Especialistas e senadores apontaram, nesta quarta-feira (21), durante a terceira audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 6/2019) – reforma da Previdência de Bolsonaro – que o projeto do atual governo não resolve o problema de financiamento e sustentabilidade da Seguridade Social duramente agravado após a aprovação da reforma trabalhista e o aumento do desemprego e do trabalho informal no País. A audiência foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS).
Na avaliação do ex-ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rosseto, o processo de precarização do mercado de trabalho iniciado com a reforma trabalhista que culminou na desregulamentação de diversas normas e pode ser ampliado com a aprovação da MP 881 – Liberdade Econômica – impacta fortemente nas contas do sistema previdenciário .
“Quando nós temos milhões de contribuintes que se afastam de um sistema previdenciário, a continuidade desse processo cria dificuldades estruturais no financiamento deste sistema e de qualquer política pública no País. É preciso ter atenção ao tema da arrecadação, um debate responsável”, alertou.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), chamou atenção para o fato de a proposta do governo Bolsonaro focar apenas na retirada de direitos dos trabalhadores e dificultar o acesso a aposentadoria dos cidadãos e não atacar a diminuição de arrecadação do sistema previdenciário provocado, entre outras coisas, pela renúncia fiscal e pela sonegação que ultrapassa os R$ 500 bilhões por ano.
“Todo o discurso [do governo] de que [a proposta] vai gerar emprego, aumentar investimento é conversa mole. Não vai. Era o mesmo discurso da reforma trabalhista e vejam o quadro que está aí hoje. Não vai haver aumento de emprego e não vai haver aumento de arrecadação. Como um trabalhador da Uber ou da Rappi vai contribuir por 20 anos para poder se aposentar? Nunca”, enfatizou.
Aumento da pobreza e desigualdade
Miguel Rosseto também chamou atenção para o potencial da proposta de reforma da Previdência aumentar ainda mais a desigualdade social existente no País ao diminuir o benefício médio concedido aos trabalhadores.
Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), publicados pela Folha de S. Paulo mostram que do final de 2014 a junho deste ano a renda per capita do trabalho dos 10% mais ricos subiu 2,5% acima da inflação; e a do 1% mais rico, 10,1%. Já o rendimento dos 50% mais pobres despencou 17,1%; e dos 40% da classe média, caiu 4,2%. Isso levou o índice de Gini a 0,629, muito próximo ao recorde da série desde 2012 (medido de 0 a 1, quanto mais perto de 1, pior a desigualdade).
“O Brasil é um País brutalmente desigual do ponto de vista social e econômico. Entre os países democráticos nenhum outro tem maior acúmulo de rendimentos no 1% mais ricos. Os senhores e senhoras tem a enorme responsabilidade de adequar esse projeto a exigência constitucional, aos fundamentos da República de fazer esse País mais justo, mais equilibrado”, apontou o ex-ministro.
Rosseto ainda apresentou dados do próprio Ministério da Economia que desmistificam a propaganda oficial do governo de que a reforma combaterá privilégios. O valor médio das aposentadorias no Brasil é de R$ 1.370,00. Nas aposentadorias por idade, teremos em 2019, uma aposentadoria média de R$ 1.015,00.
“A aposentadoria por tempo de contribuição que o projeto [de Bolsonaro] propõe extinguir é de R$ 2.056,00, em média. Esse é o público escolhido para o ajuste fiscal [do governo]. Essas são informações do próprio governo. É disso que estamos falando aqui”, explicou.
O vice-líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), afirmou que o governo misturou propositalmente no mesmo projeto alterações no Regime Geral de Previdência com mudanças nos regimes próprios dos servidores e das Forças Armadas a fim de causar confusão e dificultar a compreensão da população e impor resistências a possíveis alterações no texto original.
“Essa mistura veio com o objetivo de gerar muita confusão e impedir que as soluções de ajustes necessários, o aperfeiçoamento dos regimes [previdenciários] pudessem ser feitas. O projeto veio com intuito de transferir a poupança do nosso sistema de proteção para o sistema financeiro. Essa era a ideia inicial. Isso foi tirado na Câmara, mas permanece no projeto a tentativa de gerar economia em cima dos mais pobres. Isso vai gerar no Brasil um processo de aumento da pobreza, aumento da concentração de riqueza. Não tem sentido tratarmos como privilégio um sistema cujo maior benefício não ultrapassa aproximadamente R$ 5.400”, disse, em referência ao teto da aposentadoria no Regime Geral.
Falácia do déficit previdenciário
Documento apresentado por Paulo Penteado Teixeira Junior, assessor jurídico e legislativo da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), também apresentado durante a realização da CPI da Previdência, presidida pelo senador Paulo Paim, mostra dados do Tribunal de Constas da União (TCU) apontando que no exercício do ano 2016 o déficit da Seguridade Social (Assistência Social, Saúde e Previdência Social) teria sido, em valores nominais, de R$ 242 bilhões.
Nesse mesmo ano, de acordo com Penteado, o mecanismo de Desvinculação de Receitas da União (DRU) retirou do sistema de Seguridade Social 92 bilhões de reais. Outros 144 bilhões de reais foram retirados dos cofres da Seguridade Social por meio de renúncias fiscais.
“Se somarmos a DRU e as renúncias da Seguridade teremos um déficit, que eu chamo de déficit legislativo, de aproximadamente 236 bilhões. Assim, se tirarmos a DRU e as renúncias da Seguridade Social esse déficit efetivo foi de 6 bilhões de reais ou 0,1% do PIB”, explicou.
Na oportunidade da realização da CPI da Previdência, o colegiado concluiu que o problema do sistema previdenciário brasileiro é principalmente de gestão dos recursos e de sonegação fiscal.
Por PT no Senado