O Observatório Nacional da Mulher na Política, órgão de pesquisa sobre a agenda de gênero vinculada à Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, realizou nesta quinta-feira (29) a segunda edição do Encontro do ONMP. A iniciativa teve o intuito de reunir pesquisadores, especialistas, e mulheres que atuam na política para discutir os efeitos do financiamento público de campanhas eleitorais para as mulheres nas campanhas, dificuldades e possibilidades de avanço nas eleições, temas que afetam diretamente a participação política feminina no pleito deste ano.
Confira a transmissão do Encontro aqui.
“Sabemos como há falta de acesso a recursos de financiamento público de campanha afetando a possibilidade de sucesso eleitoral de qualquer candidato, e o que não falta na literatura especializada são estudos que apontam que o fato de as mulheres receberem muito menos recursos de campanha que os homens é um dos fatores que têm como resultado a sub-representação feminina permanente nas cargas eletivas”, afirmou Ana Cláudia Oliveira, coordenadora de Pesquisas do ONMP.
Felipe Lauritzen e Olivia Tsoutsoplidi são pesquisadores do Institut d’Études Politiques de Paris e atentaram para os resultados da pesquisa realizada sobre os efeitos das cotas na representação de mulheres e negros a partir da avaliação das reformas eleitorais como as cotas de gênero nas listas partidárias, que existem desde 1997, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), de 2018, e a Emenda Constitucional (EC) nº 111/2021, que estabelece que os votos dados a candidaturas de mulheres e pessoas negras serão contados em dobro para efeito da distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral.
Apesar de o Brasil ter sido pioneiro na adoção de cotas exclusivas para mulheres e negros, sendo o único país no mundo com financiamento público com incentivo à participação desses segmentos nas eleições, os pesquisadores questionaram por que as mulheres são apenas 17% dos deputados na Câmara dos Deputados Deputados, e apenas 26% são parlamentares negros, apesar de representarem 28% e 47% de candidatos, respectivamente. Isso sem contar que representa a maioria da população.
A pesquisadora grega Olivia Tsoutsoplidi defendeu que as reformas brasileiras se desenvolvem diretamente para ajudar as mulheres a serem mais competitivas nas eleições. A partir dos gráficos apresentados, ela ponderou que levou 20 anos para que os partidos respeitassem as costas.
Apesar das reformas, mulheres negras são penalizadas
O grupo que mais sofre nas eleições segue sendo as mulheres negras. A estudiosa revelou que o impacto das reformas ajuda mais as mulheres brancas e os homens negros. “Isso é realmente um efeito negativo. As mulheres brancas tiveram benefícios na última reforma, o que deu aos partidos o dobro do dinheiro, entretanto, não triplicaram os recursos para mulheres negras, que ocupam dois estratos dos critérios de gênero e raça”, mencionado.
Com isso, percebe-se que há um acaso de interseccionalidade para as mulheres negras: “Com a última reforma, mulheres brancas experimentaram um aumento de 53% na proporção de votos, homens negros um aumento de 37%, enquanto mulheres negras um declínio de 12% na proporção dos votos”, disse.
Como sugestões para aprimoramento, os pesquisadores sugerem:
– Separar candidatos às eleições proporcionais dos candidatos às majoritárias para aferição de cumprimento das cotas do Fundo Eleitoral;
– As mulheres negras deveriam poder acumular o incentivo de ‘voto duplo’ para acabar com a deliberação de interseccionalidade;
– Melhorar a transparência sobre os critérios de alocação dos fundos públicos utilizados pelos partidos;
– Regular a governança dos fundos públicos para as mulheres, estabelecendo que as decisões sobre a alocação interna serão realizadas pelas secretarias das mulheres.
O trabalho apresentado buscou avaliar o impacto das cotas de financiamento de campanha na representação política na literatura de economia. Para isso, os pesquisadores mediram os efeitos no desempenho eleitoral e na representação de mulheres e minorias a partir de dados do TSE de 1994 a 2022, utilizaram modelo econométrico para estimar os efeitos dessas reformas de forma robusta, realizando experimento de pesquisa de opinião, em parceria com o Instituto Datafolha, para avaliar se há algum efeito ‘backlash’ não intencional, comportamental do lado dos candidatos por meio das percepções do público, além de entrevistas qualitativas com líderes partidários para confirmar os mecanismos.
A partir disso, Lauritzen e Tsoutsoplidi chegaram às seguintes conclusões: há barreiras na estrutura partidária que dificultam a competitividade das mulheres. Segundo eles, os partidos colocam várias barreiras para candidaturas femininas, fato que não ocorre apenas no Brasil, ocorrendo em países como Alemanha, México e EUA, seja colocando as mulheres para concorrer onde as siglas não têm tantas chances, por exemplo.
No Brasil, as mulheres foram mais impactadas do que os homens na transição do sistema de financiamento brasileiro, de privado para público. “Hoje quem decide a alocação do financiamento público são as lideranças partidárias”, apontou o pesquisador. Também é no partido onde as mulheres mais sofrem violência política de gênero.
Apesar de não existir uma regulação por parte do TSE para definir a governança dos recursos, nas agremiações onde os recursos são organizados pelas secretarias de mulheres, o uso dos fundos apresentam melhores administrações do que quando são geridos por homens.
Como é a percepção do eleitorado na adoção das cotas?
A pesquisa realizada em parceria com o DataFolha ouviu 2.041 entrevistados em 120 municípios, entre 7 e 11 de novembro de 2022, uma semana após o segundo turno da eleição presidencial.
O resultado revelou que 53% da população brasileira acredita que o número de mulheres na Câmara dos Deputados não é suficiente, apenas 37% dos entrevistados conhecem o Fundo Eleitoral, e somente 36% acredita que estabelecer cotas de financiamento eleitoral para mulheres é uma política ótima ou boa.
Painéis interativos de monitoramento
Houve, ainda, a apresentação de dados de pesquisas do Sistema de Monitoramento sobre Mulheres e Eleições, desenvolvido pela Diretoria de Inovação e Tecnologia da Informação (Ditec) para o ONMP.
Por meio dos painéis, é possível monitorar e analisar dados como gênero, cor, raça, idade, grau de instrução, profissão e estado civil, entre outros, a partir de dados abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que facilita o acesso direto a indicadores sobre as eleições, com recorte de gênero, além de informações sobre normas eleitorais, candidaturas, novos modelos partidários (Federação) e ranking dos partidos conforme percentual de candidatas inscritas. Inclui dados atualizados desde as eleições de 2002. Dados socioeconômicos do IBGE também são utilizados nas pesquisas.
Thamara Ribeiro, servidora da Ditec, explicou a importância do monitoramento realizado pela Diretoria. Ela argumenta que , por meio dos painéis, é possível ter uma percepção mais profunda sobre as diferenças que as receitas fazem nas candidaturas, como as receitas se traduzem em cadeiras na Casa.
“Esses dados começam a mostrar um crescimento, mas também mostram alguns gargalos que a gente consegue ver a partir dessas análises. A ideia é mostrar o caminho que as candidaturas fazem. Um real de uma campanha feminina ‘vale menos’ do que uma campanha masculina. Os homens precisam de menos recursos para serem eleitos. Como as mulheres devem receber os recursos nos 15 primeiros dias, isso faz muita diferença para que elas tenham estratégias competitivas, pois geralmente os homens recebem primeiro o dinheiro, e isso contribui diretamente para chances de eleição, de vitória, pois tem mais chances de contratar serviços , organizar equipes”, revelou Ribeiro.
Outra observação feita pelo servidora é que existe muito mais financiamento para campanhas de vice-prefeitas, sendo o valor colocado em uma campanha para vice-prefeita proporcionalmente maior do que o de uma vereadora.
São quatro conjuntos de painéis, sendo duas de eleições gerais e duas de municipais. Segundo Marcus Chevitarese, servidor da Ditec, a partir de 2012, houve um aumento mais expressivo de vereadoras eleitas do que prefeitas: “Creditamos isto aos pisos de financiamento que foram sendo implementados ao longo do tempo.”
Outro ponto destacado por ele foi que quanto menor o município, maior a taxa de mulheres eleitas para vereadoras: “Logo, mulheres oferecem se eleger vereadoras mais facilmente em pequenos municípios. À medida que a porta do município aumenta, a taxa de eleitas vai atrapalhando.”
Marina Marcondes, da Redação Elas por Elas