Sérgio Moro, o inconstitucional. Esta certamente será uma das denominações pela qual o ex-juiz, e atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PSL), será lembrado na história. O histórico dele em desrespeitar as leis e principalmente a Constituição Federal é extenso. Não é de hoje que Moro distorce a ordem jurídica do Brasil, basta ver a condução parcial que deu ao processo contra o ex-presidente Lula. Agora, ele apresentou um projeto de lei para a segurança pública que novamente viola a Carta Magna brasileira, segundo apontam organizações e juristas.
Classificado como “inócuo”, “panfletário”, flagrantemente inconstitucional” e “tecnicamente frágil”, o projeto de lei de Moro foi duramente criticado por órgãos como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Estas entidades destacam, sobretudo, que o ministro propôs diversas mudanças legislativas sem fazer consulta pública ou participação de especialistas.
Além disso, as propostas do ex-juiz limitam o direito de defesa e podem agravar a crise de segurança pública, devendo contribuir para o aumento das já elevadas taxas de encarceramento no Brasil.
Licença para matar e o autos de resistência
Moro quer dar licença para as força de segurança pública matar. A consequência das medidas propostas pelo ministro da Justiça são gravíssimas. O Brasil é o país com mais mortes causadas por policiais e onde os próprios policias mais morrem no mundo. Essa trágica realidade irá se tornar ainda mais perversa com as medidas de Moro.
Apenas em 2017, o Brasil teve 5.012 mortes cometidas por policiais na ativa, enquanto o número de latrocínios (roubo seguido de morte) foi de 2.447, o que significa que é mais provável morrer pelo tiro de um policial do que de um bandido. O número de policiais mortos no ano foi de 367. “O pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, não é um plano de segurança, é um projeto de populismo penal com autorização para matar”, critica o advogado e deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
Também advogado, o deputado Alencar Santana (PT-SP) manifestou preocupação com a ampliação da excludente de ilicitude proposta por Moro. “Todos nós temos o direito de legítima defesa, mas quando o ministro Moro diz que policiais terão essa excludente considerada porque agiram em legítima defesa, isso é muito amplo. Quem está morrendo hoje é a juventude na periferia, é o jovem pobre e negro. Temos que ter cuidado com essa situação porque senão estaremos legalizando o ‘abate’, a morte dessa juventude. Isso é perigoso”, alertou.
Moro quer agravar ainda mais o já questionado autos de resistência, previsto no artigo 292 do 329 do Código Penal. O projeto do ministro foge a qualquer técnica legislativa em matéria penal, segundo especialistas. O ex-juiz quer aumentar a atual pena que tinha o limite de até 3 anos, para até 30 anos, se da resistência resulta morte ou risco de morte. O dispositivo da forma que está já é questionado por ser responsável pelas altas taxas de letalidade policial.
Ocorre, na prática, que quando um policial mata um suposto suspeito, alega legítima defesa e que houve resistência à prisão. O fato é registrado como autos de resistência e as testemunhas são os próprios policiais que participavam da ação. O crime quase nunca é investigado.
Plea Bargain: confissões forçadas
Em entrevista à Rede Brasil Atual, o procurador de Justiça aposentado Afrânio Silva Jardim apontou que a ideia de estabelecer um acordo em troca da redução de pena, nos moldes do plea bargain aplicado nos Estados Unidos, é “absolutamente inconstitucional”.
Segundo Jardim, o projeto vai contribuir para que o Ministério Público seja transformado em um “verdadeiro monstro” e com isso corromper o devido processo legal. “Estes acordos são seletivos por natureza e as negociações fogem a qualquer controle eficaz. A ampliação da discricionariedade, no nosso processo penal, é algo absolutamente indesejável”, disse à RBB.
O professor titular da Faculdade de Direito de São Paulo Almiro Velludo Salvador Netto, ouvido pelo Valor, apontou que nem mesmo nos países que adotam o acordo de confissão, como os EUA e Inglaterra, há consenso sobre sua eficácia. “É muito discutido como o sistema de ‘plea bargain’ força e intimida as pessoas a aceitarem o acordo, independentemente de serem culpadas. Com isso, muitos inocentes, para não correrem o risco do processo e futura condenação, admitem a responsabilidade para conseguirem o acordo”, diz Salvador.
Para Walfrido Warde Filho, o modelo é incompatível com o nosso sistema jurídico e com os princípios processuais constitucionais do Brasil. “Ele estabelece uma transação penal entre partes com diferentes pesos. De um lado, o réu, normalmente pobre e negro; do outro, um promotor de Justiça com o aparato do Estado. Me parece incompatível com o direito de defesa assegurado pela Constituição e com o devido processo legal”, criticou em entrevista ao Valor.
O advogado Diogo Cabral criticou a proposta e explicou, por meio de suas redes sociais, que “as negociações facilitam que os promotores condenem os acusados que não são culpados, que não representam um perigo para a sociedade, ou cujo “crime” pode ser principalmente uma questão de pobreza, doença mental ou vício”. Segundo o jurista, os números do encarceramento em massa nos EUA servem de alerta.
A maioria das pessoas julgadas no sistema de justiça criminal dos EUA renuncia ao direito a um julgamento e ao conjunto de proteções que o acompanham, incluindo o direito de apelar. Ao invés vez disso, eles se declararam culpados. A grande maioria das condenações criminais é agora o resultado do plea bargain– cerca de 94% no nível estadual e cerca de 97% no nível federal.
Prisão em segunda instância
Outro ponto do projeto de Moro muito criticado foi a possibilidade de instituir, por lei, a prisão de condenados em segunda instância. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello afirmou à Folha de S.Paulo, desta segunda-feira (4), que a proposta do ministro de Bolsonaro não vai resolver a questão do cumprimento de pena, após condenação em segunda instância. O tema vem sendo debatido no Supremo desde 2018 e já é um assunto da ordem constitucional.
“Continuamos com o mesmo conflito [mesmo se a lei de Moro for aprovada]. Lei ordinária, claro, no bom sentido, não se sobrepõe à Constituição Federal e esta encerra o princípio da não culpabilidade, da inocência”, disse Mello. O ministro também lembrou que as mudanças propostas por Moro sequer podem ser feitas por um projeto de lei. “Enquanto se viver em um Estado Democrático de Direito é preciso respeitar a Constituição. E atualmente a Constituição precisa ser um pouco mais amada”, disse à Rádio Gauchazh.
Marco Aurélio criticou ainda a possibilidade de erros judiciais, que podem ocorrer tanto com o plea bargain, quanto com as prisões em condenações de segunda instância “Quem é que devolve a liberdade perdida ao cidadão inocente? Ninguém. Isso destrói a vida da pessoa, da família. E aí a responsabilidade é de quem? Antes 100 culpados soltos do que um único inocente preso”, disse.
Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações da Rede Brasil Atual, Valor e Folha