Durante a solenidade de abertura do ano judiciário de 2019, nesta sexta-feira (1º), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli reafirmou a sinalização de que, nos limites de sua condução como atual presidente da Corte, apoia a reforma da Previdência, pauta central da equipe econômica do governo Jair Bolsonaro (PSL).
Em entrevista recente ao Brasil de Fato, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Paulo Kliass, lembrou que a mudança na compreensão e no funcionamento da Previdência do Brasil é objeto de cobiça mundial. “É um fundo bilionário, que vai deixar de ser, sob a ótica deles, um direito de cidadania e fundos públicos para pagar benefícios de direitos sociais, para se transformar em um fundo que vai estabelecer uma relação mercantil entre clientes e instituições financeiras”, disse. “O banco vai gerir a previdência na perspectiva de lucro, não como direito do trabalhador”.
Contradição
Toffoli considera que, no último período, o STF esteve no “centro do debate das grandes questões nacionais”, mas pretende que o Tribunal se retraia e evite ser um espaço para solucionar questões que não lhe cabem resolver.
“Não podemos ser uma instância recursiva do debate político. Cumpre a esta Corte promover o equilíbrio institucional entre os poderes com vistas ao fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Essa função se exerce sem predomínio ou interferência nas competências constitucionais dos poderes da República”, afirmou.
Por outro lado, na visão do presidente da Corte, um “novo modelo de diálogo entre os poderes” deve prevalecer. Na prática, Toffoli endossou as propostas econômicas do novo governo. “Venho propondo a celebração de um novo grande pacto entre os três poderes da República. Esse pacto envolve reformas fundamentais, como a previdenciária, a fiscal e tributária”, defendeu.
Magistrados ouvidos pelo Brasil de Fato, sob a condição de anonimato, receberam o discurso de Toffoli com decepção, por acreditarem que o STF poderia ter um papel “contra-majoritário para conter o avanço exagerado da agenda de retirada de direitos”. O sinal passado teria sido o de que “o Supremo não será empecilho [ao programa do governo]”, se adequando à visão de que “direitos sociais são obstáculos ao crescimento econômico”.
Tânia Oliveira, da secretaria-executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), afirma que Toffoli, ao pregar o respeito à separação de Poderes para endossar possíveis reformas econômicas, elabora uma retórica para se conformar ao programa macroeconômico do novo governo. Para ela, o respeito às competências de cada instituição – ou seja, o combate ao ativismo judicial – não pode significar o esvaziamento das funções do STF.
Juridicamente, diz ela, caso a reforma da Previdência tenha aspectos inconstitucionais, é papel do Supremo, como “guardião da Constituição”, não se abster de apontar inconformidades com a lei.
“Esse é um discurso de conveniência. A crítica que se faz ao chamado ativismo judicial não é no sentido de que o STF, ou qualquer tribunal, não tenha que colocar ordem, no sentido do descumprimento de normativas constitucionais, que é o caso de uma possível reforma da Previdência”, interpreta.
O exemplo da reforma previdenciária, segundo Oliveira, se estende a todos os atos do sistema político que possam ser ilegais. “O STF tem que enxergar se houve descumprimento de normas e princípios constitucionais pelo Poder Executivo ou pelo Poder Legislativo. O principal papel do Supremo continua sendo a guarda da Constituição”, afirma.
A representante da ABJD lembra que, em 2019, um dos maiores desafios do STF como garantidor da Constituição será enfrentar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância – medida que contraria frontalmente o texto constitucional.
Toffoli assumiu a Presidência do STF em setembro de 2018. Mesmo com o voto pronto de Marco Aurélio Mello, relator da questão sobre a prisão em segunda instância, o julgamento do tema oi marcado pelo presidente da Corte apenas para abril deste ano.
Na solenidade desta sexta, também participaram a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, e o vice-presidente da República, Hamilton Mourão.
Por Brasil de Fato