Em um cenário de alto desemprego, queda da renda, inflação descontrolada e disparada dos juros, as famílias brasileiras atingiram o pico histórico do comprometimento orçamentário com as dívidas em 2021. O endividamento médio das famílias brasileiras chegou ao maior patamar em 11 anos, desde a criação da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Os dados do levantamento revelam recorde do total de famílias endividadas (70,9%) no ano passado, enquanto dezembro alcançou o patamar máximo histórico para os meses consecutivos: 76,3% do total de famílias. A taxa de incremento de famílias com dívidas em pelo menos uma das principais modalidades – cartão de crédito, cheque especial, cheque pré-datado, crédito consignado, crédito pessoal, carnês, financiamento de carro e financiamento de casa – também foi a maior já registrada: 4,4 pontos percentuais.
Na comparação com 2020, das cinco regiões do país, apenas o Centro-Oeste apresentou queda do índice (0,3 ponto percentual). O Norte registrou estabilidade e o Sudeste se destacou com aumento de 5,9 p.p., seguido pelo Sul (+5,5 p.p.) e o Nordeste (+4,5 p.p.). Considerando o total de endividados, o Sul registrou o maior percentual (82%).
Na avaliação por faixa de renda, o endividamento médio das famílias com até 10 salários mínimos mensais aumentou 4,3 p.p., chegando a históricos 72,1%. Na faixa de renda acima de 10 salários mínimos, o indicador aumentou ainda mais (5,8 p.p.), mas fechou o ano em patamar inferior (66,0%).
O presidente da CNC, José Roberto Tadros, avalia que, entre as famílias com rendimentos acima de 10 salários mínimos, a demanda represada, em especial pelo consumo de serviços, fez o endividamento aumentar ainda mais expressivamente, em especial no cartão de crédito.
“O processo de imunização da população possibilitou a flexibilização da pandemia, refletindo no aumento da circulação de pessoas nas áreas comerciais ao longo do ano, o que respondeu à retomada do consumo, principalmente de serviços”, observa. Os números, diz, mostram que os brasileiros estão recorrendo mais ao crédito para manter o consumo.
O percentual de famílias com dívidas apresentou tendência de alta ao longo de todo o ano, pronunciadamente a partir de maio. O comprometimento médio da renda com o pagamento mensal das dívidas cresceu como reflexo do incremento do endividamento e da inflação ao consumidor – o indicador alcançou a média de 30,2% em 2021.
Responsável pela pesquisa, a economista da CNC Izis Ferreira avalia que, ainda que em condições financeiras mais acirradas, os consumidores conseguiram quitar os compromissos financeiros e evitaram o aumento da inadimplência até o fim do terceiro trimestre. Nos últimos três meses do ano, no entanto, o indicador de contas em atraso se acirrou, já indicando tendência de alta para o início de 2022.
“Os consumidores seguirão enfrentando os mesmos desafios financeiros da segunda metade de 2021, principalmente inflação, juros elevados e mercado de trabalho formal ainda frágil. Soma-se a isso o vencimento de despesas típicas do primeiro trimestre, que deverá apertar ainda mais os orçamentos domésticos neste período”, projeta Izis.
Cinco anos de baixo crescimento econômico
À Rede Brasil Atual, o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) André Roncaglia disse que os dados não o surpreendem. Segundo o economista, eles resultam de cinco anos de baixo crescimento econômico desde o golpe contra Dilma Rousseff, somados aos índices recordes de desemprego dos últimos anos.
O quadro se agravou, prossegue o economista, com a alta da inflação e o consequente maior comprometimento da renda das famílias. A escalada inflacionária levou o Banco Central (BC) “independente” a elevar a taxa básica de juros (a Selic) e encarecer ainda mais o crédito, tornando as dívidas quase impagáveis para as famílias mais pobres.
“É muito elevado o nível de desemprego. Quando a gente considera os desalentados, que já desistiram de procurar emprego, e os subocupados, que estão trabalhando menos do que gostariam, é evidente que a perda do poder de compra do salário médio (a massa salarial) caiu bastante”, explica Roncaglia.
“Quando o juro é muito elevado, e a inadimplência é persistente, a tendência é que a dívida cresça praticamente sozinha. Então se a renda da família não aumentar, a relação da dívida sobre a renda tende a crescer de maneira orgânica. A depender da taxa de juros, pode crescer de forma exponencial”, alertou o economista.
Em outubro do ano passado, Roncaglia já avisava que a escalada da Selic seria um “tiro no pé numa economia já combalida”. Também ressaltou o endividamento das empresas e o tratamento desigual recebido do desgoverno Bolsonaro. Enquanto as grandes e médias empresas puderam refinanciar as dívidas no ano passado, o Executivo vetou o Refis do Simples, voltado para micro e pequenas empresas.
“As pequenas e microempresas são aquelas que efetivamente empregam a maior parte da força de trabalho. E não vão ter direito de reorganizar suas dívidas tributárias. Então, isso também tende a dificultar a criação do emprego e a retomada da massa salarial”, finalizou o economista.
Da Redação, com Imprensa CNC