A reforma da Previdência defendida pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) exigirá mais sacrifício das mulheres do que dos homens. Ignorando a dupla jornada de trabalho imposta ao gênero feminino, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06/2019 fará com que a população brasileira se aposente mais tarde e contribua com a previdência por mais tempo.
Em comparação com as regras atuais, baseadas em princípios de solidariedade e universalidade, a exigência da idade mínima aumentará para as mulheres dos 60 para os 62 anos, se trabalharem na cidade. Para as mulheres do campo, haverá um aumento de cinco anos, ou seja, a idade mínima subirá de 55 para 60 anos.
Os homens permanecerão com as mesmas faixas etárias: 65 anos para o trabalhador da área urbana e 60 para o trabalhador rural. Caso Bolsonaro consiga aprovar a reforma às pressas, como tem defendido, o tempo mínimo de contribuição aumentará para ambos os sexos de 15 para 20 anos.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora Júlia Lenzi, doutoranda em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade de São Paulo (USP), avalia que a combinação da elevação da idade mínima com o aumento do tempo mínimo de contribuição é ainda mais perversa para as trabalhadoras.
“Equiparar as idades e as formas de aposentadoria, sem criar políticas públicas para poder aliviar o sobretrabalho das mulheres, é uma forma de agravar a desigualdade de gênero. A jornada de trabalho das mulheres é infinitamente maior do que as dos homens, porque mesmo quando inseridas no mercado de trabalho, tem que cuidar dos serviços de limpeza, cozinha, cuidado dos filhos, lavagem de roupa, em casa”, ressalta Lenzi.
A pesquisadora alega que as mulheres estão inseridas nos postos de trabalho mais precarizados, com rentabilidade mais baixa, e por isso possuem mais dificuldade de se aposentar por tempo de contribuição.
“Pode parecer pouco cinco anos, mas quando se avalia as regras gerais do mercado de trabalho, isso fica bastante grave. As mulheres recebem 30% a menos que os homens. Quando colocamos o componente racial dentro do contingente de mulheres trabalhadoras, fica ainda mais acintosa a diferença. Mulheres brancas recebem cerca de 70% a mais do que mulheres negras”, complementa.
Números da desigualdade
Nota técnica divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no último 8 de março, endossa a opinião da pesquisadora. Baseado em informações da Pnad Contínua do 4º trimestre de 2018, o documento de abrangência nacional apresenta dados que mostram, sob qualquer perspectiva de análise, que as mulheres trabalham em condições mais desfavoráveis que os homens, o que impacta diretamente em suas aposentadorias.
A pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que a taxa de desemprego das mulheres é maior do que a dos homens, chegando a 13,5% em 2018, contra 10,1% do gênero masculino, o que dificulta a contribuição previdenciária. Entre as mulheres de 19 a 24 anos, faixa etária marcada por altas taxas de desemprego, quase um terço estava desocupada.
Ao contrário do que se imagina, a situação das mulheres inseridas no mercado de trabalho não é melhor. Aquelas que trabalham sem carteira de trabalho ou que estão em atividades próprias, auxiliando familiares, compõem 47% do total de mulheres ocupadas. Ou seja, quase metade das trabalhadoras não possui carteira assinada, mais um empecilho para contribuir com a previdência.
A remuneração média masculina é 28,8% superior à das mulheres, de acordo com a Pnad Contínua, o que se consolida como mais um fator negativo. Em áreas como educação, saúde e serviços sociais – onde as trabalhadoras são maioria – os homens chegam a receber 67,2% a mais.
O Dieese afirma ainda que, em 2017, as mulheres correspondiam a 62,8% do total das aposentadorias por idade, enquanto os homens representavam 37,2%. Em contrapartida, nas aposentadorias por tempo de contribuição os homens recebiam 68,1% do benefício, e as mulheres, a 31,9%.
A informação comprova que a não inserção das mulheres no mercado de trabalho formal prejudica a seguridade social do gênero feminino, já que a maioria das mulheres só consegue se aposentar quando chega à terceira idade, mesmo tendo trabalhado a vida inteira informalmente.
Júlia Lenzi alerta que a proposta de Paulo Guedes, ministro da Economia, também prejudica os trabalhadores em outros aspectos. “Não é só a mudança na idade e no tempo. O governo Bolsonaro também está propondo uma mudança muito grave na fórmula de cálculo dos benefícios. Hoje, de acordo com a aposentadoria por idade, a mulher que se aposenta começa recebendo 85% do salário de benefício. Pela proposta do governo, se ela conseguir atingir a idade mínima de 62 e o tempo mínimo de 20 anos, o salário inicial de benefício será de 60%. Isso é muito grave”, opina.
Assistência social sob risco
Lenzi relembra que as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na pensão por morte também atingem as trabalhadoras diretamente. Segundo o Dieese, os benefícios têm maior incidência entre as mulheres. Do total de dependentes que receberam a pensão por morte em 2017, 83,7% eram mulheres.
Nas regras da Previdência atual, os beneficiários recebem 100% do valor. “Pela proposta do governo, a viúva receberá 60%, mais 10% para cada filho menor que 21 anos. Quando esses filhos atingirem a maior idade, a cota deles não volta e se consolida na mulher, não é reversível. Isso impacta principalmente as famílias trabalhadoras mais vulneráveis. Sabemos que a aposentadoria dos idosos e a pensão por morte recebida por eles têm sido a única renda segura dessas famílias”.
A especialista também critica as alterações do BPC, que “prevêem a existência de um benefício assistencial no valor irrisório de R$400 para idosos entre 60 e 70 anos.” Para Lenzi, a alteração irá agravar a “feminilização da pobreza” e aumentará a carga de trabalho das mulheres trabalhadoras, principais responsáveis pelos cuidados dos familiares mais velhos.
Por Brasil de Fato