A experiência do PT é única no Brasil, diz Misa Boito

Na série com personalidades históricas, a paulista relembra as lutas dentro e fora do PT e espera que, no 6º Congresso, a legenda retome suas origens

Arquivo pessoal
6º Congresso Nacional do PT

ncontro estadual do PT SP, em 1999, preparatório ao 2º Congresso, defendendo o Fora FHC

“É do Lula? Então me filio”. A frase não foi dita por uma, mas por várias pessoas da periferia de São Paulo (SP) quando Misa Boito, grávida, ajudou em uma campanha de filiação ao recém-criado Partido dos Trabalhadores no início da década de 1980.

Liderança histórica do partido, Boito lembra que, durante essas andanças pelo fortalecimento do partido, percebeu a força e o carisma que Luiz Inácio Lula da Silva tinha junto à classe trabalhadora brasileira, não apenas do ABC Paulista.

“Eu batia palma na casa dos trabalhadores com aquela ficha complicada de preencher. E o povo lá, fazendo almoço, ouvindo música, descansando. A gente explicava longamente sobre o processo de filiação. Mas eles só se animavam quando descobriam que tinha a ver com o Lula, e aí assinavam. Olha que naquele tempo não tinha Facebook ou Whatsapp. A identidade do Lula com os trabalhadores sempre foi algo impressionante”, conta.

A experiência do PT é única no Brasil. Não houve, do ponto de visto político, conquista histórica mais importante para a classe trabalhadora do que a construção do PT”

Nascida e criada em Pirassununga, no interior de São Paulo (hoje uma cidade com 70 mil habitantes), Boito iniciou sua militância política aos 17 anos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no curso de ciências sociais. Desistiu da pós em antropologia para continuar a militância.

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Participou de greves, fez reuniões, organizou protestos. Nunca foi presa ou torturada, mesmo nos tempos sombrios da ditadura, porém se lembra de ter perdido oportunidades profissionais por sua militância política.

Em 1974, durante uma grande greve da Unicamp, conheceu uma corrente política chamada Liberdade e Luta (Libelu). Daí, foi um pulo para entrar na Organização Socialista Internacionalista (OSI), de orientação trotskista, que viria a dar origem à corrente petista O Trabalho, da qual até hoje faz parte.

Jornal “O Trabalho”

A OSI lançou em 1º de maio de 1978 – portanto, antes da criação do PT – o jornal “O Trabalho”. O primeiro número anunciava as ideias do periódico:

“Jornal independente dos patrões, dos seus partidos, do seu estado, que para narrar e participar da história precisa de seu apoio solidário”. Era vendido a 1 cruzeiro. Para efeito de comparação, a “Folha de S. Paulo” custava 5 cruzeiros à época.

Hoje, Boito é editora do jornal, que nunca deixou de circular. “Nestes quase 40 anos permaneceu independente. Nunca aceitamos verba de publicidade ou financiamento. A renda é exclusiva da venda”.

Dentro da luta pelos trabalhadores, a militante conheceu Lula nas assembleias históricas da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo (SP). Naquele momento tomou contato mais próximo com a resistência dos operários do ABC e, pouco depois, ajudaria a fundar o Partido dos Trabalhadores.

De acordo com ela, a atuação d’O Trabalho dentro do PT sempre se norteou por um trecho do manifesto de filiação do partido:

“O Partido dos Trabalhadores nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política. Nasce, portanto, da vontade de emancipação das massas populares”, diz o manifesto apresentado no Colégio Sion em 10 de fevereiro de 1980.

“O que marca a atuação da corrente O Trabalho até hoje é sempre a independência do PT frente aos patrões e governos, frente a burguesia. Não era uma invenção nossa. Essa é a essência do manifesto de fundação do PT”, diz Boito.

Posições divergentes

Por se nortear por suas convicções, Boito travou intensas batalhas internas durante os anos de militância. Em 1994, por exemplo, quando foi oferecida a primeira doação de empresa ao PT, diz ter sido voto solitário contra aceitar a verba empresarial.

Também sempre se posicionou contra as alianças do PT com “partidos associados à burguesia nacional”, como o PMDB.

De acordo com Boito, o partido errou novamente no 1º Congresso Nacional do PT, em 1991, por não fechar questão na campanha do “fora, Collor”. Assim como em 1999 não encampar a campanha pela saída do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Debate em Osasco entre candidatos à presidente do PT Estadual de São Paulo, no 1º PED, em 2001

Mas também já esteve ao lado da maioria. Por exemplo, quando foi contrária à ida do PT ao Colégio Eleitoral, que elegeu, de forma indireta, Tancredo Neves após a redemocratização do País em 1985.

“Foi um salto imenso na vida do PT. Logo na sequência vieram as Diretas Já, fatos que impulsionaram o PT a se firmar como um partido de massa já em 1989 e a gente quase transformar Lula em presidente do País”.

Ela lembra com saudades da campanha eleitoral de 1989. “Foi ativa e militante, de fazer rifa, vender estrelinhas, promover festas nos bairros e artistas leiloarem suas obras para ajudar o partido”.

PT no poder

Boito tem uma certeza sobre todos os Congressos Nacionais do PT: “Nunca faltou polêmica”.

No 3º Congresso Nacional, por exemplo, já com Lula no poder, sua corrente levou à discussão a anulação do leilão da Vale do Rio Doce, empresa privatizada durante o governo FHC. Juridicamente, de acordo com ela, a presidência tinha condições de capitanear a anulação, que de fato foi aprovada no Congresso. “Mas nada foi feito”, lamenta.

Em 2010, no 4º Congresso Nacional, Boito participou de uma forte oposição em relação a Michel Temer sair como vice de Dilma Rousseff. Foi voto vencido.

Mas houve duas vitórias (ao menos no Congresso) nessa ocasião: a aprovação da redução da jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas, sem redução de salário, e de políticas mais eficientes e atuais em relação à reforma agrária. “Mas mr. Temer, que é campeão no combate às 40 horas e que também representa os interesses dos latifundiários, não aceitou. Os dois itens foram retirados do programa apesar de terem sido aprovados por unanimidade”.

No 5º Congresso, de 2005, participou da luta contra a prisão arbitrária de petistas. “Para nós, o PT tinha que ter o papel de desmascarar e desconstruir a história do Mensalão, que era um ataque ao nosso partido, e criar uma campanha pela liberdade dos companheiros presos”, explica. “A burguesia decidiu destruir o PT pelos meios jurídicos. O PT não reagiu. E o que aconteceu foi sair do Mensalão para entrar na Lava Jato”.

2ª etapa do 5º Congresso em Salvador, em junho de 2015, na defesa da proposta de fim do PED e volta do encontros
de base

No mesmo Congresso, seu grupo também reafirmou a necessidade de romper a aliança com o PMDB. Novamente, foi voto vencido.

6º Congresso Nacional

A corrente O Trabalho, antecipa Boito, vai apresentar no 6º Congresso Nacional uma linha de reconstrução do partido baseada em cinco pontos: Fora, Temer; Nenhum Direito a Menos; uma nova Constituinte; ruptura com qualquer conciliação; e o fim do PED (Processo de Eleição Direta do PT, o que, para ela, traz ao partido os mesmos vícios de instituições conservadoras).

“Eu espero que esse Congresso possa ser escrito a todas as mãos e que, no futuro, se conte a história de que o 6º Congresso abriu uma saída positiva para a crise do PT”, afirma.

Apesar de tantas batalhas e polêmicas, ela diz permanecer no PT por ser o partido capaz de transformar o Brasil como nenhum outro.

“O povo batalhador não troca de partido como quem troca de camisa. A experiência do PT é única no Brasil. Não houve, do ponto de visto político, conquista histórica mais importante para a classe trabalhadora do que a construção do PT”.

Por Bruno Hoffmann, para a Agência PT de Notícias

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