Passadas as eleições municipais de 2016, em que o PT foi fragorosamente derrotado, depois de mais de treze anos sendo protagonista da política nacional, as discussões agora voltam-se para o plano interno com a realização de mais um Congresso Nacional do Partido, na tentativa de identificar os erros e acertos patrocinados durante estes anos de disputas políticas.
Os acertos já foram e são sobejamente identificados nos textos e discussões internas do Partido e propagandeados para toda a sociedade. Sempre foram ressaltados os avanços dos governos petistas, Lula e Dilma, no campo da educação, saúde, assistência social, distribuição de renda etc. Entretanto, discutir os erros cometidos – e foram tantos -, seus limites e superações, durante todo esse tempo, tornou-se um tabu.
Não dá mais para o PT, passados tantos anos de sua fundação, realizar Congresso para discutir apenas critérios para a escolha de novos dirigentes; fazer balanços em que a tendência é terceirizar a culpa pelas nossas derrotas. O próximo Congresso, previsto para se realizar no próximo ano, somente cumprirá os seus objetivos se, democraticamente, revisitar a forma de eleger seus delegados, o seu programa, conceitos, pressupostos, suas táticas e estratégias. O mundo mudou. O PT tem que mudar.
Este texto não se propõe a fazer um balanço político/administrativo, pontuando erros e acertos dos governos do PT, durante o período em que estiveram à frente do poder.
A ideia é fazer uma reflexão sobre quais as condições necessárias para que o PT e a esquerda, em seu conjunto, ao assumirem um governo central, no atual estágio de um país capitalista como o Brasil – dispondo de um complexo parque industrial altamente desenvolvido, uma agricultura das mais competitivas do mundo, assim como um setor de serviços bem estruturado – possa governar e realizar as mudanças necessárias. A discussão a que se propõe é muito difícil e de extrema sensibilidade para se fazer, porque queremos tratar dos custos políticos da governabilidade.
Durante esses treze anos de governo, o PT teve que fazer alianças partidárias, as mais amplas possíveis, para conseguir a governabilidade. Fazer alianças parlamentares e institucionais com partidos e setores conservadores em si não é nenhum pecado. Até porque alianças somente com partidos de esquerda ou centro-esquerda, no Brasil, nesta atual conjuntura, não se consegue formar maioria parlamentar. Considerando-se os atuais partidos de esquerda ou centro-esquerda: PT, PCdoB, PDT, Rede, PSB, PV, PSOL, estes nunca conseguiram, juntos, mais que 28% de representatividade na Câmara.
O PT, para fazer maioria parlamentar e conseguir a governabilidade, teve que compor com partidos de direita e centro-direita. Partidos esses extremamente conservadores como PR, PRB, PP, PTB, além de outros mais ao centro como o PMDB, uma referência nacional pelo seu peso nas diferentes regiões do país, constituindo-se no maior partido nacional, tornando-se de extrema importância nas composições de qualquer governo, independentemente da concepção ideológica.
Fazer alianças para ter maioria na Câmara é necessário e correto desde que baseadas em acordos programáticos entre os partidos e o governo. Evidentemente, o governo deverá abrir mão de parte de suas propostas e absorver propostas de seus aliados e preservar o essencial do seu programa para o qual foi eleito.
O governo eleito terá que ceder aos aliados parte da estrutura do Estado como ministérios, secretarias, fundações etc. Entretanto, o governo deverá manter sobre sua guarda aqueles ministérios ditos estratégicos para implementar suas políticas programáticas e concepções macroeconômicas e sociais.
Temos visto governos de esquerda em vários países da América Latina: Venezuela, Bolívia, Chile, Uruguai, Equador, que, ao conquistar o poder, através de eleições livres e diretas, fizeram também maiorias parlamentares nas Câmaras e nos Senados de seus respectivos países. Ao chegarem ao poder com maiorias parlamentares, esses governos tiveram maiores condições e segurança para negociar com outras forças politicas conservadoras (Uruguai, Chile, Bolívia) sem renunciar a seus princípios programáticos, inclusive implementando medidas progressistas e democráticas que romperam com políticas conservadoras seculares. Em alguns deles ou em todos eles tiveram força política até para mudar suas Constituições e fazer reformas profundas em benefício das populações até então marginalizadas e excluídas.
Outro exemplo que podemos citar, na mesma linha de correlação de forças, é a experiência do Paraguai, em que o presidente eleito, Lugo, chegou à presidência através de eleições livres e diretas, contando com grande popularidade, mas em fragrante minoria no Parlamento e, por conta disso, não conseguindo fazer as reformas necessárias que beneficiassem os mais pobres e excluídos. Na primeira oportunidade, ao contrariar pequenos interesses do capital e das elites, mesmo compondo e cedendo espaços aos partidos conservadores no seu governo, foi afastado sumariamente, sem nenhum reação da sociedade.
No Brasil exemplos não nos faltam. Em primeiro lugar não cabe aos nossos propósitos a experiência getulista durante o seu primeiro governo, que vai de 1930 até 1945, visto que se tratou de um governo que chegou ao poder sem ser eleito e, sim, através de uma revolução armada, com grande apoio dos militares e da burguesia industrial nascente. Governou para organizar e modernizar o sistema capitalista e para isso foi necessário fazer concessões importantes para as classes trabalhadoras. Foi um governo de caráter bonapartista, autoritário, antidemocrático.
Findo o período do Estado Novo, com as eleições de 1945, assume a Presidência o Marechal Dutra, eleito pelo PSD, com apoio de Getúlio Vargas e dos trabalhistas (PTB). Com a eleição de novos deputados e senadores, instala-se o Congresso Constitucional que irá aprovar a nossa quarta Constituição, com a participação, inclusive, do Partido Comunista Brasileiro, que, logo em seguida à promulgação da Constituição, foi cassado de suas atividades políticas e jogado na clandestinidade.
Ressalta-se que as eleições de 1945 foram disputadas, entre os principais concorrentes, por dois militares: o General Dutra pelo PSD, com o apoio de Getúlio Vargas e o PTB, e pela UDN o Brigadeiro Eduardo Gomes.
Façamos um parêntese. Os militares brasileiros, desde o Império, sempre foram influenciados pelas teorias do filósofo francês Augusto Conte, fundador do Positivismo. Desde a proclamação da República estiveram, de uma forma ou de outra, participando das disputas político-partidárias, autoproclamando-se como um poder moderador, em substituição a este poder com o fim do Império, exercido pelo Rei Dom Pedro II.
As eleições marcadas para a sucessão presidencial de 1950, com a supremacia do PSD aliado ao PTB e a ambiguidade da UDN – que deveria ser o partido da redemocratização, mas que, na verdade, tornou-se o braço político dos militares antigetulistas – não conseguiram projetar um nome que pudesse galvanizar os anseios da nítida divisão em que se encontrava o Brasil naquele momento. Só assim podemos entender e compreender a volta de Getúlio ao centro da cena politica naquele ano.
Getúlio retorna ao poder, desta vez por eleições livres e diretas, derrotando o eterno candidato da UDN, Brigadeiro Eduardo Gomes. Seu governo foi marcado por profundos traços nacionalistas e desenvolvimentistas, com a criação da Petrobras, do BNDE (naquela época não tinha o ‘S’) e dando continuidade à política de substituição das importações como meta de industrialização do país.
Foi um governo extremamente polarizado, principalmente com os militares antigetulistas, em especial os da Aeronáutica do Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato derrotado por Getúlio, e o seu braço politico, a UDN, comandada por Lacerda. Suicidou-se no final de 1954. A transição política até as eleições de 1955 foi patrocinada e garantida pelos militares, principalmente do Exército, na figura do General Lott.
Nas eleições de 1955, a UDN lança mão novamente de um militar. Desta vez a tarefa coube ao General Juarez Távora, antigetulista, contra o candidato do PSD/PTB, o ex-governador por Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, tendo como vice João Goulart. Juscelino tomou posse em pleno estado de sítio, depois de vários episódios de golpes e contra golpes tentados pelos militares e a UDN.
Os militares legalistas, liderados mais uma vez pelo General Teixeira Lott, garantem a posse do novo Presidente eleito que começou e terminou o seu mandato dentro do prazo previsto pela Constituição, em um quadro de relativa estabilidade política, apesar das inúmeras crises militares, sempre conspirando contra o governo, característica da vida militar desde a Revolução de 1930.
João Goulart foi eleito para Vice-Presidente em chapa individual, em eleições livres e diretas. Diante da renúncia do Presidente Jânio Quadros foi empossado como Presidente da República depois de fazer varias concessões aos militares e ao capital. Mesmo assim, tentou realizar um governo progressista e de esquerda, mobilizando os sindicatos, camponeses e a sociedade em geral, propondo as famosas reformas de base.
Foi deposto através de um golpe de Estado comandado pelos militares com o apoio da maioria parlamentar dos partidos que compunham o seu próprio governo. Há, no entanto, que recordar que o seu partido – PTB – era a segunda força parlamentar e que, para ser majoritário no Congresso, tinha que fazer alianças com apenas um partido, com o PSD ou com a UDN. Fez com os dois e, mesmo assim, foi golpeado.
Salienta-se que, naquela época, a representação partidária no Congresso era bem mais concentrada do que a nossa estrutura partidária atual. Dois partidos entre os três maiores, PSD, PTB, UDN, em alianças faziam maioria parlamentar. No entanto, os tempos eram outros: existia a guerra fria; o comunismo era a grande ameaça ao Ocidente e qualquer proposta mais progressista criava pavor nas forças conservadoras e nos militares, sempre supervisionados e obedientes aos Estados Unidos
Hoje o mundo é outro. Não existe mais o muro de Berlim, os países ditos comunistas não são mais ameaças ao Ocidente. Os partidos de esquerda, no Brasil, com um mínimo de representação parlamentar, não propõem mais a revolução proletária. Esses partidos apresentam em seus programas reformas sociais profundas e a radicalização da democracia, utilizando-se do conceito: “não há democracia sem socialismo nem socialismo sem democracia”, no sentido de avançar na construção de um estado do bem-estar social. E isso não é pouca coisa para uma sociedade conservadora como a nossa.
João Goulart afastado, golpe consumado. Até que enfim os militares conseguem chegar ao poder. E a UDN, mais uma vez, fica a ver navios e dança ao som da bossa nova. Sobre esse período é o bastante.
Sarney foi eleito Vice-Presidente da República em uma chapa que tinha Tancredo Neves como Presidente, em eleição indireta, através do Colégio Eleitoral e assumiu a Presidência com a morte de Tancredo. Foi um governo de transição do regime militar para a democracia. Seu governo, bastante conservador, foi marcado pela instalação do Congresso Constitucional que aprovou a Constituição de 88. Tinha uma ampla base de apoio no Congresso, inclusive dos militares e, mesmo assim , enfrentou turbulências com seus planos econômicos.
Com a proclamação da Constituição de 88, esperava-se que o Brasil finalmente viveria um longo e eterno Estado Democrático de Direito, já que os militares recolheram-se à Caserna e, ao que parece, não mais comungavam das orientações e concepções da filosofia do positivismo.
No caso do afastamento do ex-Presidente Collor de Mello, o primeiro Presidente eleito pós-Constituição, como exemplo extremo, pois não estamos falando, nesse caso, de governo de esquerda, mas de um governo de direita, neoliberal, que foi eleito através de eleições livres e diretas, por um pequeno partido de aluguel, com pouca representatividade no Congresso, mas que ele, Collor, não tinha como projeto governar com os partidos e o Parlamento, e, sim, governar para o capital e as elites como um Bonaparte – governar acima dos partidos -, como aliás tentou Jânio Quadros. Não deu outra ao não conseguir equilibrar a inflação e desemprego, jogando a economia em recessão. Perdeu a confiança do capital e foi cassado acusado de corrupção, e depois absolvido pelo STF.
Na sucessão de Collor de Mello, assumiu o Vice-Presidente Itamar Franco. Seu governo foi marcado também como um governo de transição até as próximas eleições previstas para o final de 1994. Teve apoio de todos os partidos, com uma tímida oposição do PT. Foi um governo que criou as condições necessárias para a implantação do neoliberalismo com as pré-condições impostas pelo Consenso de Washington, através de seu plano econômico denominado “Plano Real”, coordenado pelo Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, seu sucessor.
Fernando Henrique Cardoso foi eleito em 1994, para suceder a Itamar Franco. Assumiu já com as bases do Consenso de Washington implantadas. Fez um governo extremamente neoliberal, voltado para o capital e para as elites. Ampla maioria no Congresso Nacional por adesão, cooptação ou corrupção. Fez todas as privatizações possíveis em leilões na Bolsa de Valores não muito transparentes. Foi acusado de corrupção na venda das estatais; de compra de votos para a sua reeleição a Presidente. Tinha ampla maioria no Congresso e nada lhe aconteceu.
Isso posto, retomemos ao início do governo do PT. Em 2002, Lula vence as eleições, em segundo turno, com 54% dos votos válidos. A esperança venceu o medo. Entretanto, o partido conquistou apenas 17% da Câmara. No Senado pouco mais de 10%.
Em 2003, Lula assume o governo através de eleições livres e diretas. Desde o início buscou governar com os partidos e com o Parlamento. Não havia como ser diferente senão construir uma ampla maioria parlamentar com partidos conservadores, para ter governabilidade, visto que os partidos de esquerda e centro-esquerda eram amplamente minoritários. Aliou-se com partidos conservadores de direita, formando um governo de coalizão de centro-esquerda, o que não lhe permitia realizar reformas politicas mais profundas que tanto reivindicava os setores progressistas e de esquerda que votaram em Lula.
O seu grande legado popular não se traduzia em sustentação política capaz de pressionar o Congresso para apoiar reformas um tanto quanto polêmicas: reforma dos meios de comunicação; política/partidária; tributária/fiscal; democratização das relações do Estado. Achar que a população ficará em permanente mobilização para pressionar os parlamentares para aprovar essas propostas é doce ilusão.
O povão é indiferente a esses assuntos, na verdade nem entendem do que se trata. Eles adoram a Rede Globo. Somente se mobilizam para discutir esses assuntos os setores diretamente afetados e, geralmente ou sempre, esses setores não concordam com as nossas propostas. Mesmo assim, com habilidade, Lula conseguiu implementar medidas voltadas para a população mais pobre e tirar milhões da miséria, incluindo-as no mercado consumidor; na educação; no atendimento à saúde.
Promoveu investimentos na infraestrutura voltados para essa parcela da população, como os programas: Minha Casa Minha Vida; Luz para Todos etc. Avanços esses que só foram possíveis porque não colocava em risco o poder do capital e das elites. Além disso, a economia cresceu com a inflação sob controle, o emprego aumentou. Governou por oito anos entre a cruz e a espada e fez a sua sucessora.
O primeiro mandato da Presidenta Dilma foi uma continuação do Governo Lula, sem entrar aqui em maiores comentários de seus erros e acertos.
Vamos, então, ao segundo mandato da presidenta Dilma: fez alianças as mais amplas possíveis e ainda mais conservadoras. Entregou ministérios estratégicos para atender às expectativas do mercado, como o da Fazenda, a técnicos de fora das concepções políticas do governo e do seu partido. A sua popularidade foi corroída em seis meses de governo. Perdeu a base de apoio da sociedade e do seu próprio partido; perdeu o controle da inflação e do emprego e jogou a economia na recessão.
Recessão não interessa ao capital, principalmente ao setores industrial, de agronegócio e de serviços. Sua base efetiva no Parlamento era de 136 deputados, insuficiente para eleger o presidente da Câmara e barrar o impeachment, que começou a rondar Dilma. Não tendo mais a maioria da Câmara, foi afastada por acusação de improbidade politica de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, embora nada tenha sido comprovado. Foi golpeada porque perdeu a confiança do grande capital e porque não tinha apoio da maioria do Parlamento.
Quando me refiro à maioria parlamentar, é necessário deixar evidente que maioria de um partido ou de partidos com afinidades programáticas, e não maioria com partidos conservadores.
Claro que, para governarem, Lula e Dilma teriam que fazer alianças. Em primeiro lugar, a composição natural se deu com o PCdoB, PSB e PDT. Muito pouco para construir maioria parlamentar. Buscou-se ampliar essas alianças com os partidos conservadores, de centro, centro-direita e da direita. Com os partidos da esquerda a aliança se consolidou pela afinidade programática e na participação desses partidos no aparelho do Estado, assumindo ministérios.
Já com os partidos conservadores, embora não houvesse nenhuma afinidade programática, a composição se deu através da ocupação do aparelho do Estado, entregando ministérios e empresas estatais. Mas, mais do que isso, envolveu também cotas financeiras para partidos e parlamentares como condição de estes garantirem a aprovação das propostas do governo enviadas ao Congresso e que não contrariasse o poder do capital e das elites. Isto em um primeiro momento e acabou no “mensalão”.
Em um segundo momento, o custo financeiro para fazer as alianças com partidos conservadores e manter a governabilidade aumentou. Já não bastava cotas financeira, era necessário a entrega das chaves, sem intermediários, dos cofres públicos, através das empresas estatais. E o pior, alguns dos dirigentes doo próprio PT ficaram com a cópia da chave-mestra que abria qualquer cofre. Gostaram da “brincadeira”, se envolveram com o que há de pior na política, contrariando aquilo que sempre combatemos.
O processo de corrupção chocou a militância, o governo perdeu o apoio da classe média, da juventude, dos artistas, intelectuais e até mesmo dos setores que foram os mais beneficiados durante a estada no poder: os milhões de incluídos na economia de mercado. Perdeu a confiança do capital e criou as condições necessárias para a mobilização de milhões de descontentes com a corrupção instalada. Acabou no “petrolão”.
Pergunta-se: esse custo financeiro/político que o PT pagou para governar e se manter no poder valeu a pena?
Difícil de responder. No final, deixamos de ser referência para milhões de trabalhadores, de importantes setores da classe média, de grande parte de setores organizados dos movimentos sociais da juventude da classe artística e dos intelectuais, enfim, de grande parte da esquerda.
A atual estrutura partidária é o principal empecilho para a governabilidade de qualquer um que se proponha a governar esse país, sendo de direita ou de esquerda. Terá que manter, se quiser governar, o pagamento muito alto do custo financeiro. A existência de um grande número de partidos dá uma visão enganosa de pujança da democracia.
Pelo contrário, a existência de mais de 35 partidos no cenário político brasileiro, como são constituídos e os seus propósitos, longe de ser o fortalecimento da democracia é, na verdade, a sua descaracterização e negação. A grande maioria desses partidos não possui programas consistentes que os diferencie entre si. Não possuem perfis políticos claros ou algum sinal de ideologia. O mais comum é eles afirmarem que não são de direita nem de esquerda. São partidos que, utilizando as brechas da lei partidária, foram criados tão somente para serem alugados, fazerem negócios, abocanhar parte de fundo partidário, vender tempo de televisão e apoio, no varejo, para os governos de plantão.
Portanto, para construir uma democracia séria neste país – em que os partidos tenham programas e ideologias claras e que se possa implantar os mecanismos de poder de respeito ao resultado eleitoral para que se assegure a alternância do poder, através da vontade popular e não por meras circunstâncias eventuais de maiorias parlamentares construídas através do toma lá da cá – é necessário um novo pacto entre as forças políticas representativas, com um mínimo de consenso, para aprovar uma nova reforma política/partidária.
Hoje, esse mínimo possível, depois de várias tentativas de reformas políticas, se darão em cima de quatro pontos essenciais: manter a proibição de financiamento empresarial; proibição de coligações proporcionais; criar cláusula de barreira e a possibilidade de frentes ou federações partidárias.
Contudo, não podemos nos enganar. Mesmo com a reforma partidária possível, o capital continuará, a partir de sua força e do controle dos meios de produção, a manter hegemonia política com forte presença nos executivos e nos legislativos, nas instituições judiciárias, nas forças armadas, nas igrejas, na orientação educacional e, principalmente, na mídia.
Por outro lado, não podemos menosprezar a esquerda no Brasil, que também já provou que tem grande presença e influência nas universidades e nas escolas, em parte do judiciário, nos movimentos sociais organizados, nos segmentos politicamente minoritários (negros, mulheres, LGTB), nas igrejas e na mídia alternativa. Presença essa que, por si só, não é suficiente para um partido de esquerda se manter no poder. Queiramos ou não, os conservadores conseguem manter a hegemonia do pensamento e do comportamento da maior parte da sociedade.
Temos que ter claro que é no Parlamento, no estágio atual da democracia representativa no Brasil, que todas as demandas e contradições da sociedade brasileira terão que passar. Com todas as pressões e mobilizações, ocupações, greves etc é a Câmara e o Senado que irão decidir os rumos políticos do Brasil. Concordando ou não, o poder legislativo é o desaguadouro final de todas as demandas da nossa sociedade. Ou é através do Parlamento, ou, em última instância, a judicialização da política.
Para que um partido de esquerda chegue ao governo central, através dos mecanismos da democracia e possa governar segundo o seu programa para o qual foi eleito, é necessário que tenha, no mínimo, uma representatividade substancial no Congresso Nacional, capaz, por exemplo, de barrar as tentativas de golpes parlamentares, através da lei do impeachment, e que a necessidade de alianças, se for o caso, com partidos de direita ou centro-direita, se faça sob o controle e direção política dos setores da esquerda. Que, de forma alguma, a participação dos partidos conservadores não se dê em troca da entrega das chaves dos cofres públicos. Repetimos: Quando nos referimos à maioria parlamentar, é necessário deixar claro que é a maioria de um partido ou de partidos com afinidades programáticas, e não maioria com partidos conservadores.
A condição para a esquerda assumir o governo não pode se resumir somente em ter parte do controle do orçamento para uma melhor distribuição de renda, imprescindível – diga-se de passagem – em um governo voltado para os excluídos. Um governo de esquerda tem que ter em sua agenda, e para isso ter forte representação parlamentar, as propostas de radicalização da democracia; o desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social como saúde, educação, moradia, previdência social, as questões das mulheres, juventude, drogas, segurança pública, questões de gêneros, LGBT, a laicidade do estado e a inclusão social.
Um governo de esquerda não pode perder de vista, nunca, as fronteiras programáticas, éticas e políticas do próprio governo, pois são esses os princípios básicos caros à esquerda. Além de requerer uma forte representação parlamentar, a esquerda só poderá radicalizar a democracia, ou seja, a luta de classe, construindo e ampliando seus vínculos com os movimentos sociais, juventude, intelectuais. Sem a premissa básica de representatividade no Parlamento as esquerdas estarão destinadas a capitular ao capital e aos partidos conservadores, ou resistir e acabar golpeadas pela maioria do Parlamento.
Para finalizar, não podemos deixar de salientar, mais uma vez, que com todos os pressupostos aqui elencados, não podemos perder de vista que estamos falando de um governo de esquerda governando um Estado Capitalista, portanto, nos marcos e no limite do próprio capitalismo, com as suas regras, conceitos e pré-condições macroeconômicas de equilíbrio da moeda, inflação e desemprego e suas flutuações e crises de curto e longo prazos.
Por Rui Roosevelt, ex-membro da executiva nacional da CUT e ex-vice-presidente do diretório municipal do PT, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.