Lourival Bezerra de Sá, 78 anos, faleceu em decorrência de um infarto no dia 5 de outubro de 2018: esse poderia ser mais um texto sobre um idoso que morreu de causas naturais, se a mídia tradicional não tivesse sido desrespeitosa ao ponto de usar transfobia para noticiar a história.
O senhor Lourival passou a vida inteira de acordo com o gênero que se identificava: o masculino. Mas infelizmente, após sua morte, reportagens estamparam em suas manchetes que “ele era uma senhora que fingia ser um homem”. Questionaram sua família e amigos, deduziram que ele e sua esposa viviam na verdade de forma amigável, pois não poderiam ter uma relação de casal. Justificaram a abordagem com o fato do idoso não possuir documentos.
Para a Secretária Nacional LGBT do PT, Janaína Oliveira, a mídia reportou o caso de maneira transfóbica e desrespeitosa ao criminalizar sua vivência e deslegitimar sua vida. Ela explica que um senhor com a idade de Lourival provavelmente não tinha acesso a informação de seus direitos garantidos, por isso não tinha as documentações com o nome masculino. “É importante que as pessoas tenham ciência que apenas alguns poucos direitos da população trans passaram a ser reconhecidos recentemente e o que estão fazendo é uma violência contra ele, a família e a toda a comunidade LGBT”.
O integrante do Coletivo de Homens Trans do Distrito Federal, Bernardo Mota, diz se sentir surpreso negativamente com a maneira que a mídia tratou o caso. “Nos últimos anos a mídia no geral tinha aprendido ou estava com um costume de tratar melhor e respeitar as identidades trans, só que toda a construção do caso Lourival foi desrespeitosa, primeiro com a memória dele que viveu praticamente a sua vida inteira com a sua identidade masculina e depois com os familiares e vizinhos que se referiam a ele como homem, então não é uma genitália que vai desconsiderar o que ele passou a vida construindo como identidade”
Bernardo afirma que o movimento de homens trans quer que a identidade do sr. Lourival seja respeitada. Ele esclarece também que a forma que a história do sr. Lourival foi tratada é ainda mais desrespeitosa pois o coloca como um “impostor”, mas que o real problema é a transfobia exposta pelas mídias que não o respeitaram, tendo como agravante o fato dele não estar mais vivo para se defender.
A presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson, também ficou indignada com a maneira que a mídia tratou o caso. “Foi algo muito cruel para uma pessoa trans, isso foi tratado de uma maneira completamente tendenciosa, e em nenhum momento houve a tentativa de humanizar a situação. A gente vive um retrocesso vindo da mídia, e a população trans encontra um descontentamento por, mesmo nos dias de hoje, ainda existirem esse tipo de matérias”.
“A mídia negou a existência desse homem, negou sua identidade, e o associa como uma fraude. Um homem simples de 78 anos não tinha o entendimento que nós hoje podemos fazer nossos documentos, mas os jornalistas, sim, tinham o dever de compreender que vivemos outros tempos e que eles deveriam ser mais cuidadosos com esse tipo de matéria. Colocar essa pessoa como uma fraude é vilipendiar um corpo morto de uma pessoa que teve toda uma vida de reservas”, finalizou.
A Antra divulgou uma nota de repúdio pelo episódio transfóbico e em respeito a memória de sr. Lourival.
Por Jéssica Rodrigues, para a Secretaria Nacional de Mulheres do PT