“A reforma da Previdência constitucionaliza pontos que não deveria e tira da Constituição Federal o que deveria manter”, diz a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) sobre o reflexo da reforma sobre os professores. Isso sem falar em questões de repercussão em toda a sociedade, como a questão da pensão pós-morte. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 permite que o benefício possa ser menor do que o mínimo. “Isso é muito grave, porque a pessoa não pode mais nem morrer tranquila. Este governo de Bolsonaro prejudica as pessoas até depois da morte”, diz Maria do Rosário. “Hoje, com o sistema previdenciário em vigor, as pessoas morrem com mais tranquilidade, porque pelo menos deixam alguma coisa para os entes queridos.”
Embora a regra aprovada sobre pensão por morte – talvez o principal símbolo negativo da reforma – atinja menos os professores, de modo geral, já que ganham mais do que a média mais pobre da população, em relação aos responsáveis por educar crianças e jovens em sala de aula as normas aprovadas em primeiro turno na Câmara são um retrocesso, em relação ao que está em vigor. O texto será votado em segundo turno em agosto.
No caso dos professores, o texto aprovado no primeiro turno pela Câmara prevê que se possa alterar por meio de lei complementar (LC) aspectos como tempo de contribuição. Diferentemente de proposta de emenda à Constituição, que exige a aprovação por três quintos dos deputados (308 votos) e senadores (49 votos), uma LC exige a maioria absoluta dos deputados (257 votos) e senadores (41).
Pelo texto aprovado, as professoras poderão se aposentar aos 57 anos, com tempo mínimo de contribuição de 25 anos; os professores, com 60 anos de idade e, no mínimo, 30 anos de contribuição. Isso significa que eles terão que trabalhar cinco anos a mais, enquanto elas precisarão dar aulas por sete anos a mais do que pela atual legislação.
Hoje, as professoras têm direito a se aposentar com 50 anos e 25 de contribuição, enquanto os professores precisam ter 55 anos de idade e contribuir por 30 anos. Ao aprovar a reforma, os deputados que formaram a maioria deixaram de considerar as características específicas da profissão de professor.
O cotidiano em sala de aula é causa de estresse e alterações do comportamento dos profissionais. Estudos realizados em todo o mundo mostram que os docentes estão permanentemente sujeitos a uma deterioração progressiva da saúde psíquica. O estresse é hoje reconhecido por organismos internacionais como uma enfermidade profissional, capaz de provocar efeitos prejudiciais às pessoas afetadas e efeitos negativos no ambiente escolar.
Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo, o estresse é “um risco ocupacional significativo da profissão”. No Brasil, além de os professores ganharem historicamente mal, a reforma da Previdência os condena a uma situação ainda pior. Estudo de 2014, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, revelou que os docentes da educação básica no país têm remuneração média equivalente a 54,5% da dos demais profissionais com mesma escolaridade.
Investimento
De acordo com o relatório Educacion at a Glance (2016), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sobre o investimento em educação em termos globais, a diferença salarial entre professores estrangeiros e brasileiros chegou a 154,09% em 2014. O dado vale para educação infantil e ensinos fundamental e médio.
Em outras palavras, a média na OCDE e 46 países pesquisados foi de US$ 31 mil contra US$ 12.200, no Brasil. Com isso, o país fica na penúltima colocação entre as nações pesquisadas, atrás apenas da Indonésia.
Entre os fatores que ocasionam sobrecarga psíquica do qual decorre o estresse, estão a extrema atenção com o público de uma sala de aula, os conflitos nas relações pessoais, autoritarismo burocrático, excesso de responsabilidade inversamente proporcional aos meios disponíveis para o trabalho, entre outros. No Brasil, esses problemas se somam às condições sociais, que expõem os professores a situações potencialmente violentas em seu cotidiano.
Isso menos por uma situação particular como o atentado em uma escola de Suzano, na região metropolitana de São Paulo, que deixou 10 pessoas mortas e nove feridas em março deste ano, do que por situações cotidianas e sistemáticas que não chegam a ser conhecidas publicamente e sequer são objetos de denúncia aos órgãos de segurança pública, muitas vezes por medo de represálias por parte de alunos violentos.
Em países desenvolvidos, onde a educação é historicamente o principal veículo de estímulo à cidadania, os problemas são detectados por estudos sobre a saúde mental dos docentes. Na França, por exemplo, diagnósticos comuns na carreira são estados neuróticos (27% dos pesquisados), estados depressivos (26,2%), personalidades e caracteres patológicos (17,6%), estados psicóticos, psicoses maníaco-depressivas (7,4%) e esquizofrenias (6,6%).
Infraestrutura
No Brasil, a infraestrutura escolar é mais um fator de desestímulo e fonte de estresse. Estudo intitulado Uma escala para medir a infraestrutura escolar (2012), dos pesquisadores Joaquim José Soares Neto, Girlene Ribeiro de Jesus e Camila Akemi Karino, da Universidade de Brasília (UnB), e Dalton Francisco de Andrade, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mostrou que apenas 0,6% das escolas brasileiras tinham infraestrutura próxima da ideal para o exercício da profissão.
Ou seja, a esmagadora maioria das escolas não possuía biblioteca, laboratório de informática, quadra esportiva, laboratório de ciências e dependências adequadas. Segundo a pesquisa, 44% das instituições de educação básica contavam apenas com água encanada, sanitário, energia elétrica, esgoto e cozinha em sua infraestrutura.
A reforma da Previdência tende a aumentar de maneira dramática a hoje já desestimulante carreira no magistério brasileiro, no qual os professores são obrigados a desempenhar sua nobre profissão em ambientes sem estrutura.