MEC ameaça permanência de indígenas em universidades federais

No primeiro semestre de 2018, aproximadamente 2,500 indígenas e quilombolas entraram nas universidades federais e aguardam pela Bolsa Permanência

Guilherme Cavalli/Cimi

“Sabemos que não é suficiente, mas fazer o que? ”, diz ministro ao oferecer 800 bolsas para uma demanda de 5 mil inscritos

Com justificativa de que o Ministério da Educação (MEC) trabalha com rombo de quase R$ 11 milhões no Programa Bolsa Permanência, o ministro da educação, Rossieli Soares, comunicou nesta terça-feira (29) cortes no auxílio financeiro a indígenas e quilombolas que estudam em universidades federais. Em reunião com 20 estudantes que viajaram a Brasília para defender o programa, o ministro informou que dispõe de 800 vagas anuais.

A realidade: a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC) divulgou que no primeiro semestre universidades federais receberam matrículas de 2.500 indígenas e quilombolas. Segundo a delegação, as inscrições ocorrem por contar com o apoio.

A proposta do MEC apresentada para a delegação vinda das cinco regiões do país é de que, para o corte de mais de aproximadamente 4 mil vagas anuais da Bolsa Permanência, fosse criado um Grupo de Trabalho composto pelos próprios indígenas e quilombolas. A equipe teria missão de “cunhar critérios” para estabelecer quem receberia a bolsa. A proposição foi repudiada sob a argumentação de que “não irão legitimar a retira direitos e a exclusão dos próprios parentes”.

“Pedir para criar uma comissão para que quatro pessoas resolvam o problema do Governo? Não aceitaremos. É uma maneira que o MEC está arrumando de diminuir o acesso de indígenas e quilombolas no ensino superior”, comentou Marcley Pataxó. Em carta, os estudantes caracterizam que proposta fere os direitos dos povos.

“O ministro nos trouxe até Brasília para ser frio, ríspido, não se dispor a ouvir as demandas e saber das realidades. Veio só para dar a decisão que já estava tomada e dizer que precisava sair para reunião com Temer. Não veio para um diálogo, somente para uma imposição”, questiona Luana Kumaruara, estudante de Antropologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

“Essa reunião mostra os retrocessos nos nossos direitos, onde se tenta atacar uma política já garantida. Saímos frustrados com a decisão. Essa política de ação afirmativa foi criada para atender uma vulnerabilidade, como fazer distinção de quem é vulnerável ou não entre os vulneráveis?”

A reunião estava marcada desde o Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorreu em Brasília de 23 a 27 de abril, quando estudantes indígenas exigiram respostas pela não publicação do edital do Bolsa Permanência. A agenda com o ministro ocorreu após pressão de indígenas e quilombolas em Brasília.

No dia 22, durante semana de mobilização, Vicente de Paula Almeida Júnior, da Diretoria de Políticas e Programas de Educação Superior, afirmou que o MEC aguardava aprovação orçamentária da Subsecretaria de Planejamento do ministério para aprovar o programa e que o fim do auxílio seria “boato para fazer terrorismo por intensão política”. Ontem, sustentaram que o orçamento não será suficiente para garantir a continuidade do programa nos moldes anteriores.

“Saímos daqui sem aceitar esse acordo desrespeitoso. Várias regiões e delegações acharam um acordo humilhante. Não dá para aceitar que uma conquista das nossas lideranças seja retirada. Não vamos aceitar nenhum retrocesso nessas políticas”, assegurou a liderança indígena Kumaruara.

Para o coordenador Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), Kâhu Pataxó, o MEC legitima o racismo sistemático do Estado brasileiro contra os povos indígenas e quilombolas. “É uma dívida histórica negada mais uma vez. Não aceitamos. Procuraremos outras formas para resolver essas violências”, sustenta o acadêmico de direito.

“Nos oferecem 800 vagas para situação que temo vivido, com estudantes sofrendo pressões por não saber onde irão dormir no próximo mês. Além de enfrentarmos o racismo do ambiente universitário, a permanência é afetada porque Estado Brasileiro não cumpre seu papel de dar condições inclusivas”, relatou Kâhu.

Educação não é prioridade para Temer

No primeiro orçamento aprovado após a vigência da Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95), que limita as despesas públicas à inflação do ano anterior pelos próximos 20 anos, o MEC teve um corte de 30%.

Em 2018, a Lei Orçamentária destinará R$ 109 bilhões para a Educação e R$ 316 bilhões com o pagamento de juros da dívida, devido aos altos juros. Síntese: o governo gaste com juros da dívida três vezes mais do que com Educação. Os cortes na Bolsa Permanência são reflexos dessa política. Um levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que “no planejamento do governo em 2018, o orçamento previsto é de apenas R$ 5 bilhões para universidades, enquanto em 2017 foi de R$ 8 bilhões e de R$ 15 bilhões em 2015”.

“Governo investe e compra deputados para aprovar leis. Quando se fala em investir em educação, eles vêm com a desculpa orçamentária”, lamenta Kâhu Pataxó. “Começaremos nossas jornadas de luta e esperamos do ministério propostas que sejam mais palpáveis às realidades. Apresentar uma proposta dessas é achar que somos ignorantes”.

Segundo o Inesc, “mesmo que a arrecadação cresça não haverá aumento de recursos para a área da educação”, o que comprova um achatamento dos gastos estatais com despesas sociais, como o programa Bolsa Permanência. O mesmo estudo aponta que com a PEC do Congelamento dos gastos, ocorreu uma queda de 19% da participação da Educação no bolo do Orçamento da União em 2017.

Criado em 2013, o Bolsa Permanência é uma ação que oferece auxílio financeiro a estudantes indígenas e quilombolas matriculados em instituições federais de ensino superior. Desde sua criação, o programa atendeu 7.370 indígenas, 2.666 quilombolas e 9.563 estudantes de baixa renda, que deixaram de receber o auxílio em 2016. O valor destinado para a assistência estudantil em 2018 corresponde a 137 milhões.

O Ministro da Educação

Indicado por Mendonça Filho (DEM-PE), ministro anterior que deixou o cargo por cogitar disputar o governo do Pernambuco ou formar uma chapa como vice, Rossieli Soares responde pelo MEC há um mês. Formado em Direito, com especializações em direito ambiental e em processos de licitações e mestrado em Gestão e Avaliação Educacional, Soares foi indicação política do Democratas (DEM).

Quando indígenas e quilombolas acusaram atual governo de promover cortes em programas sociais e políticas de educação, o ministro saiu em defesa de Michel Temer. “Lembrem vocês que quem faliu o Brasil foi o outro Governo”, defendeu rispidamente.

Entre os destaques da carreira do homem considerado nomeação técnica para o ministério, em outubro de 2017, Rossieli foi condenado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Amazonas a devolver R$ 1,4 milhões por falta de comprovação de uso de recursos financeiros. Na época da irregularidade, gestor respondia pelo Fundo Estadual de Incentivo ao Cumprimento de Metas da Educação Básica.

Do Cimi

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