“Reunido em 10 e 11 de novembro de 2016, o Diretório Nacional do PT aprovou resolução convocando a realização do 6º Congresso Nacional do partido, nos dias 7, 8 e 9 de abril de 2017. Diz a resolução que “instrumento de reorganização, renovação, revitalização e retificação de nossas práticas internas, mas também de nossas relações com a sociedade, o 6º Congresso (…) deverá eleger as novas direções partidárias, a partir da base” e que, “além disso, em um amplo debate — aberto à participação de movimentos, estudantes, intelectuais, simpatizantes, jovens, militantes da esquerda, democratas –”, deverá “atualizar nosso programa, nossa estratégia e nossas formas de organização, a fim de reafirmar nosso compromisso histórico de construir uma nova sociedade”. E conclui o Diretório Nacional dizendo que “é para cumprirmos esta missão que convocamos toda a nossa militância”.
Sobre o Congresso Nacional do Partido, diz o Estatuto do PT:
Art. 126. O Partido realizará, periodicamente, Congressos Nacionais para analisar, discutir e deliberar sobre sua atuação política, sobre questões de âmbito nacional, atualização do Programa, formas de organização ou funcionamento partidário.
Art. 127. Os Congressos serão convocados pelo Diretório Nacional, a quem compete elaborar a pauta, devendo ser antecedidos de Congressos Estaduais e Municipais, conforme critérios definidos em Regulamento a ser estabelecido pelo próprio Diretório Nacional, que assegurem ampla participação das bases partidárias.”
A decisão do Diretório Nacional de convocar o 6º Congresso é correta, não há o que discutir. O PT precisa realmente de um momento de reflexão profunda sobre sua atuação nos anos em que esteve à frente do governo do país, sobre o modo como ao governo chegou e sobre como deve enfrentar os gravíssimos desafios que lhe são postos pela conjuntura pós-golpe.
Uma reflexão que precisa ser feita à luz dos valores, princípios e ideais que deram origem ao partido; à luz de um balanço honesto e corajoso dos resultados das escolhas que o partido fez, no campo da estratégia e das táticas; à luz da história das formas como o partido realmente organizou-se e funcionou internamente desde a sua fundação; uma reflexão, enfim, que precisa ser feita à luz de uma análise bastante realista do atual momento da luta de classes no Brasil e no mundo; para ao fim decidir qual a melhor estratégia para a disputa política dos próximos anos e como o partido deve se organizar e funcionar internamente para ser capaz de realizar esta estratégia.
Mas a esperança de um futuro melhor que a decisão do Diretório Nacional com certeza desperta traz consigo um desafio dos mais difíceis para os petistas. Porque a realização do 6º Congresso, a par de todas as boas perspetivas que abre, é na verdade mais uma prova de fogo para o PT como organização. Trata-se agora de mobilizar para participar do debate partidário um contingente de nada menos que 1 milhão e 700 mil filiados espalhados por todo o Brasil. Para se ter uma ideia do quanto isto será difícil, basta lembrar que no começo de 2013, há pouco mais de 3 anos, portanto, a direção nacional do PT decidiu lançar dois abaixo-assinados, com projetos de lei de iniciativa popular pela Reforma Política e pela Democratização da Mídia, com metas para cada um, definidas de acordo com os requisitos estabelecidos na Constituição, de um milhão e meio de assinaturas a serem colhidas. Bastava, portanto, pegar as assinaturas dos filiados do próprio partido para se atingir este objetivo. Mas o PT não conseguiu. Os abaixo-assinados logo sumiram e nunca se teve notícias de quantas assinaturas se chegou a colher.
Ou seja, o partido que não consegue mobilizar a sua base de filiados sequer para um abaixo-assinado, propõe-se agora a fazer um congresso nacional “com ampla participação” desta mesma base. E esta, com certeza, é uma missão bem mais complexa. O que significa que, para o partido ter êxito, a direção e a vanguarda partidárias vão ter que fazer um enorme esforço para superar os seus limites. Porque se mantiverem o padrão de atuação que têm tido até hoje, não poderá a participação dos filiados no congresso ser maior do que foi no caso dos abaixo-assinados fracassados.
O maior problema do PT é realmente a sua falta de poder de ação coletiva, ou seja, a incapacidade do partido de mobilizar a sua base para qualquer atividade. A falta de poder de ação coletiva é uma deficiência gravíssima porque inviabiliza não só a democracia partidária, mas também a atuação do partido nas ruas. O 6º Congresso será fortemente afetado por este problema, com repercussões inclusive na qualidade das suas resoluções, se não houver nestes meses que o antecedem uma verdadeira revolução na forma de o partido funcionar. O sucesso do 6º Congresso dependerá de uma firme decisão, do empenho e da capacidade da direção e da vanguarda do PT de solucionarem rapidamente o problema da falta de poder de ação coletiva do partido. Mas para que isto aconteça, é preciso que direção e vanguarda se conscientizem realmente da existência do problema, dos prejuízos que ele causa e da necessidade de superá-lo o quanto antes. Porque, a meu ver, infelizmente, esta consciência ainda falta.
Vejo com que interesse e profundidade a maior parte dos companheiros trata os temas relacionados à análise de conjuntura e concepção de estratégias e ao mesmo tempo o desinteresse que se tem pela organização e funcionamento do partido, a superficialidade e ligeireza com que se trata este tema, nas raras vezes em que ele é abordado. Como se a estratégia definida não dependesse, para ser realizada, do modo como o partido se organiza e funciona. Pois, eu lhes digo que depende, companheiros, depende completamente. Porque a mais acertada estratégia e as mais acertadas táticas precisam, evidentemente, de um partido capaz de operacionalizá-las, caso contrário nunca sairão do plano das boas e corretas intenções frustradas. Disso sabiam bem os generais de todos o exércitos vitoriosos da História, desde o lendário Sun Tzu. Além disso, a democracia partidária, pela qual todos dizem aspirar, também depende inteiramente da organização e funcionamento do partido. Então por que se trata com tanto desleixo este tema, com tanto desinteresse, por que se dedica a ele tão pouco tempo e atenção?
A falta de poder de ação coletiva do PT, ou seja, a incapacidade do partido de mobilizar a sua base para qualquer atividade, decorre dos problemas de organização e funcionamento do partido e, sem a menor sombra de dúvida, representa o maior obstáculo à realização de um 6º Congresso com ampla participação dos filiados. O sucesso do 6º Congresso exige, portanto, o enfrentamento imediato, firme e persistente destes problemas de organização e funcionamento. A máquina partidária precisa funcionar como nunca para dar conta do gigantesco desafio de se envolver no debate político os mais de 1 milhão e 700 mil petistas filiados. O 6º Congresso, desde esta sua fase de preparação em que nos encontramos, deve ser encarado como um grande movimento de politização e comprometimento da base do PT com a construção do partido e com a luta pelos seus objetivos imediatos e estratégicos. Não se trata, portanto, apenas de fazer um congresso representativo, mas de incorporar efetivamente a massa de filiados ao partido para a elaboração e realização da sua política.
Um partido é uma associação e associar é somar. Quando um eleitor do PT se filia ao partido, ele afirma, com esse gesto, o seu desejo de somar, de contribuir com algo, além do voto nas urnas. O filiado é, portanto, alguém que se dispõe a ser mais do que eleitor. Ele quer participar da elaboração política e das decisões, quer contribuir financeiramente, e quer ser um trabalhador e um soldado voluntário a serviço do partido e suas causas. Ele quer realmente “fazer parte” e “fazer a sua parte”. O Pré Sal do PT é esta sua base de 1 milhão e 700 mil filiados. É dela, e só dela, que o partido pode extrair legitimamente todos os recursos humanos e materiais necessários para a implementação das suas estratégias de luta. E quem tem o dever político e a prerrogativa estatutária intransferível de extrair e administrar estes recursos é a direção partidária.
O dever da direção partidária é corresponder ao desejo do filiado de participar, acolhendo sua intenção de ajudar e absorvendo todos os recursos que ele queira e possa oferecer, para o devido emprego na realização das ações destinadas à conquista dos objetivos do partido. E a única maneira da direção partidária corresponder ao desejo do filiado de participar é cumprindo os deveres que o estatuto do PT atribui aos diretórios e garantindo o funcionamento pleno e regular destas instâncias.
Não há outra alternativa senão esta para envolver a base de 1 milhão e 700 mil filiados do PT nos debates do 6º Congresso, assim como na luta contra o avanço do fascismo e do neoliberalismo no país. A disciplina dos dirigentes é fundamental, imprescindível mesmo, para a mobilização ampla da base partidária. Sem dirigentes disciplinados não se constrói uma democracia partidária de massas. E sem dirigentes disciplinados não se constrói uma organização política de milhões de combatentes ativos, um partido de massas que seja realmente militante.
Por Silvio Melgarejo, professor de música, filiado de base do Rio de Janeiro/RJ, para a Tribuna de Debates do IV Congresso. Saiba como participar.