareceram, a confiança e credibilidade da proposta aumentou rapidamente”, diz. “A cidade foi dividida em 16 regiões, decidido junto a própria comunidade, o Orçamento passou a ser todo ele debatido, discutido com essas comunidades, de forma organizada, em dois processos anuais de encontros, massivos”, explica.
A experiência foi expandida na administração de Tarso Genro, da qual Raul foi vice-prefeito, e quando foram implementadas as audiências temáticas. “As camadas médias não iam nas reuniões porque achavam que o Orçamento Participativo era para reinvindicação de quem queria água e esgoto e saneamento e que seus bairros já estavam atendidos. E nós começamos a mostrar que não, que tinha a ver com educação publica, e seu conteúdo, com a estrutura de saúde”, explica.
Quando Raul deixou a prefeitura, em 2001, o OP contava com a participação de 30 mil pessoas nas plenárias.
“Experiencias como essa foram riquíssimas, não perderam seu sentido e seu valor, mas foram sendo abandonadas, hoje a maioria dos governos municipais do PT abandonaram”, lamenta. “E ela não é uma experiencia nem velha nem superada, democracia não fica velha. Soberania popular direta permanente é o que há de mais moderno, é o que as comunidades europeias pedem contra partidos fossilizados”,
Governo federal
“Nunca estamos preparados suficiente, muito se aprender na própria marcha, no próprio fazer”, afirma ele, sobre a vitória da Presidência da Repúlica em 2002. “O PT assume precocemente. Não tínhamos uma estrutura partidária nos municípios e estados que nos dessem fôlego e experiência acumulada para assumir a Presidencia, mas ganhamos democraticamente e tínhamos que leva-la adiante”, comenta.
Para ele, o balanço é sem dúvida positivo, com o enfrentamento do problema de exclusão social do país. “Mas pagamos o preço não só de erros cometidos mas também de uma falta de estratégia e visão política mais elaborada, que enfim a gente só pode testar e saber depois que acontece”, diz.
Ele afirma que na época, foi contra a política de alianças para garantir maioria parlamentar. “Achávamos que isso desfiguraria muito o projeto e dificultaria levar a cabo um projeto mais radical e de maior ruptura com a institucionalidade conservadora. Mas a gente optou por esse caminho”, relembra.
“Nós vencemos a eleição sozinhos, com partidos socialistas e comunistas, mas levamos o PMDB para o governo, e isso dificultou a implantação de um projeto”, afirma. Para ele, faltou instituir uma maior participação popular. Em Porto Alegre, por exemplo, ele governou sem maioria na Câmara Municipal, mas lastreado pelo apoio popular e dos movimentos sociais.
“Nosso maior erro foi ter abandonado canais de decisão popular direta. Iria formar conflitos com parlamento, claro que iria. Mas numa sociedade como a nossa não dá para trabalhar pela inclusão social e diminuição da desigualdade sem ter conflito, sem ter contradição, não existe isso”, critica. “Hoje está provado que o caminho do desastre é a aliança com os setores comprometidos com o capitalismo, subordinados à burguesia, e manutenção de regras e leis eleitorais que são montadas para destruir qualquer partido de esquerda”, explica.
6º Congresso
Esses erros cometidos pelo PT devem ser revisados com profundidade no 6º Congresso, afirma Raul. “Se não demarcarmos claramente qual a reforma política que o Brasil precisa, a necessidade de um outro campo de alianças, de uma outra relação com a sociedade organizada, nós só iremos acumular esforços para uma nova derrota”, diz.
“Temos que estar juntos dos sindicatos dos trabalhadores e do povo em geral lutando contra a precarização do trabalho que está em curso, a votação agora da terceirização é um retrocesso brutal e secular, vamos recuar ao século 19”, explica.
Para ele, o Congresso é necessário para que o partido volte a ter nitidez ideológica, programática. “Sem isso não há partido político. A nitidez que nos permite ter relação com movimento social e sindical. Nós temos que ter lado”, conclui.
“O PT nasceu para ser esse partido. Trabalhador vota em trabalhador. Eles serão responsáveis pela sua emancipação. E nenhum desses textos básicos foi revogado”, aponta.
“Nós batemos no limiar, a população ainda pode nos dar uma chance se sairmos do 6º congresso com capacidade de luta e enfrentamento”, afirma. Segundo ele, não há conciliação possível com a direita e o capitalismo brasileiro. “Não precisa de mais provas, todo o século XX tá aí, os golpes de 54, de 64, de 61, agora mais um em Dilma. São golpes anti-democraticos que não respseitam a soberania popular”, explica.
Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias