O olhar preocupado da guarani Neusa Runhã, Assessora de Saúde Indígena, é duplo: ela se desdobra entre cuidar da filha, de apenas dois meses, e ser uma das lideranças que ocupa, desde 29 de outubro, junto com cerca de 150 indígenas, de várias etnias, o Distrito Especial de Saúde Indígena (DSEI), em Curitiba. O ato reivindica a solução para o corte de verbas destinado à saúde indígena dos povos do litoral sul, que provoca redução de viaturas e mão de obra que prestam socorro às comunidades.
Como os três contratos emergenciais do DSEI são válidos até dezembro deste ano e não podem ser prorrogados, uma comissão está a caminho de Brasília e irá apresentar um documento na 6ª Câmara que garanta a licitação, por um período de um ano, sem a redução dos veículos e a mão de obra. A ocupação no DSEI só será encerrada depois que o documento estiver assinado.
Runhã explica que há cerca de um ano e meio o Conselho Indígena reivindica uma licitação com um contrato de 5 anos e que foram pegos de surpresa com a decisão do corte de verbas, “isso veio do nada lá de cima, no final do ano, o que é uma preocupação muito grande porque como vamos conseguir isso ano que vem? Com a mudança do governo também, não sabemos o que vai acontecer”
De acordo com ela, a situação já era difícil porque a demanda de carros e profissionais que atendem as aldeias é insuficiente, e não são todas as terras que contam com postos de saúde: “com poucos veículos o que nós fazemos é dar prioridade para a prioridade, então muitas vezes a gente deixa de atender algumas famílias, temos muitos cadeirantes, pessoas com problemas físicos, com doenças crônicas que fazem hemodiálise e precisam do veículo para se deslocar e fazer a consulta’’
O vice cacique guarani Nilson Florentino, de fala mansa e o olhos silenciosos, vive na aldeia de Palmeirinha, localizada no município de Chopinzinho, sudoeste do Paraná, na terra indígena de Mangueirinha, demarcada e dividida entre guaranis e kaingangs, e também relata a situação complicada enfrentada na aldeia: “temos uma médica que faz parte do programa Mais Médicos e ela atende uma vez por semana, mas para nós é pouco”.
A médica atende no posto de saúde localizado na aldeia de Palmeirinha, e as consultas são realizadas para toda a terra indígena, a qual tem extensão de 17.308,07 km², e com cerca de 80 famílias guaranis e 800 kaingangs. O vice cacique comenta que outro problema é o de não possuírem motorista 24 horas, porque o funcionário contratado não pode fazer mais oito horas por dia e em casos de emergência precisam chamar o SAMU que costuma levar de uma hora a uma hora e meia para chegar ao local “nossa principal preocupação são as gestantes. E também precisamos de médicos por mais horas e contratação de auxiliares de limpeza para o posto”.
Desde 17 de outubro de 2016 a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) não é mais responsável por atos de gestão orçamentária e financeira da saúde indígena. A situação foi modificada depois que o Ministério da Saúde criou uma portaria que revogou esta situação.
Com isso, tanto a SESAI que subdelegava as atividades aos Coordenadores dos DSEIs, quanto os próprios, perderam a autonomia. De acordo com documento emitido ao Ministério Público, “todos os DSEI’s não poderão mais emitir notas e créditos e de empenho, e anulação de recursos orçamentários; ordenar a realização de despesa e conceder suprimento de fundos; conceder diárias; requisitar em objeto de serviço passagens e transporte por qualquer via ou meio, de pessoas e bagagens, devendo, inclusive, suspender todos os pregões ‘’
O documento, criado em 24 de outubro de 2016, argumenta que esta portaria é uma violação ao direito à saúde garantido pela constituição, “afronta-se a organização do Subsistema e a necessidade de consulta livre, prévia e informada para realização de qualquer ato administrativo ou legislativo que afete interesse e direitos dos povos indígenas”. Uma vez que na prática estas populações ficam suscetíveis a providências tomadas diretamente de Brasília e sem aviso prévio.
Os olhos que percorrerem os corredores do DSEI verão homens, mulheres, velhos e crianças convivendo pacificamente com funcionários. Entre os índios espalhados por barracas, rodas de conversa e jovens que tocam violão, mantém-se a esperança de que o direito à saúde seja garantido. “Porque a saúde não pode parar. Se a licitação não for assinada será um retrocesso muito grande. Tem muitas pessoas carentes dentro das aldeias e que precisam de muita atenção da saúde. A situação está precária em todos os estados, não temos recursos suficientes’’, enfatiza Runhã.
Por Brasil de Fato