“Austeridade mata”. O alerta foi feito pela presidenta da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo e Silva, durante a sua participação na audiência pública realizada pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, que discutiu a volta do sarampo e as ações do Ministério da Saúde. Ela explicou que o (des) financiamento da saúde, a partir da Emenda Constitucional 95, que congelou investimentos públicos, trouxe indicadores ruim para o setor da saúde. “Além da volta do sarampo, aumentou a mortalidade em decorrência do câncer e de doenças cardiovasculares”, lamentou.
A preocupação da presidenta da Abrasco é a mesma do deputado Jorge Solla (PT-BA), autor do requerimento que garantiu a realização da audiência pública. “Estamos preocupados com a volta do sarampo – o Brasil até 2016 tinha o certificado de erradicação da doença – e com o orçamento curto, a situação pode se agravar”, ressaltou.
Solla disse que além dos efeitos da EC 95, o orçamento do setor para o 2020 é menor do que o deste ano. E a situação pode ainda ser mais grave, segundo o deputado, com a notícia que os jornais trazem nesta quinta-feira (24) de que o ministro Paulo Guedes sinaliza com a desvinculação de recursos para a Saúde. “O risco de desvinculação é grande, nós não podemos aceitar porque o impacto na Sistema Único de Saúde (SUS) será muito negativo”, afirmou.
Atualmente a legislação brasileira obriga o poder público das esferas federal, estadual e municipal a gastar valores mínimos com a saúde – isto é, tem um piso de gastos para essa área. E o que o governo pretende é acabar com esse piso.
Jorge Solla explicou que toda essa limitação financeira retira recursos, por exemplo, da atenção básica, promove rotatividade e redução salarial, além de diminuir os estoques de vacina. “E ainda temos outro problema a ser enfrentado no orçamento deste ano, que já é pequeno. Há um pré-contingenciamento de R$ 30 bilhões da saúde. Ou seja, a sua liberação depende de uma aprovação específica do Congresso”, lamentou.
Vacina X sarampo
Sobre a epidemia de sarampo, com foco principal em São Paulo, Jorge Solla observou que por se tratar da maior cidade do País o deslocamento do vírus é rápido, dificultando o bloqueio da transmissão. “Por lá passam pessoas que se dirigem ao País inteiro, e uma pessoa infectada pode transmitir a doença para até 18 pessoas. Por isso, é necessária uma ação rápida e aumentar o grau de cobertura da vacinação”, defendeu.
O deputado ainda apelou para que o governo mantenha os recursos para a construção de uma nova fábrica de vacina da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) no Rio de Janeiro. “O laboratório extrapola a produção de vacinas contra sarampo e da febre amarela. Eles têm a tecnologia, mas não produz a quantidade suficiente de vacina”. Solla disse que sabe do esforço na aquisição de vacina de 2018 para 2019, mas a quantidade ainda ficou aquém da necessidade. “Não faltou a vacina o tempo inteiro, mas teve dificuldade de ela chegar até a ponta. E além da contrainformação das redes sociais sobre a eficácia da vacina, também faltaram campanhas motivando a vacinação”, completou.
Queda na cobertura
Gulnar Azevedo e Silva, da Abrasco, em sua exposição também falou sobre a queda na cobertura da vacinação contra sarampo no Brasil. “A situação é greve, porque trata-se de uma doença aguda e muito infeciosa”. Ela lembrou que em agosto de 2018 a Abrasco já tinha alertado sobre a queda na cobertura, sobre os reflexos da crise financeira no setor, sobre a piora nos serviços do SUS. “Também teve falta de vacina, corte em políticas importantes para a área, redução de recursos e falha na estratégia de comunicação”. Gulnar reconhece que o problema – surto e epidemia – do sarampo não acontece só no Brasil. “Esse é um problema mundial e a estratégia da saúde da família é fundamental para erradicarmos a doença”, defendeu.
Cláudio Maierovitch, da Fiocruz, também participou do debate e destacou que com o Sistema Único de Saúde, com programas sociais, o Brasil tinha eliminado o sarampo em ação conjunta com as Américas. “Saímos de um quadro de 40 anos atrás, que registrava 1 mil para cada 100 mil casos para 100 mortes para cada 100 mil casos. Mas o quadro hoje é preocupante, em São Paulo já foi registrado 13 óbitos, sendo sete crianças”, enumerou.
Maierovitch também defendeu investimento na vacinação, na atenção básica e na saúde da família. “Perdemos um precioso instrumento que foi o fim do Mais Médicos, esperamos que o novo Programa Médicos pelo Brasil seja implantado rapidamente porque já perdemos um tempo precioso”, avaliou.
9.304 casos
Secretário de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, Wanderson Kleber de Oliveira, participou do debate e explicou que os casos de sarampo registrados em São Paulo são diferentes do surto ocorrido no ano passado, no Norte do Brasil, com o registro de mais de 10 mil casos. “Desta vez o vírus não veio da Venezuela, veio da Noruega e de Israel e a cadeia de transmissão foi diferente”.
Ele também citou que foram registrados de janeiro até hoje 9.304 casos de sarampo no País. A maioria em São Paulo. Wanderson reconheceu que a cobertura não atinge todos os estados de 2015 a 2018, sendo que a menor cobertura aconteceu no Rio Grande do Sul, Piauí, Acre, Maranhão, Bahia, Amapá e Pará.
A representante da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) Lely Guzman também participou da audiência e reafirmou a parceria com o Brasil para trabalhar na erradicação do Sarampo. “O desafio é melhorar a vigilância, manter a vacinação e recuperar o certificado de erradicação da doença. Não é pelo cartão, é pela saúde das pessoas”, afirmou.
Por PT na Câmara